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Por que ainda vale a pena apoiar a Primavera Árabe

O saldo da semana em que o mundo lembrou o 11 de setembro é uma lástima. Quatro diplomatas norte-americanos foram mortos na Líbia, duas embaixadas dos Estados Unidos foram invadidas e protestos em diversos países árabes deixaram pelo menos cinco mortos, quatro no Iêmen e […]

Manifestante líbio lamenta a morte do embaixador Chris Stevens: "Desculpe, Chris. Benghazi não conseguiu proteger você". Foto: Reprodução / Twitter
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O saldo da semana em que o mundo lembrou o 11 de setembro é uma lástima. Quatro diplomatas norte-americanos foram mortos na Líbia, duas embaixadas dos Estados Unidos foram invadidas e protestos em diversos países árabes deixaram pelo menos cinco mortos, quatro no Iêmen e um no Líbano. O pretexto para a violência era o filme Innocence of Islam, produzido nos EUA, que retrata o profeta Maomé como pedófilo e bissexual. A violência gerou inúmeras dúvidas quanto ao futuro da Primavera Árabe, mas este é um momento decisivo para o futuro do Oriente Médio, que precisa de apoio para encontrar a liberdade genuína.

A Primavera Árabe teve inícios e desfechos diferentes em cada um dos países pelos quais passou. Há, entretanto, um aspecto em comum na história recente de Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen, países em que os ditadores foram derrubados. Em todos eles, a “primavera” serviu para libertar forças políticas e sentimentos que eram suprimidos pelos regimes autoritários em vigor. Um grupo político particularmente saliente é o dos salafistas, fundamentalistas ultraconservadores que lideraram os protestos contra o filme. As manifestações desta semana escancararam, também, o forte sentimento anti-EUA presente no mundo árabe.

Um olhar sobre a história recente do Oriente Médio ajuda a perceber que o fundamentalismo religioso e o anti-americanismo estão interligados. O radicalismo se tornou influente nas sociedades muçulmanas a partir da segunda metade do século XX. Neste período, os Estados Unidos apoiaram vários golpes de Estado, adotaram como aliados alguns dos mais sangrentos ditadores, invadiram o Iraque e sempre apoiaram firmemente Israel, que os árabes odeiam em uníssono. Esses governos ditatoriais apoiados pelos EUA fecharam jornais, partidos, sindicatos e suprimiram quaisquer outras formas de dissenso na sociedade. A não ser as mesquitas. No Islã, e muitas vezes na interpretação mais fundamentalista dele, milhões de pessoas encontraram abrigo das torturas, da violência policial e da repressão política, além de alívio para a pobreza, o desemprego e o analfabetismo.

Entender a origem do que se observa no Oriente Médio não significa apoiar a violência. A interpretação do Islã e a forma como as sociedades muçulmanas da região encaram suas dificuldades estão recheadas de problemas. Pululam no Oriente Médio líderes religiosos que pregam o ódio e a violência. Políticos e cidadãos não conseguem entender, como afirma o analista Ed Husain no London Evening Standard, que a liberdade de blasfemar com o lamentável Innocence of Islam é a mesma que garante a construção de mesquitas e cemitérios muçulmanos em países ocidentais. Falta ao Islã, continua Husein, uma reforma de pensamentos que valorize o legado positivo de Maomé, profeta que, segundo o Corão, perdoou e protegeu um beduíno que blasfemara ao urinar em uma mesquita.

Nesta semana, ficou óbvio como o processo de democratização do Oriente Médio será complexo e problemático. É forte a tentação de abandonar a região a seu próprio destino, mas fazer isso seria abandonar o manifestante cuja fotografia abre este artigo em detrimento dos assassinos do embaixador Chris Stevens. Seria considerar que os 2 mil egípcios que protestaram na embaixada dos EUA no Cairo representam os 7 milhões de habitantes da cidade ou que a versão fundamentalista do Islã é a única possível para os mais de 1 bilhão de muçulmanos.

No Oriente Médio, é preciso tentar ver através da violência. Na revista Foreign Policy, Shadi Hamid lembra que nunca antes na história os EUA conseguiram aproximar tanto seus valores (democracia) de seus interesses (segurança) como ocorre hoje em relação à Líbia, à Tunísia e ao Egito. Assim, apoiar os processos de democratização desses países é, para os EUA, estar “do lado certo da história” no Oriente Médio pela primeira vez. É preciso valorizar também os sinais positivos recentes. Líbia, Egito e Tunísia conseguiram realizar eleições livres e limpas pela primeira vez em sua história nos últimos meses. Na Líbia, um dia após a morte do embaixador Chris Stevens, um novo primeiro-ministro foi eleito pelo Parlamento por apenas dois votos de diferença e o candidato derrotado aceitou o resultado imediatamente. Ainda é pouco, mas a democracia não é um receituário que pode ser simplesmente instalado num país. A democracia é um processo, doloroso e tortuoso, que continua sendo aperfeiçoado mesmo onde vigora há muito tempo. Lentamente, com apoio a quem defende a liberdade e a democracia, o Oriente Médio pode se transformar num lugar melhor para suas populações e, quem sabe, deixar o mundo todo mais estável e seguro.

O saldo da semana em que o mundo lembrou o 11 de setembro é uma lástima. Quatro diplomatas norte-americanos foram mortos na Líbia, duas embaixadas dos Estados Unidos foram invadidas e protestos em diversos países árabes deixaram pelo menos cinco mortos, quatro no Iêmen e um no Líbano. O pretexto para a violência era o filme Innocence of Islam, produzido nos EUA, que retrata o profeta Maomé como pedófilo e bissexual. A violência gerou inúmeras dúvidas quanto ao futuro da Primavera Árabe, mas este é um momento decisivo para o futuro do Oriente Médio, que precisa de apoio para encontrar a liberdade genuína.

A Primavera Árabe teve inícios e desfechos diferentes em cada um dos países pelos quais passou. Há, entretanto, um aspecto em comum na história recente de Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen, países em que os ditadores foram derrubados. Em todos eles, a “primavera” serviu para libertar forças políticas e sentimentos que eram suprimidos pelos regimes autoritários em vigor. Um grupo político particularmente saliente é o dos salafistas, fundamentalistas ultraconservadores que lideraram os protestos contra o filme. As manifestações desta semana escancararam, também, o forte sentimento anti-EUA presente no mundo árabe.

Um olhar sobre a história recente do Oriente Médio ajuda a perceber que o fundamentalismo religioso e o anti-americanismo estão interligados. O radicalismo se tornou influente nas sociedades muçulmanas a partir da segunda metade do século XX. Neste período, os Estados Unidos apoiaram vários golpes de Estado, adotaram como aliados alguns dos mais sangrentos ditadores, invadiram o Iraque e sempre apoiaram firmemente Israel, que os árabes odeiam em uníssono. Esses governos ditatoriais apoiados pelos EUA fecharam jornais, partidos, sindicatos e suprimiram quaisquer outras formas de dissenso na sociedade. A não ser as mesquitas. No Islã, e muitas vezes na interpretação mais fundamentalista dele, milhões de pessoas encontraram abrigo das torturas, da violência policial e da repressão política, além de alívio para a pobreza, o desemprego e o analfabetismo.

Entender a origem do que se observa no Oriente Médio não significa apoiar a violência. A interpretação do Islã e a forma como as sociedades muçulmanas da região encaram suas dificuldades estão recheadas de problemas. Pululam no Oriente Médio líderes religiosos que pregam o ódio e a violência. Políticos e cidadãos não conseguem entender, como afirma o analista Ed Husain no London Evening Standard, que a liberdade de blasfemar com o lamentável Innocence of Islam é a mesma que garante a construção de mesquitas e cemitérios muçulmanos em países ocidentais. Falta ao Islã, continua Husein, uma reforma de pensamentos que valorize o legado positivo de Maomé, profeta que, segundo o Corão, perdoou e protegeu um beduíno que blasfemara ao urinar em uma mesquita.

Nesta semana, ficou óbvio como o processo de democratização do Oriente Médio será complexo e problemático. É forte a tentação de abandonar a região a seu próprio destino, mas fazer isso seria abandonar o manifestante cuja fotografia abre este artigo em detrimento dos assassinos do embaixador Chris Stevens. Seria considerar que os 2 mil egípcios que protestaram na embaixada dos EUA no Cairo representam os 7 milhões de habitantes da cidade ou que a versão fundamentalista do Islã é a única possível para os mais de 1 bilhão de muçulmanos.

No Oriente Médio, é preciso tentar ver através da violência. Na revista Foreign Policy, Shadi Hamid lembra que nunca antes na história os EUA conseguiram aproximar tanto seus valores (democracia) de seus interesses (segurança) como ocorre hoje em relação à Líbia, à Tunísia e ao Egito. Assim, apoiar os processos de democratização desses países é, para os EUA, estar “do lado certo da história” no Oriente Médio pela primeira vez. É preciso valorizar também os sinais positivos recentes. Líbia, Egito e Tunísia conseguiram realizar eleições livres e limpas pela primeira vez em sua história nos últimos meses. Na Líbia, um dia após a morte do embaixador Chris Stevens, um novo primeiro-ministro foi eleito pelo Parlamento por apenas dois votos de diferença e o candidato derrotado aceitou o resultado imediatamente. Ainda é pouco, mas a democracia não é um receituário que pode ser simplesmente instalado num país. A democracia é um processo, doloroso e tortuoso, que continua sendo aperfeiçoado mesmo onde vigora há muito tempo. Lentamente, com apoio a quem defende a liberdade e a democracia, o Oriente Médio pode se transformar num lugar melhor para suas populações e, quem sabe, deixar o mundo todo mais estável e seguro.

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