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O Hamas e a direita de Israel: aliados na loucura

O grupo palestino e o governo Netanyahu usam seus civis como reféns. A estratégia dos dois é a mesma: ganhar poder internamente ao evitar a paz

Israelenses observam os danos causados em uma casa da cidade israelense de Ofakim, no sul do país, por um foguete lançado pelo Hamas. Foto: Menahem Kahana / AFP
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O conflito de seis dias entre Israel e o Hamas serve como uma prova cabal da impossibilidade de um acordo de paz entre os dois povos ser firmado no atual cenário político. É arriscado fazer previsões a respeito de um conflito que se arrasta há décadas, mas é inverossímil crer na paz enquanto a direita israelense e o grupo radical palestino estiverem no poder. Para se perpetuar na política, os dois lados manipulam e expõem suas próprias populações à violência, para em seguida venderem a imagem de serem os únicos capazes de garantir sua segurança. Nesta dinâmica maléfica, o Hamas e a direita israelense alimentam um ao outro, criando a percepção de que a guerra é inevitável.

Seria ingênuo supor que o Hamas é uma força para a paz no Oriente Médio. O grupo palestino está longe de ter essa característica. Em documentos e nas palavras de seus líderes, o Hamas prega a destruição de Israel, mostra ser antissemita e rejeita todos os tratados de paz assinados até hoje por líderes palestinos. Essas posições tornam o Hamas um ator ilegítimo aos olhos de boa parte da comunidade internacional. Nos últimos meses, o grupo, entretanto, teve um ganho de legitimidade. O Hamas deixou a aliança com o Irã e a Síria e passou a ter mais contatos com Egito, Turquia e Catar, países cujas capacidades de mediação diplomática são fundamentais para o Oriente Médio. Em vez de usar seus novos aliados para tentar colocar fim à precária situação da Faixa de Gaza, região que controla desde 2007, o Hamas fez o contrário.

Um dos episódios que iniciou o atual conflito foi um ataque do Hamas a uma patrulha do Exército de Israel em território israelense. O Hamas pode ter apostado que Israel não responderia ao ataque, mas mesmo diante da retaliação, o Hamas fortalece sua posição entre os palestinos e, particularmente, na Faixa de Gaza.

Em primeiro lugar, é importante notar que o conflito em Gaza esvazia o pedido de reconhecimento como estado não-membro da Autoridade Palestina (AP) nas Nações Unidas, a ser feito no fim do mês. A AP é hoje controlada pelo Fatah, grupo secular que é o maior rival do Hamas na política palestina. Se conseguisse o reconhecimento, Mahmoud Abbas, o líder do Fatah, colocaria grande pressão sobre Israel e relegaria o Hamas a um papel secundário como representante do povo palestino. Em segundo lugar, o conflito reforça a posição do Hamas de líder da luta contra Israel, papel este que ficou em risco, em grande parte, por conta de atos do governo israelense. Ao promover um bloqueio econômico da Faixa da Gaza, Israel destruiu os negócios dos pequenos comerciantes do território, que faziam oposição secular ao Hamas. Em seu lugar, ganharam força grupos salafistas violentos que promovem ataques de foguetes contra Israel. À medida que Israel respondeu a esses ataques, como explica Barak Mendelsohn na revista Foreign Affairs, o Hamas passou a perder a liderança do combate a Israel. Ao promover uma cruel chuva de foguetes contra alvos civis israelenses, como faz agora, o Hamas retoma esse papel de liderança. O cinismo do grupo palestino, que guarda seus arsenais até em escolas e hospitais, tornando os civis em escudos, é de tão grande monta que, nesta segunda-feira 19, seu líder, Khaled Meshaal, disse sentir “orgulho” e “dor” diante do conflito atual.

O lado israelense

Da mesma forma que o Hamas, a direita de Israel não deseja a paz. Partidos da direita israelense solapam o Estado palestino de diversas formas, que vão desde o estímulo à construção de assentamentos até o desprezo a países árabes que poderiam mediar a paz. A mais importante delas, no entanto, é a criação de uma atmosfera de medo em Israel, uma estratégia que rende dividendos políticos.

A cada novo conflito com os palestinos, a questão da segurança ganha destaque em Israel e a direita se firma como a única opção “viável”. Foi graças a essa dinâmica que a esquerda acabou esmagada em Israel. De partidos esquerdistas surgiram os principais articuladores do processo de paz iniciado nos anos 1990, mas descarrilado com a violência da Segunda Intifada (2000 a 2005), que deixou dezenas de israelenses mortos em atentados terroristas. Hoje, a direita israelense tem várias vertentes, mas seu principal líder é o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. O fato de a operação Pilar da Defesa ter surgido agora, a dois meses das eleições parlamentares de Israel, não é uma coincidência. Como escrevi na semana passada, a , geralmente em torno de figuras linha-dura, e Netanyahu está usando isso para firmar sua proeminência na política local. Em sua busca por poder, ele mostra ter poucos limites.

A resposta de Israel ao ataque do Hamas a sua patrulha militar na fronteira foi, como de costume, desproporcional. Israel usou um míssil para matar Ahmed Jabari, comandante do braço militar do Hamas, enquanto ele andava de carro pela cidade de Gaza. Um assassinato desta proporção jamais ficaria sem resposta por parte do Hamas e não há dúvidas de que o governo israelense estava ciente disso. Assim, ao autorizar a morte de um membro da cúpula do Hamas, Netanyahu colocou a população israelense sob a mira dos foguetes do Hamas, um tipo de ataque que deixa o país inteiro em estado de tensão e na ânsia de um governo capaz de protegê-lo. A longo prazo, os atos da direita israelense, hoje personificada em Netanyahu, impedem a paz. Talvez tenha sido por isso que Leah Rabin, mulher de Yitzhak Rabin, primeiro-ministro israelense morto em 1995 por um radical judeu, tenha classificado Netanyahu como um “mentiroso corrupto que arruína tudo de bom na sociedade israelense”.

Profecias autorrealizáveis

Em momentos de crise, líderes emblemáticos de Israel, como Rabin e o ex-ministro Moshe Dayan, lembravam que a paz não se faz com amigos e que é preciso dialogar com os inimigos para chegar a um acordo. Os líderes israelenses e do Hamas certamente entendem isso, mas de forma deliberada agem para estimular o ódio mútuo e retratar o outro como um mal a ser combatido e incapaz de moderação. Ao tomar decisões que fortalecem o radicalismo do outro lado da fronteira, o Hamas e o governo Netanyahu tornam reais suas próprias profecias. Enquanto esta dinâmica de loucura perseverar, a paz será impossível e os civis israelenses e palestinos continuarão a ser simples vítimas.

O conflito de seis dias entre Israel e o Hamas serve como uma prova cabal da impossibilidade de um acordo de paz entre os dois povos ser firmado no atual cenário político. É arriscado fazer previsões a respeito de um conflito que se arrasta há décadas, mas é inverossímil crer na paz enquanto a direita israelense e o grupo radical palestino estiverem no poder. Para se perpetuar na política, os dois lados manipulam e expõem suas próprias populações à violência, para em seguida venderem a imagem de serem os únicos capazes de garantir sua segurança. Nesta dinâmica maléfica, o Hamas e a direita israelense alimentam um ao outro, criando a percepção de que a guerra é inevitável.

Seria ingênuo supor que o Hamas é uma força para a paz no Oriente Médio. O grupo palestino está longe de ter essa característica. Em documentos e nas palavras de seus líderes, o Hamas prega a destruição de Israel, mostra ser antissemita e rejeita todos os tratados de paz assinados até hoje por líderes palestinos. Essas posições tornam o Hamas um ator ilegítimo aos olhos de boa parte da comunidade internacional. Nos últimos meses, o grupo, entretanto, teve um ganho de legitimidade. O Hamas deixou a aliança com o Irã e a Síria e passou a ter mais contatos com Egito, Turquia e Catar, países cujas capacidades de mediação diplomática são fundamentais para o Oriente Médio. Em vez de usar seus novos aliados para tentar colocar fim à precária situação da Faixa de Gaza, região que controla desde 2007, o Hamas fez o contrário.

Um dos episódios que iniciou o atual conflito foi um ataque do Hamas a uma patrulha do Exército de Israel em território israelense. O Hamas pode ter apostado que Israel não responderia ao ataque, mas mesmo diante da retaliação, o Hamas fortalece sua posição entre os palestinos e, particularmente, na Faixa de Gaza.

Em primeiro lugar, é importante notar que o conflito em Gaza esvazia o pedido de reconhecimento como estado não-membro da Autoridade Palestina (AP) nas Nações Unidas, a ser feito no fim do mês. A AP é hoje controlada pelo Fatah, grupo secular que é o maior rival do Hamas na política palestina. Se conseguisse o reconhecimento, Mahmoud Abbas, o líder do Fatah, colocaria grande pressão sobre Israel e relegaria o Hamas a um papel secundário como representante do povo palestino. Em segundo lugar, o conflito reforça a posição do Hamas de líder da luta contra Israel, papel este que ficou em risco, em grande parte, por conta de atos do governo israelense. Ao promover um bloqueio econômico da Faixa da Gaza, Israel destruiu os negócios dos pequenos comerciantes do território, que faziam oposição secular ao Hamas. Em seu lugar, ganharam força grupos salafistas violentos que promovem ataques de foguetes contra Israel. À medida que Israel respondeu a esses ataques, como explica Barak Mendelsohn na revista Foreign Affairs, o Hamas passou a perder a liderança do combate a Israel. Ao promover uma cruel chuva de foguetes contra alvos civis israelenses, como faz agora, o Hamas retoma esse papel de liderança. O cinismo do grupo palestino, que guarda seus arsenais até em escolas e hospitais, tornando os civis em escudos, é de tão grande monta que, nesta segunda-feira 19, seu líder, Khaled Meshaal, disse sentir “orgulho” e “dor” diante do conflito atual.

O lado israelense

Da mesma forma que o Hamas, a direita de Israel não deseja a paz. Partidos da direita israelense solapam o Estado palestino de diversas formas, que vão desde o estímulo à construção de assentamentos até o desprezo a países árabes que poderiam mediar a paz. A mais importante delas, no entanto, é a criação de uma atmosfera de medo em Israel, uma estratégia que rende dividendos políticos.

A cada novo conflito com os palestinos, a questão da segurança ganha destaque em Israel e a direita se firma como a única opção “viável”. Foi graças a essa dinâmica que a esquerda acabou esmagada em Israel. De partidos esquerdistas surgiram os principais articuladores do processo de paz iniciado nos anos 1990, mas descarrilado com a violência da Segunda Intifada (2000 a 2005), que deixou dezenas de israelenses mortos em atentados terroristas. Hoje, a direita israelense tem várias vertentes, mas seu principal líder é o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. O fato de a operação Pilar da Defesa ter surgido agora, a dois meses das eleições parlamentares de Israel, não é uma coincidência. Como escrevi na semana passada, a , geralmente em torno de figuras linha-dura, e Netanyahu está usando isso para firmar sua proeminência na política local. Em sua busca por poder, ele mostra ter poucos limites.

A resposta de Israel ao ataque do Hamas a sua patrulha militar na fronteira foi, como de costume, desproporcional. Israel usou um míssil para matar Ahmed Jabari, comandante do braço militar do Hamas, enquanto ele andava de carro pela cidade de Gaza. Um assassinato desta proporção jamais ficaria sem resposta por parte do Hamas e não há dúvidas de que o governo israelense estava ciente disso. Assim, ao autorizar a morte de um membro da cúpula do Hamas, Netanyahu colocou a população israelense sob a mira dos foguetes do Hamas, um tipo de ataque que deixa o país inteiro em estado de tensão e na ânsia de um governo capaz de protegê-lo. A longo prazo, os atos da direita israelense, hoje personificada em Netanyahu, impedem a paz. Talvez tenha sido por isso que Leah Rabin, mulher de Yitzhak Rabin, primeiro-ministro israelense morto em 1995 por um radical judeu, tenha classificado Netanyahu como um “mentiroso corrupto que arruína tudo de bom na sociedade israelense”.

Profecias autorrealizáveis

Em momentos de crise, líderes emblemáticos de Israel, como Rabin e o ex-ministro Moshe Dayan, lembravam que a paz não se faz com amigos e que é preciso dialogar com os inimigos para chegar a um acordo. Os líderes israelenses e do Hamas certamente entendem isso, mas de forma deliberada agem para estimular o ódio mútuo e retratar o outro como um mal a ser combatido e incapaz de moderação. Ao tomar decisões que fortalecem o radicalismo do outro lado da fronteira, o Hamas e o governo Netanyahu tornam reais suas próprias profecias. Enquanto esta dinâmica de loucura perseverar, a paz será impossível e os civis israelenses e palestinos continuarão a ser simples vítimas.

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