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“Para Trump, tanto faz mentir ou não”, diz filósofo

Para o autor do best-seller “On bullshit”, sobre lorotas e similares, todo político mente. Porém uns mais do que outros

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O próprio autor do livro On bullshit, o filósofo americano Harry Frankfurt, reconhece: o fenômenobullshit existe em massa em muitos países, porém frequentemente falta uma palavra no idioma nacional para expressá-lo.

De fato, traduzir esse termo inglês não é fácil: o significado literal de bullshit é “merda de boi”, porém, na linguagem coloquial, ele designa desde a besteira, bobagem – algo dito sem conhecimento de causa –, até a mentira manipulativa, passando pela conversa fiada, com fins de se gabar ou tirar vantagem: lorota.

Frankfurt faz uma distinção crucial entre os tipos de disseminadores de inverdades: enquanto o mentiroso tem que conhecer a verdade em questão, a fim de melhor escondê-la de quem pretenda ludibriar, a única preocupação do contador de bullshit é sua vantagem pessoal e o avanço da própria agenda.

A DW entrevistou Harry Gordon Frankfurt, professor emérito de filosofia da Universidade de Princeton, sobre a atual campanha presidencial nos Estados Unidos.

Depois de publicar na revista Raritan Quarterly Review o ensaio intitulado On bullshit, em que analisa o fenômeno no nível da comunicação, ele lançou em 2005 o livro homônimo. Sucesso popular, ele figurou durante 27 semanas na lista de best-sellers do New York Times. Seu livro mais recente, On inequality  (Sobre a desigualdade), foi lançado em 2015.

DW: Para quem não está familiarizado com o seu best-seller filosófico Bullshit, por favor, explique sua definição desse conceito e da pessoa que utiliza esse mecanismo.

Harry Frankfurt: Uma pessoa que conta bullshit, lorota, tem uma característica básica: não dar a mínima para a verdade. Ela lança afirmativas, quer verdadeiras, quer falsas, simplesmente para manipular as opiniões e a mentalidade do público.

DW: Agora aplicando o conceito de lorota às eleições presidenciais nos Estados Unidos: como a fica a comparação entre os candidatos democrata, Hillary Clinton, e republicano, Donald Trump?

HF: Todos os políticos manipulam opiniões e atitudes. Consequentemente, todos são também passíveis da sedução de disseminar lorotas. Isso também se aplica a Trump e Clinton. Mas eles se distinguem em termos da frequência: Trump usa a lorota muito mais frequentemente do que Clinton. E, quando não conta lorotas, ele mente, simplesmente.

Clinton também mente, mas não tanto. Além disso, para ela não tanto faz se mentiu ou não, como tantas vezes acontece com Trump. Ao ser apanhada, ela normalmente fica constrangida ou tenta explicar que, na realidade, não estava mentindo. Já Trump, ao ser apanhado numa mentira ou bullshit, não se envergonha nem um pouco: ele simplesmente a repete mais uma vez.

DW: Qual foi a lorota mais escabrosa dessa campanha presidencial até agora?

HF: Não saberia dizer exatamente qual foi o caso mais escabroso, mas suponho que tenha sido algo que Trump disse. Por que a opinião pública americana suporta tanta bullshit? Acho que em parte é pelo fato de ela ter se tornado tão normal no discurso político. O público está tão acostumado que a lorota não é mais algo fora do comum.

Trata-se de uma constatação terrível em relação à capacidade de julgamento dos americanos, mas também quanto à integridade dos nossos candidatos políticos: ambos os partidos parecem ter desistido da tentativa de se guiar pela verdade.

DW: Comparando esta eleição presidencial nos EUA com a anterior: hoje há mais ou menos bullshit?

HF: Não sei dizer, é difícil medir. Diante da indiferença generalizada de Trump diante da verdade, porém, parto do princípio que haja mais lorota na atual campanha.

DW: Esse aumento é restrito aos EUA ou se trata de um fenômeno global?

HF: Quanto a isso, só posso dizer duas coisas: em primeiro lugar, não sei. No entanto é interessante que em muitos países haja bullshit, mas nenhuma palavra na própria língua para designá-la. Em segundo lugar: Deus nos livre!

 

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