Política

Aécio e Eduardo Campos estão de olho no ‘incêndio’

Um fracasso do governo nas eleições municipais poderá colocar em risco a coalizão de Dilma

O governo federal vai ter que se articular para impedir o avanço da dupla Aécio e Eduardo Campos (foto). Foto: Dida Sampaio/AE
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por Fernando Filgueiras

 

No calendário eleitoral brasileiro, as eleições municipais são descoladas das eleições gerais, criando um quadro curioso de composição, recomposição ou mesmo formação de novas coalizões. As eleições municipais servem de ensaio para os parceiros, termômetro para os inimigos e novas negociações e aproximações entre partidos políticos e jogadores.

Normalmente se dá pouca atenção às eleições municipais, federalizando-as na discussão das coalizões no plano da União. Não é para menos. Afinal, dadas as características do federalismo brasileiro, tanto no plano político quanto no plano fiscal, existe enorme concentração na União em detrimento da autonomia dos demais entes federativos. Nesse sentido, é mais do que natural que a discussão sobre as eleições municipais se dê no plano do jogo político jogado na União, compreendendo aqui que as relações entre o Executivo e o Legislativo federais, o governo e suas bancadas partidárias e o lugar da oposição no xadrez político são fundamentais para as escolhas realizadas no plano dos municípios.

Mas um aspecto pouco observado pelos analistas políticos é o fato de que a formação das coalizões passa muito pelas eleições municipais, não apenas nas capitais, onde a visibilidade política é maior, mas também no Brasil profundo, onde o jogo das alianças é estabelecido e onde a maioria dos cidadãos brasileiros vive as suas vidas.

Não se pode menosprezar o papel das eleições municipais no quadro político brasileiro, nem mesmo os municípios como ente federativo central no cenário eleitoral.

No atual contexto, três ordens de questões precisam ser colocadas. Em primeiro lugar, quem são os protagonistas do atual xadrez político. Em segundo lugar, o que está em jogo no atual cenário. Em terceiro lugar, quais são as diretrizes e os movimentos estabelecidos pelos jogadores.

No que tange ao primeiro aspecto, quatro personagens merecem destaque. Primeiro o ex-governador José Serra. Ele apostou todas as suas fichas na eleição para a Prefeitura de São Paulo, colocando-se em um cenário de vida ou morte. Antes em um cenário em que poderia navegar tranquilo, por conta das inúmeras trapalhadas no PT paulistano, agora Serra confronta-se com uma organização e alinhamento petista derivados da liderança de Lula, que também apostou muitas fichas na eleição de Haddad. Haddad demonstra que não vai decolar, Chalita sequer deu as caras e Serra atrapalhou-se no atual cenário. O que ambos, PT e PSDB, não contavam é com o surgimento de uma terceira força, representada por Russomano. O efeito Russomano pode promover um realinhamento da elite paulistana, agregando insatisfeitos do PT e do PSDB, compondo nova força no cenário político. São Paulo, nesse sentido, está fora da curva das coalizões, o que demandará tanto do governo quanto da oposição um esforço enorme de negociação com o próprio Russomano, caso ele vença a eleição paulistana.

Ainda no primeiro aspecto, também merece destaque a dupla Aécio Neves e Eduardo Campos, que, de fato, são os protagonistas do atual cenário. Ambos desejam candidatarem-se em 2014 e estão movimentando o xadrez em torno de um aspecto pouco noticiado. É fato que a dívida dos estados e dos municípios beira ao colapso fiscal, que associado ao atual cenário de crise internacional e retração da atividade econômica, cria o paiol perfeito para o incêndio sem proporções na base do governo. É necessária apenas uma fagulha.

O número de insatisfeitos com o governo federal cresce à proporção da dívida e Dilma não tem transparecido que vá criar medidas efetivas contra o avanço dela nos estados e nos municípios, pelo menos até o segundo turno das eleições municipais. Estas medidas normalmente são pouco populares, o que demandará uma forte liderança política para reconstruir o pacto federativo. O governo federal sabe disso e vai ter que se articular para impedir o avanço da dupla Aécio e Eduardo Campos, que percebe a fragilidade do governo nesse aspecto. Um fracasso do governo nas eleições municipais poderá por em risco a governabilidade de Dilma no plano de sua coalizão, arrefecendo o poder do governo nos próximos dois anos de mandato.

A solução mais imediata é contar com um parceiro pouco confiável que é o PMDB. Como o PMDB tem forte capilaridade nos municípios, ainda sim dependerá da exclusiva liderança de Dilma, com a ajuda de Michel Temer. O objetivo principal será o de reconstruir as bases do pacto federativo e, por sua vez, dos acordos que movem a coalizão do governo federal. Sem isso, o avanço de Aécio e Eduardo Campos será inevitável. Aécio colocando-se na tribuna do Senado como arauto da municipalidade e Eduardo Campos nos bastidores, à frente dos governadores. Esse movimento fica claro quando se olha a eleição de Belo Horizonte. A convocação do PT ao nome de Patrus, rompendo a esquisita aliança com o PSDB e o PSB em torno do nome de Márcio Lacerda, é a identificação perfeita do sinal amarelo da base governista e resumo do atual cenário.

Nesse sentido, nunca tantas fichas foram jogadas nas eleições municipais e nunca as eleições municipais foram tratadas com tanto menosprezo. Dependerá dela a continuidade das políticas do governo e a composição para 2014. E dependerá dela também a recuperação da atividade econômica, afinal, nenhum investimento federal se coloca sem que os prefeitos tenham boa vontade de criar as condições para isso. Contar com prefeitos fazendo beicinho para o governo federal não é boa ideia. Como não é boa ideia retrucar fazendo careta quando os prefeitos dão uma enorme vaia para Dilma.

O que caberá ao eleitor nesse quadro? Já se sabe que as escolhas dos eleitores são sempre limitadas. Restará a ele escolher quem melhor apresentar propostas concretas para a gestão dos municípios, outro aspecto muito omitido pelos analistas políticos. Investimentos não decolam, muito por conta da incapacidade de gestão pública nos municípios, seja por diferentes falcatruas armadas contra o dinheiro público, seja por conta da incapacidade de administrar o bem público, tendo em vista o caos fiscal, a falta de servidores qualificados e condições estruturais para levar um projeto de desenvolvimento a termo. Principalmente no Brasil profundo.

Nestas eleições municipais, estas questões deveriam estar sendo debatidas. Mas o cenário de desordem federativa não permite que os jogadores transpareçam o jogo. Esse jogo é sempre oculto, porque não interessa a nenhum dos jogadores exporem-se diante de tal imbróglio. A quem caberá o protagonismo das cenas dos próximos capítulos. Certamente àquele que for capaz de seduzir os prefeitos e varrer para debaixo do tapete o velho problema da Federação brasileira.

 

por Fernando Filgueiras

 

No calendário eleitoral brasileiro, as eleições municipais são descoladas das eleições gerais, criando um quadro curioso de composição, recomposição ou mesmo formação de novas coalizões. As eleições municipais servem de ensaio para os parceiros, termômetro para os inimigos e novas negociações e aproximações entre partidos políticos e jogadores.

Normalmente se dá pouca atenção às eleições municipais, federalizando-as na discussão das coalizões no plano da União. Não é para menos. Afinal, dadas as características do federalismo brasileiro, tanto no plano político quanto no plano fiscal, existe enorme concentração na União em detrimento da autonomia dos demais entes federativos. Nesse sentido, é mais do que natural que a discussão sobre as eleições municipais se dê no plano do jogo político jogado na União, compreendendo aqui que as relações entre o Executivo e o Legislativo federais, o governo e suas bancadas partidárias e o lugar da oposição no xadrez político são fundamentais para as escolhas realizadas no plano dos municípios.

Mas um aspecto pouco observado pelos analistas políticos é o fato de que a formação das coalizões passa muito pelas eleições municipais, não apenas nas capitais, onde a visibilidade política é maior, mas também no Brasil profundo, onde o jogo das alianças é estabelecido e onde a maioria dos cidadãos brasileiros vive as suas vidas.

Não se pode menosprezar o papel das eleições municipais no quadro político brasileiro, nem mesmo os municípios como ente federativo central no cenário eleitoral.

No atual contexto, três ordens de questões precisam ser colocadas. Em primeiro lugar, quem são os protagonistas do atual xadrez político. Em segundo lugar, o que está em jogo no atual cenário. Em terceiro lugar, quais são as diretrizes e os movimentos estabelecidos pelos jogadores.

No que tange ao primeiro aspecto, quatro personagens merecem destaque. Primeiro o ex-governador José Serra. Ele apostou todas as suas fichas na eleição para a Prefeitura de São Paulo, colocando-se em um cenário de vida ou morte. Antes em um cenário em que poderia navegar tranquilo, por conta das inúmeras trapalhadas no PT paulistano, agora Serra confronta-se com uma organização e alinhamento petista derivados da liderança de Lula, que também apostou muitas fichas na eleição de Haddad. Haddad demonstra que não vai decolar, Chalita sequer deu as caras e Serra atrapalhou-se no atual cenário. O que ambos, PT e PSDB, não contavam é com o surgimento de uma terceira força, representada por Russomano. O efeito Russomano pode promover um realinhamento da elite paulistana, agregando insatisfeitos do PT e do PSDB, compondo nova força no cenário político. São Paulo, nesse sentido, está fora da curva das coalizões, o que demandará tanto do governo quanto da oposição um esforço enorme de negociação com o próprio Russomano, caso ele vença a eleição paulistana.

Ainda no primeiro aspecto, também merece destaque a dupla Aécio Neves e Eduardo Campos, que, de fato, são os protagonistas do atual cenário. Ambos desejam candidatarem-se em 2014 e estão movimentando o xadrez em torno de um aspecto pouco noticiado. É fato que a dívida dos estados e dos municípios beira ao colapso fiscal, que associado ao atual cenário de crise internacional e retração da atividade econômica, cria o paiol perfeito para o incêndio sem proporções na base do governo. É necessária apenas uma fagulha.

O número de insatisfeitos com o governo federal cresce à proporção da dívida e Dilma não tem transparecido que vá criar medidas efetivas contra o avanço dela nos estados e nos municípios, pelo menos até o segundo turno das eleições municipais. Estas medidas normalmente são pouco populares, o que demandará uma forte liderança política para reconstruir o pacto federativo. O governo federal sabe disso e vai ter que se articular para impedir o avanço da dupla Aécio e Eduardo Campos, que percebe a fragilidade do governo nesse aspecto. Um fracasso do governo nas eleições municipais poderá por em risco a governabilidade de Dilma no plano de sua coalizão, arrefecendo o poder do governo nos próximos dois anos de mandato.

A solução mais imediata é contar com um parceiro pouco confiável que é o PMDB. Como o PMDB tem forte capilaridade nos municípios, ainda sim dependerá da exclusiva liderança de Dilma, com a ajuda de Michel Temer. O objetivo principal será o de reconstruir as bases do pacto federativo e, por sua vez, dos acordos que movem a coalizão do governo federal. Sem isso, o avanço de Aécio e Eduardo Campos será inevitável. Aécio colocando-se na tribuna do Senado como arauto da municipalidade e Eduardo Campos nos bastidores, à frente dos governadores. Esse movimento fica claro quando se olha a eleição de Belo Horizonte. A convocação do PT ao nome de Patrus, rompendo a esquisita aliança com o PSDB e o PSB em torno do nome de Márcio Lacerda, é a identificação perfeita do sinal amarelo da base governista e resumo do atual cenário.

Nesse sentido, nunca tantas fichas foram jogadas nas eleições municipais e nunca as eleições municipais foram tratadas com tanto menosprezo. Dependerá dela a continuidade das políticas do governo e a composição para 2014. E dependerá dela também a recuperação da atividade econômica, afinal, nenhum investimento federal se coloca sem que os prefeitos tenham boa vontade de criar as condições para isso. Contar com prefeitos fazendo beicinho para o governo federal não é boa ideia. Como não é boa ideia retrucar fazendo careta quando os prefeitos dão uma enorme vaia para Dilma.

O que caberá ao eleitor nesse quadro? Já se sabe que as escolhas dos eleitores são sempre limitadas. Restará a ele escolher quem melhor apresentar propostas concretas para a gestão dos municípios, outro aspecto muito omitido pelos analistas políticos. Investimentos não decolam, muito por conta da incapacidade de gestão pública nos municípios, seja por diferentes falcatruas armadas contra o dinheiro público, seja por conta da incapacidade de administrar o bem público, tendo em vista o caos fiscal, a falta de servidores qualificados e condições estruturais para levar um projeto de desenvolvimento a termo. Principalmente no Brasil profundo.

Nestas eleições municipais, estas questões deveriam estar sendo debatidas. Mas o cenário de desordem federativa não permite que os jogadores transpareçam o jogo. Esse jogo é sempre oculto, porque não interessa a nenhum dos jogadores exporem-se diante de tal imbróglio. A quem caberá o protagonismo das cenas dos próximos capítulos. Certamente àquele que for capaz de seduzir os prefeitos e varrer para debaixo do tapete o velho problema da Federação brasileira.

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