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Na surdina, republicanos aprovam leis eleitorais que prejudicam eleitorado de Obama

Oposição ao democrata aprovou 180 leis que dificultam o processo de votação, afetando a população mais pobre, estudantes e grupos étnicos minoritários, que votaram em Barack Obama em 2008

Os republicanos aprovaram 180 leis que dificultam o processo de votação, afetando a população mais pobre, estudantes e grupos étnicos minoritários.Não por acaso parte da coalizão democrata responsável pela vitória de Barack Obama em 2008. Foto: AFP
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Por Eduardo Graça, de Nova York

No vale-tudo eleitoral em que se transformou a apertada disputa pela Casa Branca, legislaturas republicanas (boa parte delas em estados decisivos para a vitória no colégio eleitoral) criaram nos últimos 18 meses 180 leis com o objetivo de dificultar o processo de votação. Essa obstrução afeta de modo desigual a população mais pobre, estudantes e grupos étnicos minoritários, especialmente negros e hispânicos, não por acaso parte da coalizão democrata responsável pela vitória de Barack Obama em 2008. A denúncia é do Centro Brennan para a Justiça da Escola de Direito da Universidade de Nova York (NYU), instituição voltada para a pesquisa de temas relacionados à democracia nos EUA.

“Não se trata de autoridades zelosas, interessadas em coibir fraude eleitoral. A fraude se dá é no ataque ao direito ao voto de quem não tem um documento com foto emitido pelo governo. Cinco milhões de cidadãos, a sua grande maioria de classe média-baixa ou pobre, sem carteira de motorista ou passaporte, terão de se desdobrar para conseguir votar em novembro em estados como a Pensilvânia, Ohio e Flórida”, diz a advogada Lee Rowland, comandante do Centro Brennan.

Nos EUA, não há, como no Brasil, uma Justiça Eleitoral centralizada. As decisões referentes às organizações dos pleitos ficam nas mãos dos estados. Uma das medidas mais comuns no revisionismo eleitoral republicano é a exigência, em um país onde não há registro-geral ou mesmo carteira de identidade, de apresentação de um documento oficial com fotografia para se entrar nas zonas eleitorais. A carteira de previdência social é emitida sem imagem. De acordo com o Brennan, 21 milhões de americanos não possuem um documento com estas características.

Alarmado, o governo federal entrou na ofensiva e decidiu lutar na Justiça contra o estabelecimento do que a administração Obama considera ser um retorno ao ‘voto censitário’, uma referência ao processo eleitoral típico de regimes como o do Brasil Império, quando só eram aptos a votar os cidadãos que comprovassem determinada renda. Nos EUA, a chamada ‘poll tax’ só foi abolida por completo em 1964, no auge da campanha contra o segregacionismo dos estados do sul.

Se não chegam a pedir que o eleitor pague uma taxa para votar, as novas medidas afetam cidadãos que vivem distantes dos centros das cidades e vêem no caminho para o voto novos obstáculos financeiros. Um passaporte custa, em média, US$ 165, não-incluídas as despesas com as fotos. As carteiras de motoristas variam por estado. Em Nova York, os custos giram em torno de US$ 100. Para se ter uma ideia do potencial do impacto das novas leis no resultado final das eleições, somente na Pensilvânia, de acordo com outro estudo, realizado em conjunto pelas Universidades de Washington e do Novo México, 757 mil eleitores que compareceram às urnas em 2008 não possuem identidade com foto. Obama derrotou John Mc Cain no estado com uma vantagem de 606 mil votos.

A confusão nas eleições americanas é tamanha que, em 2008, de acordo com o Pew Charitable Trusts, 2.2 milhões de eleitores deixaram de votar por não compreenderam as mais de 13 mil regras diferentes de registro eleitoral estabelecidas em nível municipal e estadual. No estudo apresentado na terça-feira, o Brennan informa que 400 mil eleitores tiverem seus votos anulados em 2008 por não entenderem regras locais ao votarem antecipadamente nas eleições presidenciais.De todas as novas medidas, a mais draconiana é a HB 1355, aprovada em maio do ano passado na Flórida. A lei modificou justamente as regras para o ‘voto antecipado’. Cidadãos que estarão trabalhando no dia 6 de novembro, uma terça-feira (nos EUA, onde o voto não é obrigatório, não há feriado em dia de eleição), não poderão mais votar no fim de semana anterior. E 54% dos eleitores negros votaram no domingo anterior às eleições de 2008.

A 1355 também aumentou a burocracia para grupos interessados em fazer campanhas de registro de eleitores – o ativista precisa provar residência no estado e receber uma licença especial do governo. Cada novo registro precisa ser validado na capital até 48 horas depois de assinados pelos eleitores. Estes precisam seguir regras específicas, de difícil compreensão. O eleitor que preencher o certificado de modo errôneo pode ser processado, com multas de até mil reais, por ‘tentativa de fraude eleitoral’. “Esta nova lei transformou os ativistas em figuras assustadoras para boa parte do eleitorado”, afirma a presidente da League of Women Votes (LWV) na Flórida, Deidre McNab. A 1355 também retirou o direito de voto dos presos não-violentos – cerca de 150 mil cidadãos, sendo que mais de 90 mil deles pedindo revisão de julgamento em casos relacionados ao desrespeito de direitos civis. De acordo com o Sentencing Project, grupo que advoga pela reforma do sistema penitenciário americano, 60% dos detentos são negros ou latinos.

Por conta das novas regras eleitorais no estado, instituições como a LWV e a Voices of the Civil Rights suspenderam suas atividades. Os grupos formaram a linha de frente do exército de ativistas que levaram milhares de eleitores pobres às urnas em 2008. Apenas na Flórida, em 2008, 1.1 milhão de negros foram às urnas impulsionados pelos ativistas. Destes, 96% votaram em Obama, que venceu o estado com uma vantagem de 204 mil votos, ou 3% do eleitorado. Sem a diferença esmagadora de votos no distrito de Orange, com grande população latina e negra, os democratas teriam perdido o estado. Os 29 votos no colégio eleitoral são cruciais para a vitória em novembro.

O estudo do Brennan foi publicado na mesma semana em que pesquisas New York Times/CBS News/Quinnipiac deram vantagem, respectivamente, de 11, 6 e novamente 6% de Obama sobre Romney nos estados da Pensilvânia, Flórida e Ohio. O colunista Charles M. Blow, do “New York Times”, diz que é preciso ver além destes números. O processo eleitoral americano, ele pondera, vem tomando a forma de um ‘sufrágio oligárquico’, com o poder desproporcional do dinheiro dos bilionários, principais financiadores das campanhas, se juntando à ‘supressão de eleitores mais humildes’.

De acordo com o gabinete do senador Bernard Sanders, o único socialista no Congresso americano, 26 bilionários já doaram 61 milhões de dólares nas disputas eleitorais deste ano. Estes números não incluem os 100 milhões de dólares prometidos pelo bilionário Sheldon Adelson a Mitt Romney nem os 400 milhões que os irmãos Koch anunciaram gastar em apoio a candidatos ultra-conservadores nos próximos três meses. “Com a Grande Supressão de 2012, denunciada pelo Brennan, estas pesquisas podem estar incluindo um número significativo de eleitores que até poderiam votar em Obama, mas que serão impedidos de exercer seu direito de voto”, escreve Blow.

Por Eduardo Graça, de Nova York

No vale-tudo eleitoral em que se transformou a apertada disputa pela Casa Branca, legislaturas republicanas (boa parte delas em estados decisivos para a vitória no colégio eleitoral) criaram nos últimos 18 meses 180 leis com o objetivo de dificultar o processo de votação. Essa obstrução afeta de modo desigual a população mais pobre, estudantes e grupos étnicos minoritários, especialmente negros e hispânicos, não por acaso parte da coalizão democrata responsável pela vitória de Barack Obama em 2008. A denúncia é do Centro Brennan para a Justiça da Escola de Direito da Universidade de Nova York (NYU), instituição voltada para a pesquisa de temas relacionados à democracia nos EUA.

“Não se trata de autoridades zelosas, interessadas em coibir fraude eleitoral. A fraude se dá é no ataque ao direito ao voto de quem não tem um documento com foto emitido pelo governo. Cinco milhões de cidadãos, a sua grande maioria de classe média-baixa ou pobre, sem carteira de motorista ou passaporte, terão de se desdobrar para conseguir votar em novembro em estados como a Pensilvânia, Ohio e Flórida”, diz a advogada Lee Rowland, comandante do Centro Brennan.

Nos EUA, não há, como no Brasil, uma Justiça Eleitoral centralizada. As decisões referentes às organizações dos pleitos ficam nas mãos dos estados. Uma das medidas mais comuns no revisionismo eleitoral republicano é a exigência, em um país onde não há registro-geral ou mesmo carteira de identidade, de apresentação de um documento oficial com fotografia para se entrar nas zonas eleitorais. A carteira de previdência social é emitida sem imagem. De acordo com o Brennan, 21 milhões de americanos não possuem um documento com estas características.

Alarmado, o governo federal entrou na ofensiva e decidiu lutar na Justiça contra o estabelecimento do que a administração Obama considera ser um retorno ao ‘voto censitário’, uma referência ao processo eleitoral típico de regimes como o do Brasil Império, quando só eram aptos a votar os cidadãos que comprovassem determinada renda. Nos EUA, a chamada ‘poll tax’ só foi abolida por completo em 1964, no auge da campanha contra o segregacionismo dos estados do sul.

Se não chegam a pedir que o eleitor pague uma taxa para votar, as novas medidas afetam cidadãos que vivem distantes dos centros das cidades e vêem no caminho para o voto novos obstáculos financeiros. Um passaporte custa, em média, US$ 165, não-incluídas as despesas com as fotos. As carteiras de motoristas variam por estado. Em Nova York, os custos giram em torno de US$ 100. Para se ter uma ideia do potencial do impacto das novas leis no resultado final das eleições, somente na Pensilvânia, de acordo com outro estudo, realizado em conjunto pelas Universidades de Washington e do Novo México, 757 mil eleitores que compareceram às urnas em 2008 não possuem identidade com foto. Obama derrotou John Mc Cain no estado com uma vantagem de 606 mil votos.

A confusão nas eleições americanas é tamanha que, em 2008, de acordo com o Pew Charitable Trusts, 2.2 milhões de eleitores deixaram de votar por não compreenderam as mais de 13 mil regras diferentes de registro eleitoral estabelecidas em nível municipal e estadual. No estudo apresentado na terça-feira, o Brennan informa que 400 mil eleitores tiverem seus votos anulados em 2008 por não entenderem regras locais ao votarem antecipadamente nas eleições presidenciais.De todas as novas medidas, a mais draconiana é a HB 1355, aprovada em maio do ano passado na Flórida. A lei modificou justamente as regras para o ‘voto antecipado’. Cidadãos que estarão trabalhando no dia 6 de novembro, uma terça-feira (nos EUA, onde o voto não é obrigatório, não há feriado em dia de eleição), não poderão mais votar no fim de semana anterior. E 54% dos eleitores negros votaram no domingo anterior às eleições de 2008.

A 1355 também aumentou a burocracia para grupos interessados em fazer campanhas de registro de eleitores – o ativista precisa provar residência no estado e receber uma licença especial do governo. Cada novo registro precisa ser validado na capital até 48 horas depois de assinados pelos eleitores. Estes precisam seguir regras específicas, de difícil compreensão. O eleitor que preencher o certificado de modo errôneo pode ser processado, com multas de até mil reais, por ‘tentativa de fraude eleitoral’. “Esta nova lei transformou os ativistas em figuras assustadoras para boa parte do eleitorado”, afirma a presidente da League of Women Votes (LWV) na Flórida, Deidre McNab. A 1355 também retirou o direito de voto dos presos não-violentos – cerca de 150 mil cidadãos, sendo que mais de 90 mil deles pedindo revisão de julgamento em casos relacionados ao desrespeito de direitos civis. De acordo com o Sentencing Project, grupo que advoga pela reforma do sistema penitenciário americano, 60% dos detentos são negros ou latinos.

Por conta das novas regras eleitorais no estado, instituições como a LWV e a Voices of the Civil Rights suspenderam suas atividades. Os grupos formaram a linha de frente do exército de ativistas que levaram milhares de eleitores pobres às urnas em 2008. Apenas na Flórida, em 2008, 1.1 milhão de negros foram às urnas impulsionados pelos ativistas. Destes, 96% votaram em Obama, que venceu o estado com uma vantagem de 204 mil votos, ou 3% do eleitorado. Sem a diferença esmagadora de votos no distrito de Orange, com grande população latina e negra, os democratas teriam perdido o estado. Os 29 votos no colégio eleitoral são cruciais para a vitória em novembro.

O estudo do Brennan foi publicado na mesma semana em que pesquisas New York Times/CBS News/Quinnipiac deram vantagem, respectivamente, de 11, 6 e novamente 6% de Obama sobre Romney nos estados da Pensilvânia, Flórida e Ohio. O colunista Charles M. Blow, do “New York Times”, diz que é preciso ver além destes números. O processo eleitoral americano, ele pondera, vem tomando a forma de um ‘sufrágio oligárquico’, com o poder desproporcional do dinheiro dos bilionários, principais financiadores das campanhas, se juntando à ‘supressão de eleitores mais humildes’.

De acordo com o gabinete do senador Bernard Sanders, o único socialista no Congresso americano, 26 bilionários já doaram 61 milhões de dólares nas disputas eleitorais deste ano. Estes números não incluem os 100 milhões de dólares prometidos pelo bilionário Sheldon Adelson a Mitt Romney nem os 400 milhões que os irmãos Koch anunciaram gastar em apoio a candidatos ultra-conservadores nos próximos três meses. “Com a Grande Supressão de 2012, denunciada pelo Brennan, estas pesquisas podem estar incluindo um número significativo de eleitores que até poderiam votar em Obama, mas que serão impedidos de exercer seu direito de voto”, escreve Blow.

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