Política

Ciro Gomes: “Tenho condição de servir ao País”

No programa Jogo de Carta, o ex-governador e ministro confirma sua presença nas próximas eleições presidenciais

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“Sim, sou candidato a presidente do Brasil”, esclarece, logo de partida, Ciro Gomes, ex-governador do Ceará e ministro da Integração Nacional no primeiro mandato do governo Lula, em entrevista ao vivo para o Jogo de Carta, novo programa de entrevistas de Mino Carta, diretor de redação da revista CartaCapital, sob a mediação de Rodrigo Martins, editor-executivo do site da publicação.

Abrigado no PDT, Ciro honra a memória de Leonel Brizola, histórico quadro do partido, ao defender o retorno de Dilma Rousseff em nome da legalidade. Rejeita, ainda, encampar a proposta de um plebiscito para a antecipação de novas eleições, ainda que isto pudesse beneficiá-lo. “Se eleito, preciso de uma regra muito forte e respeitada para encostar minhas costas”.

A proposta do Jogo de Carta é convidar ilustres personalidades para um diálogo franco sobre os temas mais relevantes do momento. Os leitores de CartaCapital participam do debate, por meio de perguntas enviadas à página do evento no Facebook. O título faz alusão a uma antiga aventura de Mino pela TV Record, nos anos 1980, sob a direção de Fernando Faro.

O programa foi abruptamente encerrado, após três anos no ar, graças à insidiosa pressão do então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, sobre a família Machado de Carvalho, antiga proprietária da emissora.

A primeira edição do Jogo de Carta em formato digital registrou mais de 30 mil visualizações pelo Facebook, além de atingir um público superior a 220 mil usuários da rede social. Os números referem-se apenas à transmissão ao vivo. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Ciro Gomes. A íntegra, em vídeo, está disponível ao final do texto.

Jogo de Carta: Você é mesmo candidato?
Ciro Gomes: Sim, sou candidato a presidente do Brasil. Acredito que amadureci, tenho condição de servir ao País, oferecendo uma alternativa de projeto nacional. Naturalmente, sei que esse querer forte não é o suficiente. É preciso que a candidatura tenha alguma naturalidade, seja recebida pela sociedade brasileira como útil à construção de um debate.

JC: O senhor não acha que há certo conformismo em relação ao golpe?
CG: A coisa não se consumou ainda. É tão grave retirar do povo o monopólio do direito de escolher seu presidente, que isto gerará instabilidade para os próximos 20 anos. Qualquer presidente que queira fazer o que tem de ser feito vai ser perseguido, coagido. É possível enfrentar isso com a segurança da regra. Ou seja, numa democracia, o povo bota e o povo tira, mais ninguém.

JC: E o PT, como se porta nesse momento? Não parece um tanto resignado?
CG: O PT está catatônico, porque tem uma parte que, infelizmente, chafurdou nesse pragmatismo irresponsável e corrupto. Esse lado se sentiu autorizado a isso porque viu, a vida inteira, o outro lado fazer o mesmo. Não percebeu que os demais integram a plutocracia brasileira.

Boa parte das revistas, dos jornais não estava nem aí para a moralidade, sempre protegeram os seus sócios no poder. Por algum tempo, a turma do PT se imaginou sócia também. Ledo engano. O pecado do pecador é perdoado, mas o pecado do pregador, aquele que passa o dia inteiro se oferecendo como vestal exemplar, não dá.

JC: Vamos admitir a hipótese de Dilma Rousseff voltar ao poder…
CG: Nos Estados Unidos, em 1868, Andrew Johnson, um presidente impopular, também foi afastado sem cometer crime. Houve grande debate em torno da afirmação da soberania popular e da força da Constituição americana. E o Senado devolveu o mandato de Johnson por um voto, inclusive de um partido adversário. Dilma não conseguiu juntar um terço dos deputados. Ficou essa sensação de que ela não é capaz de governar. Mas o presidencialismo, com todos os defeitos, tem essa virtude. Se ela volta, é porque a maioria do povo constrangeu o Senado a recuar desta aventura golpista.

JC: E a proposta de um plebiscito para antecipar as eleições?
CG: Tenho três razões para não me entusiasmar com essa ideia, embora compreenda a nobreza de trazer o povo para resolver este colapso que a elite politica produziu de forma enojante. Primeiro, sou um possível candidato. Como posso defender a antecipação das eleições? Eticamente, sinto-me inibido de defender a uma coisa que atende ao meu próprio interesse.

Segundo, o apego à regra não é irrelevante. Amanhã, suponha que o brasileiro genuinamente me escolha para lhe servi-lo como seu presidente. Vou mexer nas coisas. Vou lá para quebrar ou ser quebrado. Preciso de uma regra muito forte e respeitada para encostar minhas costas.

Por fim, esse golpe não foi feito a favor de Temer. Foi feito contra nós, contra o povo brasileiro, contra o interesse nacional. Se Temer fracassar, como é provável, eles vão cassar a chapa Temer-Dilma, e fazer eleição indireta.

JC: Se o senhor for eleito presidente, terá condições de reverter os retrocessos aprovados nos últimos anos e os que estão por vir, no governo Temer?
CG: O presidencialismo é um regime de comunhão entre o presidente da República e o povo. Precisamos assentar essa relação na verdade, e ela nem sempre é agradável. Todos reclamam do sistema tributário, previdenciário e político. E a situação permanece como está, pois atende a interesses de uma minoria organizada, ativa e informada. O povo só é lembrado na véspera da eleição. Para tocar as reformas necessárias, é possível convocar plebiscitos e referendos.

A elite estigmatizou como chavismo o fato de chamar a população para votar. Esse modelo pode funcionar, tanto mais agora que o monopólio das mediações midiáticas não existe mais. Falamos neste programa e as pessoas podem replicar nossa conversa para o mundo inteiro.

JC: O senhor falou do Executivo e do Legislativo. E o Judiciário, existe no Brasil?
CG: Como dizia Rui Barbosa, é o poder que mais tem faltado à República. Há claramente uma vocação lusitana para a exacerbação dos protocolos legais, e o Judiciário paga um preço que não é propriamente de sua responsabilidade. Entretanto, na questão de freios e contrapesos institucionais, o Judiciário deserta claramente de sua responsabilidade.  A grande tarefa do Supremo é ser o guardião da Constituição. Não gosto da ideia de judicializar a política, mas é estão cassando uma presidenta da República sem crime de responsabilidade. O Supremo precisa esclarecer isso.

JC: E quanto às irregularidades cometidas na Operação da Lava Jato?
CG: Isso ainda está na instância local da Justiça. A Operação Satiagraha é um bom exemplo. Encantou o povo, foi uma novela de muitos capítulos, havia um delegado muito celebrado, Protógenes Queiroz, e no fim tudo foi anulado. O delegado está foragido do País, com prisão decretada. E os verdadeiros culpados por aquelas falcatruas todas estão com a certidão de inocência dada pelo Judiciário. Juiz bom não é xerife. Juiz bom é severo, que fala nos autos, sustenta suas decisões na lei, obedece aos princípios gerais do direito. 

JC: Quem manda mais, Eduardo Cunha ou Michel Temer?
CG: Cunha. Ele está em declínio, o Temer já o está traindo, como é da natureza de um traidor. Mas ele é o homem do Cunha, eu sei bem o que falo.

JC: Dê mais detalhes…
CG: Fui colega de Temer, então presidente da Câmara, e também colega – olha só como eu me odeio! – de Cunha.  Era obrigado a chamar Cunha de vossa Excelência, mas também o chamei de ladrão. Fui processado, sustentei na Justiça o que disse, porque sei o que ele é, e hoje o Brasil todo também sabe. A equação basicamente funcionava assim: Temer pegava uma medida provisória enviada pelo governo Lula e entregava para o Cunha relatar. Ele, então, pegava qualquer interesse dos lobbies plutocratas do Brasil e enxertava em assuntos absolutamente impertinentes. Criava uma emenda que atendia ao interesse desses grupos. Recebia o dinheiro e distribuía entre os colegas.

JC: Há pouco o senhor disse que o governo Temer vai fracassar. Por quê?
CG: Primeiro, porque ele é uma grande mentira. Não é possível colher um maracujá de um pé de maçã. Ele é basicamente o representante desse lado fisiológico, clientelista e corrupto do PMDB. O País precisa de uma coisa oposta.

Parte da decepção do povo com a Dilma é a prostração em função do escândalo. Ele vai responder pela decência? É só ver o governo que ele montou, é uma quadrilha, com algumas exceções. O Henrique Meirelles não é da quadrilha, tem alguns que não são, mas o eixo central é.

JC: Não é da quadrilha, mas está em todas as estações.
CG: Meirelles é um homem de banco, mas não o vejo na mesma categoria, deplorável, do conjunto do governo interino, a começar pelo próprio Temer. Quando você olha Moreira Franco, Romero Jucá, Eliseu Padilha… É gente antiga, manjada. Não é possível esperar nada, a não ser escândalo. Quem apoiou o golpe quer o fim da Lava Jato. Por mais que a grande mídia esteja emulando, nunca mais tivemos um capítulo novo, não tem como parar a investigação.

Falam em austeridade fiscal, mas Temer fará o governo mais estroina. Dilma pediu para homologar um déficit de 96 bilhões de reais. Temer pediu 170 bilhões. Imaginava-se que o erro estúpido de Dilma, de ter uma taxa de juros exorbitante, seria corrigido. Para a minha grave surpresa, a goela é tão sem limite que mantiveram a taxa. É recessão, falência, concordata.

JC: Não seria importante a união da esquerda nas próximas eleições?
CG: O Brasil que imagino não cabe num projeto de esquerda. É preciso ampliar a sustentação social. O Brasil precisa recelebrar um pacto com a burguesia nacional, que assumiu a retórica da direita pela negação. A nossa solidariedade com o MST assusta o agronegócio. Nossa vontade de fazer uma coisa ambientalmente sustentável hostiliza o produtor.

É preciso encerrar essa falsa contradição e ter solidariedade com a classe trabalhadora. Há mil caminhos. Quando fui ministro da Fazenda, criei a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa.  Para os empresários, a Taxa de Juros de Longo Prazo. É preciso uma aliança entre quem produz e quem trabalha no Brasil.

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