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Política dos EUA também provoca retórica bélica norte-coreana, diz analista

Tensões na península coreana alcançaram nível sem precedentes. E são também fruto do interesse dos Estados Unidos em aumentar sua influência na região do Pacífico, revela o cientista político August Pradetto

Norte-coreanos se sentem provocados por manobras militares dos EUA e Coreia do Sul. Foto:Yonhap/ AFP
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A Coreia do Norte se sentiu provocada com as recentes manobras militares realizadas pela Coreia do Sul e Estados Unidos. Mas sua recente declaração de “estado de guerra” também deixa claro o interesse dos EUA em expandir sua influência na região do Pacífico.

Essa é a opinião de August Pradetto, professor de Ciências Políticas da Universidade das Forças Armadas Helmut Schmidt, em Hamburgo, em entrevista à DW. Segundo ele, Kim Jong-Un tenta mostrar sua competência exacerbando a retórica de guerra: “Essas palavras contra os norte-americanos e contra o governo da Coreia do Sul têm a intenção de levá-lo a ser reconhecido como o guardião e protetor da nação norte-coreana”.

 

Leia a entrevista completa:

Deutsche Welle:A Coreia do Norte declarou “estado de guerra” contra Seul. O que isso muda? Afinal, os dois países não firmaram um tratado de paz desde o fim da Guerra das Coreias.

August Pradetto:Em princípio, isso pouco vai mudar a situação político-militar, porque as Forças Armadas da Coreia do Sul, combinadas com as dos EUA, são superiores às forças norte-coreanas. A Coreia do Norte se sente provocada pelas manobras de grande escala realizadas na Coreia do Sul e no Mar da China Oriental, e essa é sua reação.

Isso tem uma função relacionada à política interna, mas também se destina a dar um recado para o exterior, de que Pyongyang se opõe às manobras realizadas e vai se defender, ainda que tenha pouca chance de responder à altura, do ponto de vista militar.

DW: O senhor mencionou que o anúncio do “estado de guerra” também tem um propósito nacional. Qual seria?

AP: O líder norte-coreano Kim Jong-Un já está no poder há pouco mais de um ano. Como jovem sucessor de seu pai, ele tem que provar sua competência e aparentemente tenta fazê-lo por meio de declarações fortes. Essas palavras contra os norte-americanos e contra o governo da Coreia do Sul visam que seja reconhecido como guardião e protetor da nação norte-coreana.

DW: E isso funciona entre seus compatriotas?

AP: Não podemos esquecer que a Coreia do Norte é um estado totalitário que tem toda a mídia sob seu controle. Relativamente poucas notícias chegam do exterior, e há pouca objetividade no noticiário local. As pessoas são dependentes dos meios de comunicação nacionais. Outros tipos de notícias vêm apenas da China e pouco servem para influenciar a opinião pública norte-coreana de forma significativa.

DW: Mas os líderes norte-coreanos têm repetidamente se sentido provocados pelas manobras militares norte-americanas e sul-coreanas. A atual reação tem uma qualidade diversa, ou se trata da ostentação de agressividade usual?

AP: O maior perigo é que ocorra algo não intencional, de um lado ou de outro. Em breve, grande parte das manobras chegarão ao fim. E aí a situação possivelmente volta a se acalmar – se não houver nenhum incidente antes.

DW: Os EUA e a Coreia do Sul podem fazer algo para contribuir para a normalização da situação?Por exemplo, agindo de forma mais contida?


AP: Essa seria uma possibilidade. Os EUA fazem pouco para acalmar a situação. Na verdade, os próprios EUA estão sob pressão: suas bases no Japão e na Coreia do Sul são questionadas pelas populações locais. Ao mesmo tempo, os EUA querem fortalecer suas bases na região do Pacífico, especialmente na Coreia do Sul e também no Japão, bem como reforçar a defesa antimísseis nessa região. A reação norte-coreana a essas manobras certamente não chega em mau momento para os EUA, de forma a legitimarem a própria posição e os próprios planos e impô-los contra as instâncias de oposição.


DW: Então isso significa que ambos os países querem exibir suas forças?

AP: Ambos querem manter sua posição nessa região. A Coreia do Norte teme que se realize, possivelmente também por meios militares, aquilo que tem estado na agenda dos EUA desde 2001, ou seja: uma mudança de regime na Coreia do Norte. E os EUA tentam expandir suas posições na região do Pacífico. Esse é o verdadeiro motivo da retórica e estratégia que vêm sendo empregadas por ambos os países.

 

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