Política

Créditos suplementares e o parecer da junta pericial do Impeachment

A junta ultrapassou as atribuições da função pública a ela incumbida ao não se limitar às controvérsias fáticas delimitadas nos quesitos

Apoie Siga-nos no

Recentemente foi divulgado o laudo pericial produzido por uma junta designada para, nos autos da denúncia por infração político-administrativa de impeachment da Presidenta da República, Dilma Rousseff, manifestar-se sobre determinados quesitos elaborados pela defesa, pela acusação e pelo relator do processo administrativo.

Os quesitos versavam, essencialmente, sobre determinados elementos do objeto da denúncia, isto é, suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais sem autorização do Congresso Nacional e contratação ilegal de operações de crédito, chamadas de pedaladas fiscais.

No plano estritamente fático identificou que Dilma não teve participação na produção das pedaladas. Como a Constituição exige ato do Presidente, ou no mínimo omissão comissiva, para caracterizar a autoria do crime de responsabilidade, o laudo constitui prova importante para descaracterização do imputado crime, de fato inexistente

Ocorre que a junta pericial ultrapassou as atribuições da função pública a ela incumbida ao não se limitar às controvérsias fáticas delimitadas nos quesitos, em especial os de abertura de crédito suplementar.

Mais do que a elucidação dos questionamentos fáticos suscitados – ou algo que podemos chamar de realização de “juízo de realidade” – a junta produziu juízo de valor, o que é descabido.

A valoração já fica evidenciada quando se apontou que, com relação aos critérios adotados na produção do laudo, a junta pautou-se “nas normas jurídicas e nos princípios integrantes do ordenamento jurídico”, bem como nos “mandamentos constitucionais e legais sobre a matéria e os ditames e princípios insculpidos na Lei de Responsabilidade Fiscal”.

Especificamente com relação à questão dos Decretos de crédito suplementar, a junta salientou que “como esses decretos não se submetem às condicionantes expressas no caput do art. 4 da LOA/2015, sua abertura demandaria autorização legislativa prévia, nos termos do art. 167, inciso V, da CF/88”.

Já quanto às operações no âmbito do Plano Safra, concluiu a junta que “os atrasos nos pagamentos devidos ao Banco do Brasil constituem operação de crédito, tendo a União como devedora, o que afronta ao disposto no art. 36 da LRF”.

Constata-se, assim, que a elucidação de questões fáticas deu lugar à sua qualificação deôntica. Mais que proposições descritivas ou teoréticas, a junta exarou, equivocadamente, proposições prescritivas, o que é impensável para aqueles agentes destinados a, tendo em vista sua expertise técnica ou científica, assistir ao julgador exclusivamente na prova de fatos.

Como se não bastasse referido equívoco, é importante salientar que a abertura de créditos suplementares seguiu as disposições normativas de regência – especialmente o art. 4º da Lei n.º 13.115/2015 – e amparado em pareceres técnicos e jurídicos produzidos nos respectivos processos administrativos, o que afasta qualquer identificação de conduta dolosa grave pela Presidenta da República.

Tais processos administrativos chegaram à Presidência, como de praxe, contendo todos os elementos técnicos e jurídicos necessários à sua recepção, inexistindo desvios. Não se poderia, portanto, exigir conduta diversa senão o prosseguimento das medidas administrativas tendentes à abertura do crédito suplementar.

Como se sabe, os créditos suplementares, diante da insuficiência dos valores previstos, aumentam as dotações orçamentárias destinadas a determinadas despesas. Trata-se, portanto, de mecanismo ínsito à dinâmica que rege o orçamento público que se destina, precipuamente, a garantir a observância da meta de resultado primário.

Além do mais, a diminuição da arrecadação tributária levou à revisão da meta de resultado primário, o que foi desencadeado pelo Projeto de Lei n.º 5/2015, convertido na Lei n.º 13.199/2015, o que legitimou a abertura dos créditos suplementares realizados, referendando-os.

Lourival Vilanova, ao tratar especificamente do functor deôntico no Direito, distingue a causalidade natural da jurídica. No primeiro caso, a relação entre hipótese e consequência é enunciativa, descritiva. Já na causalidade jurídica, há o que ele chamada de implicação formal. Assim considerando, não é dado ao perito, no exercício da sua função pública, estabelecer relações de implicação formal entre hipótese e consequência.

Nesse equívoco incorreu a junta pericial, a qual não estabeleceu apenas relações de natureza enunciativa, o que macula o laudo por ela produzido no que tange a qualificação jurídica dos créditos suplementares.

 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo