Mundo

Resgate à esquerda

Qualquer seja o resultado das prévias do PD, está claro que os herdeiros do PCI e da ala esquerdista do PDC se preparam para governar a Itália

Apoie Siga-nos no

Tudo indica que, depois de França e Estados Unidos, nos próximos meses a Itália também passará a ter um governo de centro-esquerda. Não obstante o razoável desempenho de saneamento fiscal do atual governo de emergência nacional, guiado pelo tecnocrata Mario Monti, a herança dos anos berlusconianos continua pesadíssima: um país em profunda crise de identidade, fragmentado em corporações e interesses aparentemente inconciliáveis.

A negação do recente passado parece irreversível para os italianos, mas a reconstrução depois do terremoto populista é problema sério: os cidadãos sentem grande distância dos políticos tradicionais e têm aderido às novas formas de antipolítica, como indica de maneira preocupante o amplo consenso atribuído ao ex-comediante Beppe Grillo.

Em política, como no futebol, a vitória de uma parte se compreende melhor não só analisando friamente os méritos dos vencedores, mas também os limites dos derrotados. Esse método antigo, quando bem praticado, abre caminho para a possível virada do jogo. É o que vem buscando com certa honestidade, a meu ver, a esquerda italiana, na reflexão sobre os anos “perdidos” e no trabalho para ressurgir das cinzas.

Longe de constituir modelo, alguns aspectos do recente percurso do Partido Democrático (PD) me parecem, todavia, dignos de reflexão. Chama a atenção que um líder da geração de 30 anos, Matteo Orfini, entre os que pressionam para a renovação da esquerda a 360 graus, tenha decidido expressar o próprio ideário político através de um livro. Ou seja, além do capilar trabalho que vem realizando na base (o PD, apesar de tudo, mantém ativos 6 mil círculos na península), o valente Matteo, para difundir suas posições e dar batalha, enfrentou a fadiga de elaborar ideias e expô-las através do antigo instrumento do livro: “Con le nostre parole: sinistra, democrazia, eguaglianza” (“Com nossas palavras: esquerda, democracia, igualdade”).

Reconcilia com a ideia mais nobre da política que, em 2012, na melhor tradição gramsciana, um jovem líder, não desdenhando dos atuais instrumentos de comunicação – do Facebook ao Twitter –, considere importante fugir da superficialidade e ignorância reinantes entre a maioria dos políticos contemporâneos, dedicando-se à elaboração crítica. No livro, o velho grupo dirigente (a geração que hoje tem 60 anos, ex-comunistas e ex-democrata-cristãos, que, juntos, fundaram o PD em 2007) é explicitamente acusado de ter sido subalterno às ideias neoliberais das décadas passadas, com consequente redimensionamento das suas conquistas de governo. A proposta política que emerge do livro de Orfini indica uma saída de esquerda para a crise europeia: é fortemente ancorada à mais avançada tradição social-democrata e expressa uma crítica nítida à economia neoliberista, defendendo posições que podería­mos definir “neokeynesianas”.

Nestas semanas, os eleitores que pensam em votar na coalizão progressista no próximo pleito em abril de 2013, foram chamados a escolher o próprio candidato através do instrumento das “prévias”. Por meio de uma competição aberta e incerta entre cinco candidatos, o PD vem oferecendo ao cidadão uma escolha entre programas e personalidades bem distintas, entre as quais identificar o perfil mais adequado para vencer a direita e, possivelmente, governar o país. A peculiaridade das prévias italianas é serem de coa­lizão e não de partido. Além de três candidatos do PD, na disputa havia o líder da esquerda radical-ambientalista Nichi Vendola e o católico independente Tabacci. O verdadeiro duelo realizou-se na realidade dentro do partido, entre Pierluigi Bersani, 61 anos, secretário do PD, de posições neossocialdemocratas, e a estrela nascente, o “iconoclasta” Matteo Renzi, 37 anos, de perfil ainda vago e muita ênfase no carisma pessoal.

Depois de uma campanha apaixonada e civilizada, mas carente na atenção aos temas globais, no domingo passado votaram mais de 3 milhões de italianos. Prevaleceu Bersani (apoiado por jovens como Orfini), com 45% dos votos, contra 35% de Renzi, mas o resultado final do segundo turno (domingo 2 de dezembro) ainda é incerto. Bersani deveria contar com os votos dos candidatos da esquerda-esquerda, mas o poder de atração do jovem adversário tem se demonstrado muito forte junto ao eleitorado, não somente progressista, cansado do excesso de prudências tradicionais.

Através do processo das prévias, a tropa de esquerda está conseguindo reunificar finalmente suas várias almas, depois das divisões da década passada. Espera-se que assim esteja menos despreparada para enfrentar os próximos, dificílimos tempos. Por ora, o resultado certo destas primárias é que ganhou a democracia.

Tudo indica que, depois de França e Estados Unidos, nos próximos meses a Itália também passará a ter um governo de centro-esquerda. Não obstante o razoável desempenho de saneamento fiscal do atual governo de emergência nacional, guiado pelo tecnocrata Mario Monti, a herança dos anos berlusconianos continua pesadíssima: um país em profunda crise de identidade, fragmentado em corporações e interesses aparentemente inconciliáveis.

A negação do recente passado parece irreversível para os italianos, mas a reconstrução depois do terremoto populista é problema sério: os cidadãos sentem grande distância dos políticos tradicionais e têm aderido às novas formas de antipolítica, como indica de maneira preocupante o amplo consenso atribuído ao ex-comediante Beppe Grillo.

Em política, como no futebol, a vitória de uma parte se compreende melhor não só analisando friamente os méritos dos vencedores, mas também os limites dos derrotados. Esse método antigo, quando bem praticado, abre caminho para a possível virada do jogo. É o que vem buscando com certa honestidade, a meu ver, a esquerda italiana, na reflexão sobre os anos “perdidos” e no trabalho para ressurgir das cinzas.

Longe de constituir modelo, alguns aspectos do recente percurso do Partido Democrático (PD) me parecem, todavia, dignos de reflexão. Chama a atenção que um líder da geração de 30 anos, Matteo Orfini, entre os que pressionam para a renovação da esquerda a 360 graus, tenha decidido expressar o próprio ideário político através de um livro. Ou seja, além do capilar trabalho que vem realizando na base (o PD, apesar de tudo, mantém ativos 6 mil círculos na península), o valente Matteo, para difundir suas posições e dar batalha, enfrentou a fadiga de elaborar ideias e expô-las através do antigo instrumento do livro: “Con le nostre parole: sinistra, democrazia, eguaglianza” (“Com nossas palavras: esquerda, democracia, igualdade”).

Reconcilia com a ideia mais nobre da política que, em 2012, na melhor tradição gramsciana, um jovem líder, não desdenhando dos atuais instrumentos de comunicação – do Facebook ao Twitter –, considere importante fugir da superficialidade e ignorância reinantes entre a maioria dos políticos contemporâneos, dedicando-se à elaboração crítica. No livro, o velho grupo dirigente (a geração que hoje tem 60 anos, ex-comunistas e ex-democrata-cristãos, que, juntos, fundaram o PD em 2007) é explicitamente acusado de ter sido subalterno às ideias neoliberais das décadas passadas, com consequente redimensionamento das suas conquistas de governo. A proposta política que emerge do livro de Orfini indica uma saída de esquerda para a crise europeia: é fortemente ancorada à mais avançada tradição social-democrata e expressa uma crítica nítida à economia neoliberista, defendendo posições que podería­mos definir “neokeynesianas”.

Nestas semanas, os eleitores que pensam em votar na coalizão progressista no próximo pleito em abril de 2013, foram chamados a escolher o próprio candidato através do instrumento das “prévias”. Por meio de uma competição aberta e incerta entre cinco candidatos, o PD vem oferecendo ao cidadão uma escolha entre programas e personalidades bem distintas, entre as quais identificar o perfil mais adequado para vencer a direita e, possivelmente, governar o país. A peculiaridade das prévias italianas é serem de coa­lizão e não de partido. Além de três candidatos do PD, na disputa havia o líder da esquerda radical-ambientalista Nichi Vendola e o católico independente Tabacci. O verdadeiro duelo realizou-se na realidade dentro do partido, entre Pierluigi Bersani, 61 anos, secretário do PD, de posições neossocialdemocratas, e a estrela nascente, o “iconoclasta” Matteo Renzi, 37 anos, de perfil ainda vago e muita ênfase no carisma pessoal.

Depois de uma campanha apaixonada e civilizada, mas carente na atenção aos temas globais, no domingo passado votaram mais de 3 milhões de italianos. Prevaleceu Bersani (apoiado por jovens como Orfini), com 45% dos votos, contra 35% de Renzi, mas o resultado final do segundo turno (domingo 2 de dezembro) ainda é incerto. Bersani deveria contar com os votos dos candidatos da esquerda-esquerda, mas o poder de atração do jovem adversário tem se demonstrado muito forte junto ao eleitorado, não somente progressista, cansado do excesso de prudências tradicionais.

Através do processo das prévias, a tropa de esquerda está conseguindo reunificar finalmente suas várias almas, depois das divisões da década passada. Espera-se que assim esteja menos despreparada para enfrentar os próximos, dificílimos tempos. Por ora, o resultado certo destas primárias é que ganhou a democracia.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo