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Naftali Bennett, a nova face da direita religiosa israelense

Com jeito moderado e propostas radicais, o milionário empresário pode transformar seu partido no segundo mais importante de Israel

Bennett durante encontro com líderes da comunidade druza em Julis, cidade no norte de Israel. Foto: Jack Guez / AFP
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No início de novembro, as primárias do Casa Judaica, partido da direita religiosa israelense, tiveram um resultado surpreendente. O empresário Naftali Bennett, de 40 anos, conseguiu 67% dos votos, desbancou o veterano parlamentar Zevulun Orlev e assumiu a liderança da sigla. A troca no comando do Casa Judaica não afetou apenas o pequeno partido, mas toda a política israelense. Nos últimos 45 dias o partido não para de subir nas pesquisas para a eleição de 22 de janeiro e pode se tornar o segundo maior de Israel, ganhando peso para a definir os rumos que o país, e o Oriente Médio, tomarão nos próximos anos.

Filho de imigrantes norte-americanos, Bennett chegou à patente de major na Sayeret Matkal, uma das principais divisões de elite do exército israelense. Ao deixar as Forças Armadas, tornou-se um empresário de sucesso. Montou a Cyota, companhia de software especializada no combate a fraudes, e obteve 145 milhões de dólares em sua venda, em 2005. Por cerca de três anos, foi chefe de gabinete do atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, quando este era o líder da oposição. Apesar do período ao lado de Netanyahu, não tem sua imagem ligada à política tradicional, um trunfo diante da desilusão dos israelenses com seus líderes.

Boa parte do apelo de Bennett vem do fato de ser visto como um “anti-político”. Em Israel, candidatos ao posto de primeiro-ministro são conhecidos pela retórica inflamada nos debates com opositores. Bennett fala com calma e costuma esperar seu interlocutor terminar para rebater os argumentos. Líderes israelenses são, também, bastante personalistas. Bennett fala pouco da mulher e dos quatro filhos pequenos. Uma outra característica do novo líder do Casa Judaica parece ser ainda mais importante. Enquanto Netanyahu e outros políticos importantes estão constantemente mudando de posição, Bennett é claro quanto às suas propostas. Nas palavras do escritor Moshe Dann no jornal The Jerusalem Post, Bennett é o “porta-voz de uma posição ideológica genuinamente sionista e judia”.

Moderado na forma, não no conteúdo

Esta posição ideológica de Bennett é cada vez mais forte em Israel. Para ele, a questão palestina é “insolúvel” e, portanto, não deve ser tratada como central na política israelense. Ao priorizar a economia em sua campanha e desprezar o conflito, Bennett alcança um eleitorado que, ao mesmo tempo em que está enfadado de discutir a disputa com os palestinos, tem uma visão determinista e extremista sobre os vizinhos. Bennett é contra o estabelecimento de um estado palestino, medida vista por ele como motivo de “conflito constante pelos próximos 200 anos”. Assim, afirma Bennett, Israel deve anexar os 60% do território da Cisjordânia onde estão atualmente os assentamentos e postos de controle militar israelenses. Os palestinos dessa área poderiam ter cidadania israelense ou se retirar para os 40% restantes da Cisjordânia.

A proposta, absurda do ponto de vista humanitário ou do direito internacional, é considerada aceitável por boa parte dos israelenses. O líder do Casa Judaica admitiu, em recente entrevista ao jornal britânico The Guardian, que a comunidade internacional consideraria todas essas medidas completamente ilegais, mas pareceu não se importar com isso. “O mundo não reconheceu Jerusalém como nossa capital, ou o Muro das Lamentações como parte de Israel, então esta seria apenas mais uma área que o mundo não reconheceria”, disse. É uma postura inusitada para quem almeja ser primeiro-ministro de um país.

O determinismo a respeito da questão palestina é explicado pelo fato de Bennett e seus seguidores enxergarem a ocupação da Cisjordânia como uma missão religiosa. Não entendem que ela torna miserável a vida de milhões de palestinos, servindo como combustível da violência contra Israel, e não concebem eventuais medidas do governo contra os assentamentos. Recentemente, Bennett provocou indignação ao dizer que, como militar, se recusaria a cumprir uma ordem de despejar judeus assentados na Cisjordânia. Depois, tentou abafar o caso ao afirmar que nenhum ser humano deve perder sua casa. No fundo, Bennett conseguiu dar seu recado aos assentados.

Com esta visão de mundo, Bennett vem tirando muitos votos de Benjamin Netanyahu. O Likud, partido de Netanyahu, costumava atrair os eleitores do Casa Judaica, mas, para a eleição deste ano, formou chapa única com o Yisrael Beitenu. Representante da direita secular israelense, o Beitenu alienou muitos religiosos que não aceitam a campanha do partido para forçar os judeus ortodoxos a também cumprir o serviço militar. Bennett promete lutar para que os religiosos continuem isentos do serviço militar.

Segundo as últimas pesquisas, essa plataforma é popular. O Casa Judaica pode obter de 15 a 20 assentos dos 120 no Parlamento, tornando-se, assim, peça fundamental na articulação do novo governo. Mais que anti-político, Naftali Bennett é a imagem de um setor politicamente ativo e forte da população israelense, mas que tem dificuldades tremendas para entender o mundo à sua volta e para se fazer entender pela comunidade internacional. Sem dúvida, sua chegada ao poder, ou mesmo sua aproximação, é um desafio para as duas partes.

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