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Trump e a globalização das medidas de exceção

Os efeitos nocivos do futuro governo norte-americano podem se dar também na área dos direitos humanos

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Muitos analistas políticos e intelectuais, inclusive de esquerda, avaliam que a eleição de Trump pouco ou nada interfere nas nossas vidas, no nosso quintal, o que me parece um engano. A experiência com presidentes conservadores nos EUA nas últimas décadas demonstra claramente a globalização de uma política nefasta em relação aos direitos humanos. Uma política que gera tendência e vence fronteiras, levando muito sofrimento a um contingente imenso de pessoas.

Da mesma forma como, no final da década de 1970, Jimmy Carter foi fundamental para a luta contra ofensas aos direitos humanos praticadas por governos ditatoriais, as políticas de exceção empenhadas no governo genocida de Ronald Reagan se espraiaram e foram replicadas em toda a América Latina.

A era Reagan ficou marcada por medidas de globalização do capital financeiro, as quais levaram também a um menor grau de proteção social dos americanos mais pobres. Esse não foi, no entanto, o aspecto mais crítico de seu governo.

Desde Nixon já se articulava um discurso de guerra contra as drogas, que levaria ao encarceramento em massa da população negra e latina nos EUA. Esse discurso ganhou força e, com Reagan, se efetivou como política de governo. Como resultado, o número de presos nos EUA cresceu exponencialmente nos anos 1980, passando de 514 mil em 1980 para 1,2 milhão em 1990.

Esse modelo de política de “segurança pública” ganhou adeptos e se estabeleceu em vários países, inclusive no Brasil. Hoje somos o quarto país do mundo em população carcerária, somando 600 mil pessoas aprisionadas. Destas, cerca de 40% estão sob custódia sem terem sido julgadas e sentenciadas, o que aponta para outro grave problema do nosso sistema de justiça – a banalização das prisões preventivas.

Depois de Reagan ter dado o pontapé inicial para essa política de encarceramento em massa, o governo de seu sucessor, o democrata Bill Clinton, por conta da onda demagógica que se produziu na sociedade americana em relação ao combate ao crime, endureceu terrivelmente as leis penais do país, o que levou a um punitivismo feroz, que atingiu, mais uma vez, os pobres, negros e imigrantes.

A Lei Federal de 1994 não só causou uma explosão no número de detentos – que saltou de 1,2 milhão na década 1990 para 2 milhões em 2000 –, mas também construiu a imensa infraestrutura do atual sistema prisional americano e promoveu a militarização de sua polícia. Tempos depois, Clinton assumiu que foi uma legislação exagerada, mas aí o estrago já estava feito. Os danos causados foram imensos e prolongados.

É também um sério equívoco achar que a questão dos direitos humanos, ou melhor, o que se tem a perder neste campo, não será algo central no governo do magnata Trump. É comum aos governos conservadores norte-americanos a negação dos direitos das minorias e a adoção de medidas que reprimem e marginalizam ainda mais negros e imigrantes e que penalizam as mulheres e a comunidade LGBT, entre outros.

Por essa razão, e também pelo que se sabe do histórico do presidente eleito, é de se esperar um recuo sensível em questões que envolvam essas populações e que, nos governos Obama, obtiveram algum avanço. 

Circulou bastante na imprensa e nas redes sociais uma visão caricata da eleição de Trump relacionada ao perigo de uma guerra nuclear. Isso evidentemente não tem base, já que o uso de armamento nuclear não depende só do presidente, mas sim de uma política de Estado.

Também se argumentou muito que sua adversária, Hillary Clinton, seria a “senhora da guerra” e tenderia a promover uma política externa mais intervencionista. Isso também parece ter pouco fundamento, já que essas intervenções ocorrem independentemente de o presidente ser um democrata, um republicano moderado ou mais conservador.

O que pouco se comentou, no entanto, são justamente as diferenças entre Trump e Hillary no trato das questões dos direitos humanos. Hillary, apesar de mostrar elementos autoritários na sua postura, parece mais propensa do que Trump a respeitar e ampliar políticas que garantam e efetivem os direitos das minorias e as liberdades individuais.

As especulações em torno dos nomes que irão compor o governo Trump – como a possibilidade de que Rudolph Giuliani, que ficou conhecido por sua política de tolerância zero contra o crime, quando foi prefeito de Nova York, assuma o comando do Departamento de Justiça – também levam a crer na acentuação da produção de medidas típicas de um estado de exceção, sobretudo contra a população negra e latina.

Subestimar o potencial nocivo do governo de Donald Trump, embora possa amenizar o desconforto causado pelo muito que sua eleição revela, não é prudente. É possível e provável que toda uma gama de direitos conquistados ao longo de todo o processo civilizatório ocidental sofra, com Trump, uma grave ofensiva. E nunca é demais lembrar que políticas agressivas aos direitos humanos promovidas lá servem de espelho e fazem endurecer ainda mais a repressão à população pobre e às minorias aqui.

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