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“Situação no Haiti nunca foi tão dramática”

Haitianos que vivem no Brasil tentam ajudar vítimas do furacão, muitas delas incomunicáveis. Mas temem que ajuda seja desviada por corrupção endêmica

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Por Roberta Jansen

Haitianos que vivem no Brasil se desesperam diante da situação de parentes que continuam incomunicáveis e isolados na parte sul da ilha, duas semanas depois da passagem do poderoso furacão Matthew pela região.

As notícias dão conta de que, nas áreas mais remotas do interior, a ajuda humanitária não chegou ainda. E o que chega à capital, denunciam, corre o risco de ser desviado pela corrupção endêmica do país. Muitos tentam ajudar por conta própria para driblar o sistema.

“Eu tenho vergonha de pedir dinheiro para o Haiti”, conta o haitiano Robert Montinard, que trabalha na ONG Viva Rio na campanha “Haiti-Aqui”. “Os políticos torcem para que ocorram as tragédias para que recebam mais verba de ajuda humanitária e possam manipular o dinheiro sem prestar contas a ninguém, essa é que é a verdade.”

“Muito do dinheiro recebido no terremoto foi parar nas mãos de políticos, a corrupção é generalizada”, acrescenta Montinard, referindo-se ao terremoto de 2010 que devastou a capital Porto Príncipe, deixando pelo menos 100 mil mortos.

O entomologista Jean Ricardo Jules, que está no Rio fazendo um mestrado na Fiocruz, compartilha os mesmos temores e críticas. Ele diz que já mandou algum dinheiro para a família, embora não tenha conseguido falar com ninguém que está no sul do país, área mais atingida pelo furacão.

“A realidade é essa mesmo: a ajuda é sempre desviada, e quem precisa mesmo não consegue receber nada; algumas pessoas gostam dessa situação e aproveitam para enriquecer”, denuncia. “As ONGs ficam na cidade, na roça não tem caminho, não tem estrada; não chegou nada no interior até hoje”, acrescenta.

“Situação nunca foi tão dramática”

Jules conta que conseguiu falar com uma irmã que mora na capital, mas foi só isso: o restante do país está sem comunicação. “Consegui mandar dinheiro com a ajuda de amigos”, afirma.

Bob, como é mais conhecido Robert Montinard, também não conseguiu ainda falar com os parentes do sul.

“Já recebi um recado dizendo que eles estão bem e que nossa casa, que não foi destruída, está servindo de abrigo para muitas pessoas da região”, relata. “Mas a situação é de desespero total. Tudo foi destruído: casas, plantações, criação de animais, tudo”.

“A situação aqui é muito triste”, diz por sua vez o padre Pierre Jentil, um haitiano que mora no Brasil há oito anos.

Ele viajou ao país natal para rezar uma missa, mas até a igreja onde haveria a celebração foi destruída pela tempestade.

“Todos dizem que nunca viveram uma situação assim tão dramática. Todas as regiões estão desfiguradas com a destruição das casas e das árvores”, acrescenta o padre, que também está tentando levar ajuda às áreas remotas por meio da campanha Ajude o Haiti. Como os seus compatriotas, o padre também teme que a ajuda não chegue de fato aos que mais precisam.

“O Haiti é um país que eu não consigo explicar; tem crise política, catástrofes, corrupção; as pessoas sofrem muito”, diz, por sua vez, Jules. “Estou há três anos sem ver minha família. Seria o momento de ir lá para visitar e ajudar, mas não tem como, não tenho dinheiro. Eu fico aqui só chorando, choro muito. Deixei nas mãos de Deus.”

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