Política

A culpa de um golpe é de quem foi derrubado?

Como no Brasil, no Chile há quem tente justificar o golpe de estado de 1973 acusando o governo Allende

Allende (à esq.) e Aylwin em foto sem data. Aylwin foi rival de Allende e, depois, da ditadura Pinochet. Foto: Biblioteca Nacional do Chile
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Quem se aventurar a fazer uma pesquisa sobre a história da ditadura no Brasil certamente vai se deparar com textos em que o ex-presidente João Goulart (1961-1964) é alvo de diversos comentários negativos. Seu governo (e muitas vezes o próprio Goulart) costuma ser tachado de “fraco” ou “despreparado”, numa tentativa de desqualificação cujo objetivo parece ser colocar a culpa do golpe nas costas da própria “vítima”, e não dos setores golpistas da sociedade, que abundavam naquela época. Nesta semana, o Chile embarcou num debate exatamente igual, e o alvo é Salvador Allende, derrubado pelo golpe de estado de 1973 que colocou o ditador Augusto Pinochet no poder.

A polêmica teve início com uma entrevista de Patricio Aylwin, presidente do Chile na transição para a democracia (1990-1994), ao jornal espanhol El País. Aylwin, de 93 anos, não poderia ter sido mais claro. “Allende demonstrou que não foi um bom político, porque se tivesse sido um bom político não teria ocorrido o que ocorreu”, disse. “Ele fez um mal governo e o governo caiu por debilidades dele e de seus aliados”. O golpe, prossegue Aylwin, teria ocorrido mesmo sem a ajuda dos Estados Unidos (que comprovadamente agiram para desestabilizar o governo esquerdista de Allende) “porque a maioria do país rechaçava a política da Unidade Popular”. A Unidade Popular era o partido de Allende.

Ao atacar o governo Allende, Aylwin abriu seu flanco. Aylwin foi um duríssimo opositor do governo Pinochet mas, como principal nome da Democracia Cristã no Chile, Aylwin foi também um duro adversário do governo Allende. Até hoje seu partido é acusado de ter contribuído para o rompimento da ordem democrática em 1973. Aylwin, como a maioria dos membros antigos e atuais da Democracia Cristã, nega de forma veemente esse tipo de acusação. A esquerda chilena contesta. À rádio chilena Cooperativa, o socialista Ricardo Lagos, também ex-presidente do Chile (2000-2006), disse acreditar que Allende foi um “democrata” e que “nada justifica o golpe”. Para Lagos, com suas declarações Aylwin apenas “reiterou o que foi sua posição naquele momento crítico tão difícil” da história do Chile.

A filha de Allende, a hoje senadora Isabel Allende, também respondeu a Aylwin. “O golpe de estado foi responsabilidade de quem o executou e de quem conspirou para derrubar o governo constitucional do presidente Allende”, disse Isabel segundo o jornal El Mercurio. “Culpar [Allende] ou os partidários da Unidade Popular contradiz toda a evidência histórica que existe a respeito”, afirmou.

A esquerda do Chile nos anos 1970, tal como a brasileira nos anos 1960, tinha um reconhecido viés autoritário que não pode ser apagado da história. Ainda assim, atribuir os golpes militares contra Goulart e Allende a seus governos é tentar justificar a violência. É como culpar a vítima de um estupro por usar roupas “provocantes”. Justificar os golpes é considerar que, em determinadas situações, normalmente quando uma esquerda radical assume o poder, pode-se abrir mão da democracia. Este tipo de pensamento, infelizmente, ainda não foi superado totalmente na América Latina. Em 2009, quando o liberal Manuel Zelaya, então presidente de Honduras, foi derrubado por um golpe de estado, houve quem lamentasse o rompimento da ordem democrática para em seguida, ao descobrir sua aliança com o venezuelano Hugo Chávez, apoiar a deposição.

Quem se aventurar a fazer uma pesquisa sobre a história da ditadura no Brasil certamente vai se deparar com textos em que o ex-presidente João Goulart (1961-1964) é alvo de diversos comentários negativos. Seu governo (e muitas vezes o próprio Goulart) costuma ser tachado de “fraco” ou “despreparado”, numa tentativa de desqualificação cujo objetivo parece ser colocar a culpa do golpe nas costas da própria “vítima”, e não dos setores golpistas da sociedade, que abundavam naquela época. Nesta semana, o Chile embarcou num debate exatamente igual, e o alvo é Salvador Allende, derrubado pelo golpe de estado de 1973 que colocou o ditador Augusto Pinochet no poder.

A polêmica teve início com uma entrevista de Patricio Aylwin, presidente do Chile na transição para a democracia (1990-1994), ao jornal espanhol El País. Aylwin, de 93 anos, não poderia ter sido mais claro. “Allende demonstrou que não foi um bom político, porque se tivesse sido um bom político não teria ocorrido o que ocorreu”, disse. “Ele fez um mal governo e o governo caiu por debilidades dele e de seus aliados”. O golpe, prossegue Aylwin, teria ocorrido mesmo sem a ajuda dos Estados Unidos (que comprovadamente agiram para desestabilizar o governo esquerdista de Allende) “porque a maioria do país rechaçava a política da Unidade Popular”. A Unidade Popular era o partido de Allende.

Ao atacar o governo Allende, Aylwin abriu seu flanco. Aylwin foi um duríssimo opositor do governo Pinochet mas, como principal nome da Democracia Cristã no Chile, Aylwin foi também um duro adversário do governo Allende. Até hoje seu partido é acusado de ter contribuído para o rompimento da ordem democrática em 1973. Aylwin, como a maioria dos membros antigos e atuais da Democracia Cristã, nega de forma veemente esse tipo de acusação. A esquerda chilena contesta. À rádio chilena Cooperativa, o socialista Ricardo Lagos, também ex-presidente do Chile (2000-2006), disse acreditar que Allende foi um “democrata” e que “nada justifica o golpe”. Para Lagos, com suas declarações Aylwin apenas “reiterou o que foi sua posição naquele momento crítico tão difícil” da história do Chile.

A filha de Allende, a hoje senadora Isabel Allende, também respondeu a Aylwin. “O golpe de estado foi responsabilidade de quem o executou e de quem conspirou para derrubar o governo constitucional do presidente Allende”, disse Isabel segundo o jornal El Mercurio. “Culpar [Allende] ou os partidários da Unidade Popular contradiz toda a evidência histórica que existe a respeito”, afirmou.

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