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Eclipse de Sarkozy?

Segundo as pesquisas de intenção de voto, François Hollande é o próximo presidente da República

o socialista François Hollande tem boa chance de derrotar Sarkozy, ameaçando a “saída” germânica para a crise, onde a Alemanha preserva a sua competitividade Foto:Philippe Wojazer/Reuters/Latinstock
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Paira um ar intrigante na presidencial francesa no domingo 22, com segundo turno em 6 de maio. Legendas desde a extrema-direita até a extrema-esquerda, passando por agremiações neocentristas, consideram o fenômeno da globalização responsável pela riqueza de uma minoria – e o consequente empobrecimento de uma vasta maioria – o inimigo-mor.

Nesse contexto, o candidato socialista François Hollande estava, na quinta-feira 19, em empate técnico no primeiro turno com o atual presidente conservador, Nicolas Sarkozy. Ambos tinham 27,5% dos votos, segundo pesquisa da OpinionWay. E, segundo outra enquete de intenção de voto realizada pela Ipsos-Logical Business Consulting para o vespertino Le Monde, no segundo turno Hollande levará 56% dos votos, ante 44% para Sarkozy.

Em grande parte, a v itória de Hollande se deverá, de acordo com a Ipsos, ao apoio de Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda. Embora ele ocupe atualmente a quarta posição nas pesquisas com 14,5%, levemente inferiores aos 15,5% de Marine Le Pen, líder da legenda de extrema-direita, Mélenchon tem considerável peso.

Segundo a Ipsos, 83% de seus eleitores no primeiro turno escolherão Hollande no segundo. “Mélenchon fortalece a esquerda”, resume o filósofo Robert Redeker, do conselho editorial da Les Temps Modernes e pesquisador do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS). A CartaCapital Redeker acrescenta: “Mélenchon é bastante radical no seu discurso, mas é mais moderado na prática”. E emenda: “Lembre-se que ele pertenceu ao Partido Socialista e sabe que decepcionaria seus eleitores se fosse visto como o político que dividiu a esquerda”.

Veja abaixo mais sobre as eleições francesas:

Por sua vez, Marine Le Pen continua a martelar na tecla que Sarkozy e Hollande representam os interesses dos ricos. Ao contrário de Mélenchon e seu apoio a Hollande, no segundo turno Le Pen não aconselhará seus seguidores a votar em Sarkozy. É difícil determinar quantos lepenistas desconsiderarão a orientação da líder, mas o pleito presidencial de 2002 deixou clara a divergência entre a extrema-direita e a direita gaullista. À época, o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, disputou o segundo turno contra o conservador Jacques Chirac e eleitores de esquerda de todas as inclinações e da direita dita civilizada, muitos dos quais não haviam participado do primeiro turno, correram às urnas para votar no conservador Chirac. Também ficou claro que os franceses dão demasiada importância às pesquisas de intenção de voto, na verdade nem sempre confiáveis.

Diante da incerteza de lepenistas que votariam contra Hollande no segundo turno, Sarkozy tem uma estratégia já utilizada na sua primeira vitória na presidencial de 2007. A estratégia é simples, e por isso vencedora. Por exemplo, a luta contra a imigração ilegal cresce às vésperas de eleições. Sim, porque, num país onde o nível de desemprego é de 10%, os estrangeiros são vistos como ladrões de vagas de trabalho.

Por essas e outras, Sarko ameaça pôr fim à participação da França na Zona Schengen, a qual possibilita a livre circulação de cidadãos de 26 países europeus. Segundo Sarko, há muitos estrangeiros ilegais na França a ameaçar “nossa civilização” e “estilo de vida”.

Nesse quesito, o presidente conseguiu obter alguma popularidade quando um francês de origem argelina matou um rabino e três crianças numa escola judaica de Toulouse, e mais dois soldados que serviram no Afeganistão. No entanto, qualquer presidente teria condenado o assassino e, portanto, o sucesso de Sarko foi efêmero.

Redeker sustenta “que o caso do terrorista de Toulouse mudou muito pouco a situação de Sarkozy”. O caso poderia, sempre segundo Redeker, se voltar contra Sarkozy da mesma forma que os atentados em Madri, em meados da década passada, derrubaram José María Aznar.

Na verdade, o legado de Sarko está longe de ser positivo. Ele foi eleito como reformista, e fez pouco. Uma das reformas, necessária, foi ter aumentado a idade mínima de aposentadoria de 60 para 62 anos. No entanto, nos últimos cinco anos, a dívida pública subiu para 600 bilhões de euros, a França teve a nota de crédito rebaixada em 1 grau e o déficit público atingiu 70 bilhões de euros.

Entre outros pontos de sua campanha, Sarkozy anunciou que franceses a viver no exterior terão de pagar impostos também na França. Não está claro se Sarko é liberal, no sentido anglo-saxônico do termo, ou protecionista. Ele quer taxar mais os ricos, proteger as indústrias francesas diante da crise global, ou prefere a competitividade capitalista? Recentemente, o presidente disse: “Quero uma Europa que proteja suas empresas e seus cidadãos”.

Se eleito, Sarko promete ser um presidente “diferente”. Mais modesto do que na primeira campanha, ele se descreve como “um pequeno francês de sangue misto”. O filho de imigrantes parece se contradizer, especialmente quando expulsa os roma, muitas vezes romenos (Sarko não parece distinguir entre os roma, muitos a viver na Hungria de seu pai, e romenos).

François Hollande, mais conhecido como “Monsieur Normal”, não perde a oportunidade de criticar esse Sarko “diferente”. “Pelas manhãs, tardes e noites, o futuro ex-presidente trouxe à tona uma nova ideia, mas esqueceu de colocá-las em prática nos últimos cinco anos”, disse Hollande num comício em Nice.

Filho de um doutor e de uma cientista social, Hollande cresceu na Normandia, ao norte da França. Integrou o Partido Socialista ainda jovem e na última década foi o secretário-geral da legenda. Protégé de François Mitterrand, nunca ocupou um ministério, e atualmente é presidente de Corrèze, pequeno departamento rural. No último ano, perdeu 10 quilos e assim seu perfil tornou-se elegante, embora robusto. Passou a usar ternos bem cortados, a usar óculos modernos e a trafegar por Paris de moto. Não se trata de um carismático, mas pessoas que o conhecem louvam seu senso de humor.

Hollande quer reverter a lei mínima de aposentadoria de 62 para 60 anos, o que pode prejudicá-lo. Ao mesmo tempo, seu plano de impor um imposto de 75% para receitas anuais acima de 1 milhão de euros parece estar em sintonia com a ideologia socialista. O candidato diz que não fará alianças com Mélenchon, o candidato comunista.

Entre as propostas da Frente de Esquerda constam as seguintes: 20% de acréscimo no salário mínimo, 100% de impostos sobre receitas acima de 360 mil euros anuais, um referendo sobre a Europa e a retirada da França da Otan.

Hollande, é claro, terá de fazer concessões com Mélenchon. Tudo dependerá do número de votos angariados pelo candidato dos comunistas no primeiro turno. Sem partido parlamentar, Mélenchon poderá pedir ministérios ou participação com os socialistas nas legislativas de junho. De qualquer forma, após 17 anos dos socialistas franceses na oposição e a vitória de 19 partidos conservadores europeus desde o inicio da crise econômica em 2008, o mundo está de olhos no pleito francês. “Teremos um governo de esquerda unida como em 1936 e 1981”, assegura Redeker.

Paira um ar intrigante na presidencial francesa no domingo 22, com segundo turno em 6 de maio. Legendas desde a extrema-direita até a extrema-esquerda, passando por agremiações neocentristas, consideram o fenômeno da globalização responsável pela riqueza de uma minoria – e o consequente empobrecimento de uma vasta maioria – o inimigo-mor.

Nesse contexto, o candidato socialista François Hollande estava, na quinta-feira 19, em empate técnico no primeiro turno com o atual presidente conservador, Nicolas Sarkozy. Ambos tinham 27,5% dos votos, segundo pesquisa da OpinionWay. E, segundo outra enquete de intenção de voto realizada pela Ipsos-Logical Business Consulting para o vespertino Le Monde, no segundo turno Hollande levará 56% dos votos, ante 44% para Sarkozy.

Em grande parte, a v itória de Hollande se deverá, de acordo com a Ipsos, ao apoio de Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda. Embora ele ocupe atualmente a quarta posição nas pesquisas com 14,5%, levemente inferiores aos 15,5% de Marine Le Pen, líder da legenda de extrema-direita, Mélenchon tem considerável peso.

Segundo a Ipsos, 83% de seus eleitores no primeiro turno escolherão Hollande no segundo. “Mélenchon fortalece a esquerda”, resume o filósofo Robert Redeker, do conselho editorial da Les Temps Modernes e pesquisador do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS). A CartaCapital Redeker acrescenta: “Mélenchon é bastante radical no seu discurso, mas é mais moderado na prática”. E emenda: “Lembre-se que ele pertenceu ao Partido Socialista e sabe que decepcionaria seus eleitores se fosse visto como o político que dividiu a esquerda”.

Veja abaixo mais sobre as eleições francesas:

Por sua vez, Marine Le Pen continua a martelar na tecla que Sarkozy e Hollande representam os interesses dos ricos. Ao contrário de Mélenchon e seu apoio a Hollande, no segundo turno Le Pen não aconselhará seus seguidores a votar em Sarkozy. É difícil determinar quantos lepenistas desconsiderarão a orientação da líder, mas o pleito presidencial de 2002 deixou clara a divergência entre a extrema-direita e a direita gaullista. À época, o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, disputou o segundo turno contra o conservador Jacques Chirac e eleitores de esquerda de todas as inclinações e da direita dita civilizada, muitos dos quais não haviam participado do primeiro turno, correram às urnas para votar no conservador Chirac. Também ficou claro que os franceses dão demasiada importância às pesquisas de intenção de voto, na verdade nem sempre confiáveis.

Diante da incerteza de lepenistas que votariam contra Hollande no segundo turno, Sarkozy tem uma estratégia já utilizada na sua primeira vitória na presidencial de 2007. A estratégia é simples, e por isso vencedora. Por exemplo, a luta contra a imigração ilegal cresce às vésperas de eleições. Sim, porque, num país onde o nível de desemprego é de 10%, os estrangeiros são vistos como ladrões de vagas de trabalho.

Por essas e outras, Sarko ameaça pôr fim à participação da França na Zona Schengen, a qual possibilita a livre circulação de cidadãos de 26 países europeus. Segundo Sarko, há muitos estrangeiros ilegais na França a ameaçar “nossa civilização” e “estilo de vida”.

Nesse quesito, o presidente conseguiu obter alguma popularidade quando um francês de origem argelina matou um rabino e três crianças numa escola judaica de Toulouse, e mais dois soldados que serviram no Afeganistão. No entanto, qualquer presidente teria condenado o assassino e, portanto, o sucesso de Sarko foi efêmero.

Redeker sustenta “que o caso do terrorista de Toulouse mudou muito pouco a situação de Sarkozy”. O caso poderia, sempre segundo Redeker, se voltar contra Sarkozy da mesma forma que os atentados em Madri, em meados da década passada, derrubaram José María Aznar.

Na verdade, o legado de Sarko está longe de ser positivo. Ele foi eleito como reformista, e fez pouco. Uma das reformas, necessária, foi ter aumentado a idade mínima de aposentadoria de 60 para 62 anos. No entanto, nos últimos cinco anos, a dívida pública subiu para 600 bilhões de euros, a França teve a nota de crédito rebaixada em 1 grau e o déficit público atingiu 70 bilhões de euros.

Entre outros pontos de sua campanha, Sarkozy anunciou que franceses a viver no exterior terão de pagar impostos também na França. Não está claro se Sarko é liberal, no sentido anglo-saxônico do termo, ou protecionista. Ele quer taxar mais os ricos, proteger as indústrias francesas diante da crise global, ou prefere a competitividade capitalista? Recentemente, o presidente disse: “Quero uma Europa que proteja suas empresas e seus cidadãos”.

Se eleito, Sarko promete ser um presidente “diferente”. Mais modesto do que na primeira campanha, ele se descreve como “um pequeno francês de sangue misto”. O filho de imigrantes parece se contradizer, especialmente quando expulsa os roma, muitas vezes romenos (Sarko não parece distinguir entre os roma, muitos a viver na Hungria de seu pai, e romenos).

François Hollande, mais conhecido como “Monsieur Normal”, não perde a oportunidade de criticar esse Sarko “diferente”. “Pelas manhãs, tardes e noites, o futuro ex-presidente trouxe à tona uma nova ideia, mas esqueceu de colocá-las em prática nos últimos cinco anos”, disse Hollande num comício em Nice.

Filho de um doutor e de uma cientista social, Hollande cresceu na Normandia, ao norte da França. Integrou o Partido Socialista ainda jovem e na última década foi o secretário-geral da legenda. Protégé de François Mitterrand, nunca ocupou um ministério, e atualmente é presidente de Corrèze, pequeno departamento rural. No último ano, perdeu 10 quilos e assim seu perfil tornou-se elegante, embora robusto. Passou a usar ternos bem cortados, a usar óculos modernos e a trafegar por Paris de moto. Não se trata de um carismático, mas pessoas que o conhecem louvam seu senso de humor.

Hollande quer reverter a lei mínima de aposentadoria de 62 para 60 anos, o que pode prejudicá-lo. Ao mesmo tempo, seu plano de impor um imposto de 75% para receitas anuais acima de 1 milhão de euros parece estar em sintonia com a ideologia socialista. O candidato diz que não fará alianças com Mélenchon, o candidato comunista.

Entre as propostas da Frente de Esquerda constam as seguintes: 20% de acréscimo no salário mínimo, 100% de impostos sobre receitas acima de 360 mil euros anuais, um referendo sobre a Europa e a retirada da França da Otan.

Hollande, é claro, terá de fazer concessões com Mélenchon. Tudo dependerá do número de votos angariados pelo candidato dos comunistas no primeiro turno. Sem partido parlamentar, Mélenchon poderá pedir ministérios ou participação com os socialistas nas legislativas de junho. De qualquer forma, após 17 anos dos socialistas franceses na oposição e a vitória de 19 partidos conservadores europeus desde o inicio da crise econômica em 2008, o mundo está de olhos no pleito francês. “Teremos um governo de esquerda unida como em 1936 e 1981”, assegura Redeker.

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