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Operação tapa-buraco

Com o fim da Guerra Fria, organização perdeu função principal, mas não ganhou versatilidade

Foto: Mandel Ngan/AFP
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O fim da União Soviética (URSS) em 25 de dezembro de 1991, e consequentemente da Guerra Fria, esvaziou uma das mais importantes funções da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan): proteger a Europa e os países membros do inimigo externo, ou seja, à epóca, a ameaça socialista. Mais de duas décadas depois, a entidade retirou as tropas fortemente armadas e tanques da fronteira da Europa Ocidental. Perdeu parte de sua identidade, mas adaptou sua atuação a um novo contexto, com destaque à intervenção no Afeganistão (antiga zona de influência socialista), que teve o final anunciado nesta segunda-feira 21.

Na cúpula da Otan em Chicago ficou definida a transferência da responsabilidade pela segurança e operações de combate ao Afeganistão em 2013, além da saída das tropas estrangeiras do país no ano seguinte. Até a retirada dos cerca de 130 mil soldados, tropas do tratado ficarão encarregadas de garantir que os afegãos se adaptem “às suas novas responsabilidades”, e, depois, manterão “um sólido apoio político e prático de longo prazo ao governo afegão”, diz a organização.

Apesar de integrar uma guerra polêmica e de resultado inconclusivo, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que a Otan “sai mais forte de Chicago, mais capaz, e no centro da segurança global”. Tudo isso, embora diversos países tenham saído do combate antes da agenda oficial. Incluindo a França, que deve retirar seus cerca de 3,3 mil soldados do Afeganistão até o final de 2012.

 

 

A Otan passou por adaptações, mas ainda cumpre a função de prevenir a guerra entre os aliados e manter a paz na Europa, pois o ataque contra um membro é um ataque contra todos, explica Juliana Bertazzo, professora da Universidade de Oxford (Reino Unido), pesquisadora da London School of Economics e especialista em Otan. “Além disso, aliados não se atacam.”

Para a analista, a força da Otan se concentra na capacidade de adaptação e de trabalhar em conjunto com diversos países e organismos internacionais. A estrutura altamente equipada e bem localizada é outro benefício, muito útil aos EUA e aos Estados-membros.

Uma característica, destaca Bertazzo, a posicionar a Otan como uma força de apoio à organizações como a Onu, sem exército próprio. “Isso fica claro no Afeganistão com a dificuldade da Onu em enviar tropas. Os países ricos mandam dinheiro, mas não soldados. A Otan tem um recurso inestimável e, enquanto as Nações Unidas mantêm apenas uma operação civil e política no Iraque, fornece apoio e treinamento de tropas. Na prática, assume uma operação da Onu e isso é significativo.”

Além disso, possui outra característica interessante: atua fora de sua área original. Mas nem sempre é fácil controlar seu financiamento ou atuação conjunta, devido à pluralidade de interesses dos integrantes.

Na intervenção na Líbia no último ano, diversos países membros não participaram diretamente da missão – entre eles a Alemanha -, levando o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, a pedir mais apoio e solidariedade dos integrantes europeus. “Sempre houve um descompasso grande entre Europa e os EUA em termos de composição militar e orçamento. Algo que só mudou recentemente com a entrada da França para o componente militar”, explica Bertazzo, para quem a organização não possui custo mais elevado que outras entidades semelhantes.

Na busca por uma nova identidade, a organização defende operações de manutenção da paz – contidas no artigo 5º -, que prevê a intervenção em caso de possível ameaça à segurança dos membros. Um conceito que a permite atuar em todo o mundo em abordagens de relativizado interesse humanitário, como a missão aos países afetados pelos terremotos da Ásia em 2004. “Houve uma operação de apoio aos locais atingidos, porque aquela situação era tida como uma instabilidade internacional”, diz a analista.

Essa atuação empurra a Otan a participar de conflitos a envolver ameaças aos interesses nacionais de seus integrantes, que são distintos e definidos por consenso e não maioria. “Na Somália, há o interesse em garantir um tráfego marítimo para exportação e importação dos navios dos Estados membros que passam pela região. Os piratas afetam o fluxo do petróleo da Ásia e África, em uma das rotas mais utilizadas também para retirar produtos da China, Índia e Tigres Asiáticos. Isso atrapalha os membros da Otan, que vão pleitear uma operação.”

Após a Guerra Fria, a organização abriu algumas rodadas de filiação a novos países, que incluiu a Alemanha reunificada, por exemplo. Mas depois passou a exigir critérios rígidos para adesão. “A organização valoriza muitos países com democracias consolidadas. Por isso, a solidariedade com países onde isso não acontece”, afirma Bertazzo. E completa: “A análise é bem estudada, pois percebe-se que a Otan não funcionaria tão bem com um grupo muito diverso.”

Neste cenário, Ucrânia e Geórgia tentam se filiar com demonstrações públicas de interesse que remontam ao início dos anos 2000. Na organização, estariam protegidos militarmente da Rússia – que mantém apenas um representante fixo na Otan. A Georgia, por exemplo, teve um conflito com a Rússia em 2008 pelo controle da Ossétia do Sul.

A Rússia se opõe veementemente à iniciativa das duas ex-repúblicas soviéticas.

Com o tempo, a Otan passou a adotar de forma mais constante o conceito de intervenção humanitária.  O maior exemplo foi a ação unilateral em Kosovo em 1999. O conflito com a Sérvia provocava um fluxo intenso de refugiados e mortes de civis e, para evitar um massacre étnico semelhante ao ocorrido na Bósnia, a organização autorizou pela primeira vez uma “operação fora de área”.

Hoje, a Otan mantém parcerias com a Onu e a União Africana. “Isso para garantir que a instabilidade não afete os países-membros. Por isso, houve intervenções no Leste Europeu, África e Afeganistão”, ressalta a analista.

O fim da União Soviética (URSS) em 25 de dezembro de 1991, e consequentemente da Guerra Fria, esvaziou uma das mais importantes funções da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan): proteger a Europa e os países membros do inimigo externo, ou seja, à epóca, a ameaça socialista. Mais de duas décadas depois, a entidade retirou as tropas fortemente armadas e tanques da fronteira da Europa Ocidental. Perdeu parte de sua identidade, mas adaptou sua atuação a um novo contexto, com destaque à intervenção no Afeganistão (antiga zona de influência socialista), que teve o final anunciado nesta segunda-feira 21.

Na cúpula da Otan em Chicago ficou definida a transferência da responsabilidade pela segurança e operações de combate ao Afeganistão em 2013, além da saída das tropas estrangeiras do país no ano seguinte. Até a retirada dos cerca de 130 mil soldados, tropas do tratado ficarão encarregadas de garantir que os afegãos se adaptem “às suas novas responsabilidades”, e, depois, manterão “um sólido apoio político e prático de longo prazo ao governo afegão”, diz a organização.

Apesar de integrar uma guerra polêmica e de resultado inconclusivo, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que a Otan “sai mais forte de Chicago, mais capaz, e no centro da segurança global”. Tudo isso, embora diversos países tenham saído do combate antes da agenda oficial. Incluindo a França, que deve retirar seus cerca de 3,3 mil soldados do Afeganistão até o final de 2012.

 

 

A Otan passou por adaptações, mas ainda cumpre a função de prevenir a guerra entre os aliados e manter a paz na Europa, pois o ataque contra um membro é um ataque contra todos, explica Juliana Bertazzo, professora da Universidade de Oxford (Reino Unido), pesquisadora da London School of Economics e especialista em Otan. “Além disso, aliados não se atacam.”

Para a analista, a força da Otan se concentra na capacidade de adaptação e de trabalhar em conjunto com diversos países e organismos internacionais. A estrutura altamente equipada e bem localizada é outro benefício, muito útil aos EUA e aos Estados-membros.

Uma característica, destaca Bertazzo, a posicionar a Otan como uma força de apoio à organizações como a Onu, sem exército próprio. “Isso fica claro no Afeganistão com a dificuldade da Onu em enviar tropas. Os países ricos mandam dinheiro, mas não soldados. A Otan tem um recurso inestimável e, enquanto as Nações Unidas mantêm apenas uma operação civil e política no Iraque, fornece apoio e treinamento de tropas. Na prática, assume uma operação da Onu e isso é significativo.”

Além disso, possui outra característica interessante: atua fora de sua área original. Mas nem sempre é fácil controlar seu financiamento ou atuação conjunta, devido à pluralidade de interesses dos integrantes.

Na intervenção na Líbia no último ano, diversos países membros não participaram diretamente da missão – entre eles a Alemanha -, levando o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, a pedir mais apoio e solidariedade dos integrantes europeus. “Sempre houve um descompasso grande entre Europa e os EUA em termos de composição militar e orçamento. Algo que só mudou recentemente com a entrada da França para o componente militar”, explica Bertazzo, para quem a organização não possui custo mais elevado que outras entidades semelhantes.

Na busca por uma nova identidade, a organização defende operações de manutenção da paz – contidas no artigo 5º -, que prevê a intervenção em caso de possível ameaça à segurança dos membros. Um conceito que a permite atuar em todo o mundo em abordagens de relativizado interesse humanitário, como a missão aos países afetados pelos terremotos da Ásia em 2004. “Houve uma operação de apoio aos locais atingidos, porque aquela situação era tida como uma instabilidade internacional”, diz a analista.

Essa atuação empurra a Otan a participar de conflitos a envolver ameaças aos interesses nacionais de seus integrantes, que são distintos e definidos por consenso e não maioria. “Na Somália, há o interesse em garantir um tráfego marítimo para exportação e importação dos navios dos Estados membros que passam pela região. Os piratas afetam o fluxo do petróleo da Ásia e África, em uma das rotas mais utilizadas também para retirar produtos da China, Índia e Tigres Asiáticos. Isso atrapalha os membros da Otan, que vão pleitear uma operação.”

Após a Guerra Fria, a organização abriu algumas rodadas de filiação a novos países, que incluiu a Alemanha reunificada, por exemplo. Mas depois passou a exigir critérios rígidos para adesão. “A organização valoriza muitos países com democracias consolidadas. Por isso, a solidariedade com países onde isso não acontece”, afirma Bertazzo. E completa: “A análise é bem estudada, pois percebe-se que a Otan não funcionaria tão bem com um grupo muito diverso.”

Neste cenário, Ucrânia e Geórgia tentam se filiar com demonstrações públicas de interesse que remontam ao início dos anos 2000. Na organização, estariam protegidos militarmente da Rússia – que mantém apenas um representante fixo na Otan. A Georgia, por exemplo, teve um conflito com a Rússia em 2008 pelo controle da Ossétia do Sul.

A Rússia se opõe veementemente à iniciativa das duas ex-repúblicas soviéticas.

Com o tempo, a Otan passou a adotar de forma mais constante o conceito de intervenção humanitária.  O maior exemplo foi a ação unilateral em Kosovo em 1999. O conflito com a Sérvia provocava um fluxo intenso de refugiados e mortes de civis e, para evitar um massacre étnico semelhante ao ocorrido na Bósnia, a organização autorizou pela primeira vez uma “operação fora de área”.

Hoje, a Otan mantém parcerias com a Onu e a União Africana. “Isso para garantir que a instabilidade não afete os países-membros. Por isso, houve intervenções no Leste Europeu, África e Afeganistão”, ressalta a analista.

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