Política

A banalização da mentira

O que me assusta é a naturalidade com que convivemos com a mentira no parlamento e na política. Como se fosse normal

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Eu poderia falar, como a Universidade de Oxford o fez, em “pós-verdade”, conceito interessante quando se trata de política nas redes sociais. Contudo, para ser direto, prefiro falar de mentira.

Porque disso se trata. A família Bolsonaro usou, outra vez mais, uma mentira para me difamar; e seus aliados – o deputado Alberto Fraga e o ex-corregedor da Câmara, Carlos Manato, também aliados do agora preso Eduardo Cunha – a apresentaram como “prova” para representar contra mim no Conselho de Ética, pedindo a cassação ou suspensão do meu mandato.

Porém, dessa vez, a Polícia Civil desmascarou, por meio de perícia incontestável, a mentira.

Vou explicar brevemente a que mentira me refiro. No dia da votação do impeachment da presidenta eleita, quando chegou a minha vez de votar, os deputados favoráveis ao golpe contra Dilma Rousseff (entre eles, os Bolsonaro) começaram a me vaiar e insultar com injúrias homofóbicas que ninguém merece ouvir, mas que eu, por ser homossexual assumido, estou acostumado a ouvir desde criança.

Ao longo dos últimos seis anos, ouvi os insultos homofóbicos de Bolsonaro dia após dia nos corredores, nas comissões e no plenário da Câmara dos Deputados, e nunca devolvi os insultos e nem agi com violência; jamais havia perdido a compostura por causa disso.

Naquele dia, porém, em meio à jornada mais tensa que vivi no parlamento desde que estou deputado, depois de ter ouvido Bolsonaro, minutos antes, homenagear o torturador Brilhante Ustra, as injúrias homofóbicas contra mim acabaram com a minha paciência e, numa reação humana, provocada pela indignação, cuspi em direção a ele.

Não neguei depois, como o fez o filho dele, que também me cuspiu, mas, depois, gravou um vídeo em que afirma jamais ter cuspido em alguém – porque não sabia que seu cuspe fora filmado. Eu não minto, eu sempre falo a verdade.

Se alguém tivesse me perguntado, uma semana antes, se eu seria capaz de cuspir em alguém, eu teria respondido que não. E não estaria mentindo. Não é assim que eu ajo; diferentemente do deputado Bolsonaro, que, alem de mentir, já deu um soco no senador Randolfe; empurrou a deputada Maria do Rosário e disse que só não a estupraria porque, segundo ele, “é feia”; agrediu a senadora Marinor Brito; insultou uma jornalista do SBT durante uma entrevista; gritou para um grupo de jovens, numa audiência pública na Câmara, expressões como “teu pai está dando o cu e você gosta de dar o cu também”. Quase todos os dias recebo ameaças de morte vindas de seguidores desse deputado.

Diferentemente dessas pessoas e de seu mentor, a quem chamam de “Bolsomito”, eu sou uma pessoa que faz política com conhecimentos, argumentos e ideias. Jamais agredi fisicamente outras pessoas (agredi verbalmente apenas como reação) e nunca me envolvi em brigas corporais. Porém, por ser humano, minha paciência tem limites. E, naquele dia, pela primeira vez, eu reagi. Espero que seja a última, porque espero que essa situação nunca mais se repita.

Foi isso que eu disse ao deputado Chico Alencar quando ele me perguntou o que tinha acontecido: “Eu cuspi na cara do Bolsonaro, Chico”. A conversa foi filmada de longe, não dá pra ouvir, mas a leitura labial permite entender. Eduardo Bolsonaro publicou uma versão deturpada desse vídeo com a legenda: “Eu vou cuspir”, sugerindo que eu tinha premeditado o cuspe.

Assista ao vídeo que mostra como Bolsonaro mentiu de novo para tentar ocultar a mentira anterior:

O vídeo deturpado foi apresentado pelo deputado Fraga e pelo ex-corregedor Manato como “prova” contra mim. O presidente da Casa, Rodrigo Maia, em que pese ser meu adversário político, foi honesto e republicano e quis arquivar a representação, mas Manato e os aliados de Cunha na mesa diretora derrotaram Maia numa votação e enviaram o caso com o vídeo falso para o Conselho de Ética.

Chico foi chamado para depor e disse que o vídeo era uma fraude. Eu fui chamado para depor e disse que o vídeo era uma fraude. Mas Jair Bolsonaro, o pai do falsificador, afirmou em seu depoimento que o vídeo era autêntico.

Mentiu.

Agora, a Polícia Civil entregou ao Conselho de Ética uma perícia que prova sem sombra de dúvidas que o vídeo foi deturpado e que, na verdade, ele foi filmado depois da cusparada e a minha fala, exatamente como eu disse, foi: “Eu cuspi”. Ficou provado que foi forjado um vídeo falso para me difamar para usá-lo contra mim no Conselho de Ética.

O que me assusta é a naturalidade com que convivemos com a mentira no parlamento e na política. Como se fosse normal. Agora que a Polícia Civil provou que o vídeo é falso, eu espero que o Conselho de Ética arquive essa absurda representação contra mim, mas, mesmo assim, quem me devolve o tempo perdido, a difamação sofrida, os danos, o sofrimento?

Outros homossexuais destacados em diferentes épocas foram vítimas desse expediente. Mentiras foram fabricadas contra eles para assassinar suas reputações, ou até para assassinar eles mesmos. Oscar Wilde, Alan Turing, Harvey Milk, Ângela Davis.

Não pretendo me comparar a eles, embora eles tenham sido inspiradoras para mim no que diz respeito a lutar contra a opressão e pela justiça. Não pretendo ser nem ser visto como herói. Busco em meu cotidiano mostrar que sou um homem de hábitos comuns, ando nas ruas, vou ao supermercado, bares, frequento lugares de sociabilidade gay, como saunas e clubes, justamente para não criar em torno de mim uma área mítica.

Contudo, sou muito determinado em dar um sentido positivo à minha existência, em fazer, desta, um meio de defender a liberdade, a igualdade de oportunidade, a diversidade e a justiça.

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