Política

A descoberta do paraíso terrestre

Poderia o deslumbrado Vespucci imaginar a futura intrusão da serpente?

Que diria hoje Americo?
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Quando em 1501 Americo Vespucci chegou ao deslumbrante recanto em que anos depois seria fundada São Sebastião do Rio de Janeiro, ficou extasiado. Mais tarde escreveria: “É o paraíso terrestre”. Há quem considere Vespucci mais importante do que Colombo, certo é que foi o florentino quem desfez a crença do genovês: a terra alcançada não era a Ásia, as Índias, mas um novo, inesperado continente. O qual, por isso, se chamou América.

Vespucci, aliás, é o verdadeiro descobridor do Brasil, Cabral foi quem tomou posse da terra “onde tudo, em se plantando, dá”. O navegador toscano fez -duas viagens americanas. A primeira em 1497, a serviço dos reis da Espanha repetiu a rota de Colombo para estender-se às costas da Venezuela e, a partir delas, descer até as do Maranhão. A segunda três anos depois, ao deixar a Espanha para servir a Portugal.

Graças a Vespucci, na certeza de encontrar o Brasil Cabral saiu da rota que oficialmente repetiria Vasco da Gama para dobrar o Cabo da Boa Esperança e chegar às colônias indianas. Burlar o -Tratado de Tordesilhas recomendava subterfúgios e artimanhas, cuidou-se, portanto, de atribuir o desvio a um vento -imprevisto. Resta o êxtase do primeiro europeu a se -defrontar com o cenário guanabarino. Ali estava o paraíso terrestre.

Como sabemos, a natureza esmerou-se ao contemplar o Brasil, e o benefício vai muito além dos panoramas. O Brasil é único. Incomparável de muitos pontos de vista, e se não conseguiu desempenhar o papel que o destino lhe reservou foi por causa de quem aqui mandou desde a colonização predatória dos portugueses, a vincar o caráter nacional.

Ao perceber o paraíso terrestre, o cristão Vespucci poderia perceber a possibilidade da súbita intrusão do demônio, a serpente descida da árvore do bem e do mal. Apresso-me a esclarecer que o demônio, na minha visão, não é o carnaval. É, sim, o tráfico, o crime à solta, ou o Morro do Alemão, a Rocinha. Não hesitaria em incluir certos delitos arquitetônicos, como os da Barra. Mas o Brasil todo foi, e talvez seja ainda, a promessa de um imenso -paraíso terrestre, e nesta dimensão demoníacos foram e são os próprios homens, conscientes ou não do seu papel daninho.

Falo dos inesgotáveis herdeiros da casa-grande e da senzala. Para aqueles, o sol ainda não se pôs, para estes ainda não surgiu. O governo Lula representou uma mudança de rota sem artimanhas e subterfúgios, abriu o caminho para uma sociedade menos injusta, e o governo da presidenta Dilma lhe segue as pegadas modernizantes. E o Brasil cresce, torna-se até um exemplo de resistência em meio à crise mundial, e nem por isso se desvencilha de alguns grilhões medievais, tradições, hábitos, vezos. Prepotências e descasos. Se há luz para todos, finalmente, não há saneamento básico para 50% da população. Elevam-se os números do consumo ao sabor do aumento da porcentagem dos incluídos. Os quais, contudo, não ganham automaticamente a consciência da cidadania.

Mais uma vez recomendei a leitura da coluna de Marcos Coimbra. Volto à carga, leiam a desta semana. Como sempre, muito aguda acerta o alvo, a Copa do Mundo à brasileira, assunto-chave na perspectiva das eleições de 2014. A reeleição de Dilma Rousseff, diz Coimbra, dependerá do êxito do Brasil como organizador do torneio bem mais do que o resultado esportivo. Como torcer por este específico futuro, se dentro dele são determinantes as figuras de Ricardo Teixeira e Joseph Blatter? Como desconhecer a ganância feroz e irresponsável dos herdeiros da casa-grande? Como deixar de perceber as carências profundas de uma infraestrutura inadequada, dificilmente reparável em menos de dois anos e meio?

Gasta-se a rodo na construção de estádios inúteis, por exemplo, e tão pouco em educação, saúde e transporte públicos. De nada adiantou o trágico balanço dos Jogos Pan-Americanos do Rio, gastou-se dez vezes mais que a previsão, para alegria de um grupelho de senhores, encabeçado pela família Nuzman. Voltasse hoje, Americo Vespucci ficaria entre o susto e o espanto diante do estrago provocado pela passagem da serpente.

Quando em 1501 Americo Vespucci chegou ao deslumbrante recanto em que anos depois seria fundada São Sebastião do Rio de Janeiro, ficou extasiado. Mais tarde escreveria: “É o paraíso terrestre”. Há quem considere Vespucci mais importante do que Colombo, certo é que foi o florentino quem desfez a crença do genovês: a terra alcançada não era a Ásia, as Índias, mas um novo, inesperado continente. O qual, por isso, se chamou América.

Vespucci, aliás, é o verdadeiro descobridor do Brasil, Cabral foi quem tomou posse da terra “onde tudo, em se plantando, dá”. O navegador toscano fez -duas viagens americanas. A primeira em 1497, a serviço dos reis da Espanha repetiu a rota de Colombo para estender-se às costas da Venezuela e, a partir delas, descer até as do Maranhão. A segunda três anos depois, ao deixar a Espanha para servir a Portugal.

Graças a Vespucci, na certeza de encontrar o Brasil Cabral saiu da rota que oficialmente repetiria Vasco da Gama para dobrar o Cabo da Boa Esperança e chegar às colônias indianas. Burlar o -Tratado de Tordesilhas recomendava subterfúgios e artimanhas, cuidou-se, portanto, de atribuir o desvio a um vento -imprevisto. Resta o êxtase do primeiro europeu a se -defrontar com o cenário guanabarino. Ali estava o paraíso terrestre.

Como sabemos, a natureza esmerou-se ao contemplar o Brasil, e o benefício vai muito além dos panoramas. O Brasil é único. Incomparável de muitos pontos de vista, e se não conseguiu desempenhar o papel que o destino lhe reservou foi por causa de quem aqui mandou desde a colonização predatória dos portugueses, a vincar o caráter nacional.

Ao perceber o paraíso terrestre, o cristão Vespucci poderia perceber a possibilidade da súbita intrusão do demônio, a serpente descida da árvore do bem e do mal. Apresso-me a esclarecer que o demônio, na minha visão, não é o carnaval. É, sim, o tráfico, o crime à solta, ou o Morro do Alemão, a Rocinha. Não hesitaria em incluir certos delitos arquitetônicos, como os da Barra. Mas o Brasil todo foi, e talvez seja ainda, a promessa de um imenso -paraíso terrestre, e nesta dimensão demoníacos foram e são os próprios homens, conscientes ou não do seu papel daninho.

Falo dos inesgotáveis herdeiros da casa-grande e da senzala. Para aqueles, o sol ainda não se pôs, para estes ainda não surgiu. O governo Lula representou uma mudança de rota sem artimanhas e subterfúgios, abriu o caminho para uma sociedade menos injusta, e o governo da presidenta Dilma lhe segue as pegadas modernizantes. E o Brasil cresce, torna-se até um exemplo de resistência em meio à crise mundial, e nem por isso se desvencilha de alguns grilhões medievais, tradições, hábitos, vezos. Prepotências e descasos. Se há luz para todos, finalmente, não há saneamento básico para 50% da população. Elevam-se os números do consumo ao sabor do aumento da porcentagem dos incluídos. Os quais, contudo, não ganham automaticamente a consciência da cidadania.

Mais uma vez recomendei a leitura da coluna de Marcos Coimbra. Volto à carga, leiam a desta semana. Como sempre, muito aguda acerta o alvo, a Copa do Mundo à brasileira, assunto-chave na perspectiva das eleições de 2014. A reeleição de Dilma Rousseff, diz Coimbra, dependerá do êxito do Brasil como organizador do torneio bem mais do que o resultado esportivo. Como torcer por este específico futuro, se dentro dele são determinantes as figuras de Ricardo Teixeira e Joseph Blatter? Como desconhecer a ganância feroz e irresponsável dos herdeiros da casa-grande? Como deixar de perceber as carências profundas de uma infraestrutura inadequada, dificilmente reparável em menos de dois anos e meio?

Gasta-se a rodo na construção de estádios inúteis, por exemplo, e tão pouco em educação, saúde e transporte públicos. De nada adiantou o trágico balanço dos Jogos Pan-Americanos do Rio, gastou-se dez vezes mais que a previsão, para alegria de um grupelho de senhores, encabeçado pela família Nuzman. Voltasse hoje, Americo Vespucci ficaria entre o susto e o espanto diante do estrago provocado pela passagem da serpente.

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