Cultura

A overdose Luiza

E quando ninguém mais parecia disposto a martelar o assunto, veio o Carlos Nascimento e devolveu a Luiza aos trending topics

Piada-pronta que correu a internet sobre Luiza, que está (va) no Canadá
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Na segunda-feira, quando acordamos, quase ninguém sabia quem era Luiza nem que ela estava no Canadá. No dia seguinte, não se falava outra coisa nem no Capão Redondo: sim, Luiza estava no Canadá.

E daí?, foi a primeira reação de qualquer um ao ouvir a frase pela primeira vez. A graça, aparentemente, era não entender a graça em tanta graça.

Para achar a explicação da coisa foi preciso limar pelo menos dez paródias criadas em rapidez assustadora sobre o fato original. Tudo começou numa propaganda de um empreendimento imobiliário de João Pessoa, capital da Paraíba. Na peça, um interlocutor, que logo soubemos ser um colunista social, fala em poucos segundos das vantagens de se morar num lugar privilegiado pela alta sociedade local.

Para provar o que dizia, reuniu toda a família (porque não é só um produto à venda, mas uma ideia de conforto e felicidade). Mas fez um adendo: estavam todos lá, menos a Luiza, que estava no Canadá.

Num tempo de falas padronizadas, em que se elimina a licença poética e o adendo para que a mensagem caiba num pronunciamento claro, objetivo e impessoal, a rápida citação à filha, que nada tinha com paredes e janelas da casa, parecia completamente fora do contexto. Só faltou olhar para a câmera e dizer: “Saudades, minha filha, te amo”.

Alguém chegou a dizer que o marqueteiro errou a mão ao tentar produzir uma ideia ainda mais tentadora ao potencial cliente: o novo rico não só tem condições de morar num apartamento bem localizado, com vista para o mar, como ainda manda seus filhos para o exterior.

É o fetiche do fetiche.

Mesmo assim, por mais proposital que tenha sido, a fala ainda soava como um ruído, um despropósito. Ninguém pode dizer que não ficou esquisito, e que o trabalho poderia em breve render uma pérola da publicidade, algo do qual se ri quando passa a moda – como hoje rimos das famosas facas Ginsu.

Algo que não se espera que será dito foi dito, como Garrincha, na preleção de uma partida contra a Rússia, ao questionar seu treinador se tudo estava combinado com os russos. Se existisse YouTube nos anos 60, viraria meme.

E o meme, como é chamado o copia e cola geral de uma moda na internet, chegou desta vez em uma velocidade impressionante. De repente, Twitters de referência faziam referência à menina: “E Deus amou todos os seus filhos e suas filhas, menos Luiza, que está no Canadá”.

Até o Lenine, num show em João Pessoa (o epicentro do meme), tirou a casquinha: “Poxa, cara, veio todo mundo para o show, menos a Luiza, que está lá no Canadá”.

As Luizas e Luisas de todo o mundo chegaram em casa com enxaqueca na terça-feira, quando a coisa explodiu. “Ah, mas você não estava no Canadá?”.

Outras entraram na onda, e definiram seu status nas redes sociais com um aviso prévio: “estou no Canadá”. Era uma espécie de: “já sei da brincadeira, não me enche”. Uma amiga, de nome Luisa, até definiu: “é irresistível”.

Os mais criativos colocaram a mão na massa. Um criou um blog para juntar todas as referências à Luiza, que está (va) no Canadá. Outro lançou a ideia: “O Magazine Luiza tiraria o ‘Luiza’ do nome porque ela está no Canadá”. Nem Chico Buarque escapou: “no meu repertório vou cantar meus maiores sucessos, menos ‘Luiza’, porque ela está no Canadá”.

E até o sacrossanto (para muitos) slogan do governo federal virou piada: “Brasil, um País de todos, menos de Luiza, que está no Canadá”.

Todos de alguma forma pareciam atingidos por Luiza, que está (va) no Canadá – até mesmo quem não sabe usar computador em algum momento esbarrou com a figura até então sem rosto, citada na tevê, nos jornais e nas novas obsessões dos filhos ou netos.

A febre durou mais ou menos 48 horas. No rescaldo, todos já pareciam cansados da brincadeira.

Foi tempo suficiente, porém, para fazer estragos. Um servidor federal usou a conta oficial do Twitter da Presidência para compartilhar uma brincadeira envolvendo Luiza e o tucano José Serra, que estaria a caminho do Canadá (enquanto Luiza voltava). Era uma piada, mas o servidor pediu exoneração após a confusão – e quem avisou foi o próprio Twitter oficial da Presidência, que pediu desculpas pelo episódio.

Até o Serra veio a público, dizendo, em seu Twitter (sempre ele) que aceitava as desculpas e que, coitado do funcionário, não precisava tanto…

Era tarde. A Luiza, desconhecida de ontem, já entrava na faxina da presidenta Dilma Rousseff, até então focada na reforma em seu primeiro escalão.

Na sexta-feira, a febre já tinha baixado, menos para o funcionário e para Luiza, que não está mais no Canadá. Luiza não só voltou como já mostrou o rosto, deu entrevista, comentou o susto com a repercussão do caso, arregaçou as mangas e tirou também sua casquinha da história toda: foi recrutada para uma nova propaganda do empreendimento, que extrapolou o público-alvo e terá de se multiplicar em proporção geométrica para ficar do tamanho da fama. Eles são os únicos que devem estar rindo sozinhos – até o próximo meme, que hoje não temos ideia do que será, mas que até a próxima terça-feira vai ser o único assunto a monopolizar nossas vidas e piadas internas (internas e sem fronteiras).

Certo mesmo é que Luiza, ao mostrar o rosto, perdia toda a graça.

E exatamente quando ninguém mais parecia disposto a martelar o assunto, veio o Carlos Nascimento. Na quinta-feira, no jornal do SBT, o apresentador resolveu vociferar contra essa mania da juventude de transformar qualquer bobagem em debate nacional. “A Luiza já voltou do Canadá, e nós já fomos mais inteligentes”.

Saiu pela culatra. Ao criticar a insistência no assunto, ressuscitou Luiza e deu sobrevida ao tema. Foi parar nos trending topics do Twitter.

Na segunda-feira, quando acordamos, quase ninguém sabia quem era Luiza nem que ela estava no Canadá. No dia seguinte, não se falava outra coisa nem no Capão Redondo: sim, Luiza estava no Canadá.

E daí?, foi a primeira reação de qualquer um ao ouvir a frase pela primeira vez. A graça, aparentemente, era não entender a graça em tanta graça.

Para achar a explicação da coisa foi preciso limar pelo menos dez paródias criadas em rapidez assustadora sobre o fato original. Tudo começou numa propaganda de um empreendimento imobiliário de João Pessoa, capital da Paraíba. Na peça, um interlocutor, que logo soubemos ser um colunista social, fala em poucos segundos das vantagens de se morar num lugar privilegiado pela alta sociedade local.

Para provar o que dizia, reuniu toda a família (porque não é só um produto à venda, mas uma ideia de conforto e felicidade). Mas fez um adendo: estavam todos lá, menos a Luiza, que estava no Canadá.

Num tempo de falas padronizadas, em que se elimina a licença poética e o adendo para que a mensagem caiba num pronunciamento claro, objetivo e impessoal, a rápida citação à filha, que nada tinha com paredes e janelas da casa, parecia completamente fora do contexto. Só faltou olhar para a câmera e dizer: “Saudades, minha filha, te amo”.

Alguém chegou a dizer que o marqueteiro errou a mão ao tentar produzir uma ideia ainda mais tentadora ao potencial cliente: o novo rico não só tem condições de morar num apartamento bem localizado, com vista para o mar, como ainda manda seus filhos para o exterior.

É o fetiche do fetiche.

Mesmo assim, por mais proposital que tenha sido, a fala ainda soava como um ruído, um despropósito. Ninguém pode dizer que não ficou esquisito, e que o trabalho poderia em breve render uma pérola da publicidade, algo do qual se ri quando passa a moda – como hoje rimos das famosas facas Ginsu.

Algo que não se espera que será dito foi dito, como Garrincha, na preleção de uma partida contra a Rússia, ao questionar seu treinador se tudo estava combinado com os russos. Se existisse YouTube nos anos 60, viraria meme.

E o meme, como é chamado o copia e cola geral de uma moda na internet, chegou desta vez em uma velocidade impressionante. De repente, Twitters de referência faziam referência à menina: “E Deus amou todos os seus filhos e suas filhas, menos Luiza, que está no Canadá”.

Até o Lenine, num show em João Pessoa (o epicentro do meme), tirou a casquinha: “Poxa, cara, veio todo mundo para o show, menos a Luiza, que está lá no Canadá”.

As Luizas e Luisas de todo o mundo chegaram em casa com enxaqueca na terça-feira, quando a coisa explodiu. “Ah, mas você não estava no Canadá?”.

Outras entraram na onda, e definiram seu status nas redes sociais com um aviso prévio: “estou no Canadá”. Era uma espécie de: “já sei da brincadeira, não me enche”. Uma amiga, de nome Luisa, até definiu: “é irresistível”.

Os mais criativos colocaram a mão na massa. Um criou um blog para juntar todas as referências à Luiza, que está (va) no Canadá. Outro lançou a ideia: “O Magazine Luiza tiraria o ‘Luiza’ do nome porque ela está no Canadá”. Nem Chico Buarque escapou: “no meu repertório vou cantar meus maiores sucessos, menos ‘Luiza’, porque ela está no Canadá”.

E até o sacrossanto (para muitos) slogan do governo federal virou piada: “Brasil, um País de todos, menos de Luiza, que está no Canadá”.

Todos de alguma forma pareciam atingidos por Luiza, que está (va) no Canadá – até mesmo quem não sabe usar computador em algum momento esbarrou com a figura até então sem rosto, citada na tevê, nos jornais e nas novas obsessões dos filhos ou netos.

A febre durou mais ou menos 48 horas. No rescaldo, todos já pareciam cansados da brincadeira.

Foi tempo suficiente, porém, para fazer estragos. Um servidor federal usou a conta oficial do Twitter da Presidência para compartilhar uma brincadeira envolvendo Luiza e o tucano José Serra, que estaria a caminho do Canadá (enquanto Luiza voltava). Era uma piada, mas o servidor pediu exoneração após a confusão – e quem avisou foi o próprio Twitter oficial da Presidência, que pediu desculpas pelo episódio.

Até o Serra veio a público, dizendo, em seu Twitter (sempre ele) que aceitava as desculpas e que, coitado do funcionário, não precisava tanto…

Era tarde. A Luiza, desconhecida de ontem, já entrava na faxina da presidenta Dilma Rousseff, até então focada na reforma em seu primeiro escalão.

Na sexta-feira, a febre já tinha baixado, menos para o funcionário e para Luiza, que não está mais no Canadá. Luiza não só voltou como já mostrou o rosto, deu entrevista, comentou o susto com a repercussão do caso, arregaçou as mangas e tirou também sua casquinha da história toda: foi recrutada para uma nova propaganda do empreendimento, que extrapolou o público-alvo e terá de se multiplicar em proporção geométrica para ficar do tamanho da fama. Eles são os únicos que devem estar rindo sozinhos – até o próximo meme, que hoje não temos ideia do que será, mas que até a próxima terça-feira vai ser o único assunto a monopolizar nossas vidas e piadas internas (internas e sem fronteiras).

Certo mesmo é que Luiza, ao mostrar o rosto, perdia toda a graça.

E exatamente quando ninguém mais parecia disposto a martelar o assunto, veio o Carlos Nascimento. Na quinta-feira, no jornal do SBT, o apresentador resolveu vociferar contra essa mania da juventude de transformar qualquer bobagem em debate nacional. “A Luiza já voltou do Canadá, e nós já fomos mais inteligentes”.

Saiu pela culatra. Ao criticar a insistência no assunto, ressuscitou Luiza e deu sobrevida ao tema. Foi parar nos trending topics do Twitter.

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