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Bergoglio e a Igreja do ‘não’

O novo papa seria capaz de mudar as coisas e fazer surgir a Igreja do “sim”? A ver

Bergoglio seria capaz Foto: ©afp.com / Andreas Solaro
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Nada como um dia após o outro, ensina a sabedoria popular. Com o novo papa, começam a aparecer indicativos consistentes de a renúncia de Ratzinger não decorrer apenas da falta de condições físicas e da situação de ingovernabilidade de uma Cúria mergulhada em escândalos e lutas intestinas pelo poder. Pelos indícios, Ratzinger parece ter-se conscientizado de estar fora de época e, assim, inadaptado para governar a Igreja.

Ratzinger mergulhou no obscurantismo e nada sobrou do jovem e renovador teólogo que auxiliou na elaboração dos trabalhos preparatórios do Concílio Vaticano II. Para Hans-Jürgen Schlamp, do Der Spiegel, o papado de Ratzinger foi trágico “pela sua incapacidade de entender os tempos”.

Durante o seu pontificado, prevaleceu a Igreja do “não” e a enfadonha repetição da condenação ao relativismo. Trocando em miúdos, a não aceitação, mundo afora, daquilo entendido por ele como princípios imutáveis e definitivos. No particular, Ratzinger levou a sério a infalibilidade estabelecida, em 1868, no Concílio Vaticano I e, também, o étimo do termo latino pontifex, ou seja, o de único guia capaz de conduzir por um caminho reto.

O emérito Ratzinger percebeu não possuir o carisma do antecessor Wojtyla para manter a Igreja do “não”. Além disso, escolheu o trapalhão Tarcisio Bertone para, como secretário de Estado, cuidar da Cúria. Para se ter uma ideia, Bertone, a misturar homofobia e ignorância, sustentou a correlação entre homossexualidade e pedofilia. Só para exemplificar, a Igreja do “não” de Ratzinger é aquela que nega a Eucaristia aos divorciados. De nada adiantou a pressão do Episcopado da Alemanha para a mudança. Mais ainda, é a Igreja do “não” à inseminação artificial, às pílulas anticoncepcional e do dia seguinte. A do “não” ao uso da camisinha e ao casamento de clérigos.

Também é a Igreja dos vetos ao testamento biológico, ao sacerdócio feminino (o antigo Santo Ofício, sob o cardeal Ratzinger, proibiu a divulgação, nos Estados Unidos, do livro Mulheres no Altar, da então sóror Lavinia Byner), à masturbação entre os adolescentes, ao sexo antes do casamento e à união homossexual. A que, segundo os prelados norte-americanos, adotou expressões inadequadas no novo “Catequismo da Igreja”. É aquela em que o papa Ratzinger reprova a nova tradução inglesa da Bíblia e de textos litúrgicos, por entendê-los “modernos e muito feministas”.

Nessa Igreja do “não” prevaleceu, durante anos, a lei do silêncio a encobrir crimes de pedofilia. A respeito, o teólogo Hans Küng frisou ter o então cardeal Ratzinger, em 28 de maio de 2001, recordado aos bispos do mundo todo que para as questões de ética sexual valia o segredo pontifício. E Küng: “Durante anos, e como pontífice, Ratzinger não mudou uma vírgula dessa praxe infeliz. Esse homem foi o responsável pela ocultação desses abusos em nível mundial e tinha o dever de pronunciar um mea-culpa”.

Para o lugar de Ratzinger buscou-se um papa de perfil diverso, humilde, popular, contra o fausto e a favor dos pobres. Muitos estão a comparar o papa Francisco ao saudoso Albino Luciani. Em agosto de 1978, com 101 votos dados por 111 participantes, Luciani, com o nome de João Paulo I, aboliu a missa de coroação e se recusava a sentar no trono nas cerimônias solenes. Luciani disse, sendo criticado por uma Cúria que o tachava de inadequado ao encargo, termos um Deus pai e mãe. E ele trombou com a Cúria ao afirmar que a Igreja não deveria contar com poder ou com riqueza. Sua intenção era, inicialmente, distribuir aos pobres 1% da riqueza da Igreja. A irritar o secretário de Estado Jean Villot, Luciani sustentou que não se deve proibir de modo simplista os anticoncepcionais, isso a contrariar a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI.

O pontificado de Luciani durou 33 dias. Na cabeceira do leito de morte estava um exemplar do Il Mondo, com novos escândalos do Banco do Vaticano, dirigido por Paul Marcinkus. Pouco antes, Luciani havia se inteirado de uma lista de clérigos inscritos na Loja Maçônica P2, protagonista do escândalo do Banco Ambrosiano. Do elenco constava Jean Villot, o secretário de Estado.

A causa-morte de Luciani foi atestada como infarto do miocárdio. Mas cardiologistas registraram que o falecido não apresentava na face a expressão da dor que acomete todos os infartados. Não houve autópsia e correu a suspeita de envenenamento. Existem contradições sobre quem teria por primeiro ingressado no quarto papal. Em nota oficial, informou-se ter sido o secretário particular, John Magee. Na véspera, fora apontada a sóror-camareira Vincenza Taffarel. Uma terceira voz indicava Jean Villot, o dissidente secretário de Estado. Para o escritor investigativo inglês David Yallop, autor do livro Em Nome de Deus (6 milhões de cópias vendidas), a morte não foi natural.

Pano rápido. Vamos esperar para ver se Bergoglio, como tentou Luciani, será capaz de mudar a Igreja do “não” para a Igreja do “sim”.

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