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Romney ou Obama, quem é melhor para o Oriente Médio?

O presidente dos Estados Unidos cometeu erros ao lidar com os problemas da região, mas o candidato republicano pode ampliar a hostilidade aos Estados Unidos

Obama faz discurso na universidade Ohio State, em Columbus, na terça-feira 9. Foto: Brenda Smialowski / AFP
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Um discurso de Mitt Romney, candidato do Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos, marcou o debate político norte-americano nesta semana. Na segunda-feira 8, Romney foi ao Instituto Militar da Virgínia e acusou o presidente Barack Obama de ser um líder fraco, responsável pela redução da influência norte-americana no mundo, especialmente no Oriente Médio, e pelos questionamentos à liderança de Washington. É difícil, por enquanto, mensurar a influência do tema política externa nas eleições de 6 de novembro, mas pode-se vislumbrar os impactos das ações de cada um na região mais tensa do mundo.

A política externa dos Estados Unidos para o Oriente Médio é marcadamente hipócrita. A contradição emerge do conflito entre os valores americanos (a democracia) e os interesses do país na região (petróleo, evitar ataques contra os EUA, a segurança de Israel e prevenir a obtenção de armas nucleares pelo Irã). Os dois pesos e duas medidas ficam claros quando Washington propaga a democratização do Oriente Médio e, ao mesmo tempo, apoia governos ditatoriais. Esta situação não foi inventada por Obama. O atual “comandante-em-chefe”, no entanto, deu continuidade a ela, marcadamente ao apoiar (com entusiasmos diferentes) protestos populares no Egito, na Tunísia e na Líbia e se calar quando o mesmo ocorreu na Arábia Saudita e no Bahrein.

Se eleito, Romney vai acentuar a hipocrisia da política externa americana. Em seu discurso, prometeu insistir para o Egito criar instituições democráticas e apoiar os opositores sírios que “compartilham os valores” americanos. Ao mesmo tempo, entretanto, prometeu “aprofundar a cooperação com os parceiros no Golfo”, as monarquias absolutistas de Arábia Saudita, Bahrein e Catar. Romney é um “falcão” na política externa, como dizem os analistas em contraposição a ideia do pacifismo das “pombas”. Romney deseja uma Casa Branca mais assertiva, capaz de “evitar questionamentos” de aliados sobre o compromisso de Washington e de evitar “dúvidas nos inimigos” a respeito da determinação norte-americana para derrotá-los. Para o candidato republicano, esta é a forma ideal para EUA defenderem seus interesses e fazerem prevalecer seus ideais.

A visão de Romney, entretanto, é um equívoco. A contradição valores x interesses, somada ao apoio a Israel e à intensa presença militar americana no Oriente Médio, é o combustível para o sentimento negativo direcionado aos EUA da maioria da população em todos os países árabes-muçulmanos. Os inúmeros protestos contra os EUA em setembro foram abastecidos por este ódio, e não motivados pela suposta fraqueza de Obama ou por um duelo entre “liberdade e tirania”, como Romney afirma.

Como já dito, Obama mantém as contradições da política externa americana. Ele faz isso porque abrir mão das alianças com Israel ou a Arábia Saudita é uma tarefa política e praticamente impossível atualmente. Obama, entretanto, entende que grande parte da hostilidade aos Estados Unidos emana de ações que o próprio governo americano tomou ao longo das últimas décadas, como apoiar golpes de Estado, ditadores e realizar invasões. Esta não é uma visão partidária ou ideológica. É uma simples constatação, feita até mesmo pelo governo de George W. Bush. Em 2005, num famoso discurso, a ex-secretária de Estado americana Condoleezza afirmou que os EUA passaram décadas tentando defender seus interesses em detrimento de seus valores e não conseguiram nem uma coisa nem outra.

É por ter esta visão que Obama enxerga a proteção aos interesses americanos como um processo de longo alcance. Assim, busca, aos poucos, reduzir as impressões negativas a respeito dos Estados Unidos no Oriente Médio. Conta contra Obama o fato de ele buscar a remenda das relações com as populações árabes de forma errática. O ponto positivo de sua política externa na região é o apoio dado aos governos islamistas eleitos na Tunísia e no Egito. Este apoio ainda é tímido, pois a estratégia é delicada a curto prazo. A Primavera Árabe libertou inúmeras forças nas sociedades árabes, inclusive algumas contrárias à democracia, aos direitos das minorias e das mulheres. Essas forças são minoritárias, mas capazes de realizar estragos grandes, como o assassinato do embaixador Chris Stevens em Benghazi, na Líbia. Há, no entanto, espaço para os EUA trabalharem com as forças mais moderadas, e Obama demonstra entender isso.

Em seu discurso, Romney apresentou poucas alternativas práticas ao atos do governo Obama. As diferenças eram majoritariamente na forma. Romney acredita no “excepcionalismo” americano e rejeita a ideia de que os EUA devem algum pedido de desculpas aos árabes pelo atos do passado. Para Romney, e para muitos no Partido Republicano, o fundamentalismo muçulmano surgiu de forma espontânea no Oriente Médio, sem contribuições do Ocidente. Muitos republicanos defendem, inclusive, o fim do apoio dos EUA aos governos eleitos, porém fundamentalistas, da Tunísia ou do Egito. Talvez por isso Romney tenha deixado de fora de seu discurso a palavra mais comum nas análises do Oriente Médio atualmente: o islamismo, como sinônimo de Islã político.

Obama deve ser criticado por sua lentidão em responder a alguns desdobramentos (como no início da Primavera Árabe e na morte de Chris Stevens) e por não dar a atenção devida a determinados temas (como a paz entre israelenses e palestinos). Esses erros, ao menos, são corrigíveis. Romney, por sua vez, prega mais pressões políticas, econômicas e militares contra os “inimigos do EUA” no Oriente Médio e mesmo contra potenciais aliados. É um caminho que, se pode dar algum alívio aos americanos no curto prazo, sem dúvida servirá como combustível para o antiamericanismo a médio prazo, colocando num risco ainda maior os interesses norte-americanos.

Um discurso de Mitt Romney, candidato do Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos, marcou o debate político norte-americano nesta semana. Na segunda-feira 8, Romney foi ao Instituto Militar da Virgínia e acusou o presidente Barack Obama de ser um líder fraco, responsável pela redução da influência norte-americana no mundo, especialmente no Oriente Médio, e pelos questionamentos à liderança de Washington. É difícil, por enquanto, mensurar a influência do tema política externa nas eleições de 6 de novembro, mas pode-se vislumbrar os impactos das ações de cada um na região mais tensa do mundo.

A política externa dos Estados Unidos para o Oriente Médio é marcadamente hipócrita. A contradição emerge do conflito entre os valores americanos (a democracia) e os interesses do país na região (petróleo, evitar ataques contra os EUA, a segurança de Israel e prevenir a obtenção de armas nucleares pelo Irã). Os dois pesos e duas medidas ficam claros quando Washington propaga a democratização do Oriente Médio e, ao mesmo tempo, apoia governos ditatoriais. Esta situação não foi inventada por Obama. O atual “comandante-em-chefe”, no entanto, deu continuidade a ela, marcadamente ao apoiar (com entusiasmos diferentes) protestos populares no Egito, na Tunísia e na Líbia e se calar quando o mesmo ocorreu na Arábia Saudita e no Bahrein.

Se eleito, Romney vai acentuar a hipocrisia da política externa americana. Em seu discurso, prometeu insistir para o Egito criar instituições democráticas e apoiar os opositores sírios que “compartilham os valores” americanos. Ao mesmo tempo, entretanto, prometeu “aprofundar a cooperação com os parceiros no Golfo”, as monarquias absolutistas de Arábia Saudita, Bahrein e Catar. Romney é um “falcão” na política externa, como dizem os analistas em contraposição a ideia do pacifismo das “pombas”. Romney deseja uma Casa Branca mais assertiva, capaz de “evitar questionamentos” de aliados sobre o compromisso de Washington e de evitar “dúvidas nos inimigos” a respeito da determinação norte-americana para derrotá-los. Para o candidato republicano, esta é a forma ideal para EUA defenderem seus interesses e fazerem prevalecer seus ideais.

A visão de Romney, entretanto, é um equívoco. A contradição valores x interesses, somada ao apoio a Israel e à intensa presença militar americana no Oriente Médio, é o combustível para o sentimento negativo direcionado aos EUA da maioria da população em todos os países árabes-muçulmanos. Os inúmeros protestos contra os EUA em setembro foram abastecidos por este ódio, e não motivados pela suposta fraqueza de Obama ou por um duelo entre “liberdade e tirania”, como Romney afirma.

Como já dito, Obama mantém as contradições da política externa americana. Ele faz isso porque abrir mão das alianças com Israel ou a Arábia Saudita é uma tarefa política e praticamente impossível atualmente. Obama, entretanto, entende que grande parte da hostilidade aos Estados Unidos emana de ações que o próprio governo americano tomou ao longo das últimas décadas, como apoiar golpes de Estado, ditadores e realizar invasões. Esta não é uma visão partidária ou ideológica. É uma simples constatação, feita até mesmo pelo governo de George W. Bush. Em 2005, num famoso discurso, a ex-secretária de Estado americana Condoleezza afirmou que os EUA passaram décadas tentando defender seus interesses em detrimento de seus valores e não conseguiram nem uma coisa nem outra.

É por ter esta visão que Obama enxerga a proteção aos interesses americanos como um processo de longo alcance. Assim, busca, aos poucos, reduzir as impressões negativas a respeito dos Estados Unidos no Oriente Médio. Conta contra Obama o fato de ele buscar a remenda das relações com as populações árabes de forma errática. O ponto positivo de sua política externa na região é o apoio dado aos governos islamistas eleitos na Tunísia e no Egito. Este apoio ainda é tímido, pois a estratégia é delicada a curto prazo. A Primavera Árabe libertou inúmeras forças nas sociedades árabes, inclusive algumas contrárias à democracia, aos direitos das minorias e das mulheres. Essas forças são minoritárias, mas capazes de realizar estragos grandes, como o assassinato do embaixador Chris Stevens em Benghazi, na Líbia. Há, no entanto, espaço para os EUA trabalharem com as forças mais moderadas, e Obama demonstra entender isso.

Em seu discurso, Romney apresentou poucas alternativas práticas ao atos do governo Obama. As diferenças eram majoritariamente na forma. Romney acredita no “excepcionalismo” americano e rejeita a ideia de que os EUA devem algum pedido de desculpas aos árabes pelo atos do passado. Para Romney, e para muitos no Partido Republicano, o fundamentalismo muçulmano surgiu de forma espontânea no Oriente Médio, sem contribuições do Ocidente. Muitos republicanos defendem, inclusive, o fim do apoio dos EUA aos governos eleitos, porém fundamentalistas, da Tunísia ou do Egito. Talvez por isso Romney tenha deixado de fora de seu discurso a palavra mais comum nas análises do Oriente Médio atualmente: o islamismo, como sinônimo de Islã político.

Obama deve ser criticado por sua lentidão em responder a alguns desdobramentos (como no início da Primavera Árabe e na morte de Chris Stevens) e por não dar a atenção devida a determinados temas (como a paz entre israelenses e palestinos). Esses erros, ao menos, são corrigíveis. Romney, por sua vez, prega mais pressões políticas, econômicas e militares contra os “inimigos do EUA” no Oriente Médio e mesmo contra potenciais aliados. É um caminho que, se pode dar algum alívio aos americanos no curto prazo, sem dúvida servirá como combustível para o antiamericanismo a médio prazo, colocando num risco ainda maior os interesses norte-americanos.

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