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Ativistas pedem criminalização de abuso em abordagem policial

Integrante de inquérito de jovem negro assassinado em Londres afirma que revista pessoal movida por racismo deve ser considerada desperdício de recursos públicos

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Policiais que abusam dos poderes de abordagem e revista pessoal movidos por uma mentalidade racista devem ser processados por desperdiçar o tempo da polícia, segundo um membro do inquérito do caso Stephen Lawrence, jovem negro assassinado a facadas em 1993, em Eltham, no sudeste de Londres.

A condenação na última semana de Gary Dobson, 36, e David Norris, 35, a um mínimo de 15 anos e dois meses e 14 anos e três meses de prisão, respectivamente, pelo crime reavivou o enfoque sobre a abordagem policial no Reino Unido. O instrumento foi criticado no inquérito público sobre o assassinato do adolescente.

 

 

Richard Stone, um importante assessor do juiz que produziu o histórico relatório Macpherson em 1999, que concluiu que a Polícia Metropolitana de Londres é institucionalmente racista, disse que os policiais que visam suspeitos somente com base em sua cor devem ser acusados de má utilização de recursos públicos.

Depois da condenação dos dois dos assassinos de Lawrence, Stone disse que essa medida deverá melhorar a confiança do público nas abordagens policiais, pois esse poder está sendo questionado devido alegações de “identificação racial”. Ele acrescentou: “É um crime desperdiçar o tempo da polícia neste país. Um policial racista é um policial incompetente, e se está desperdiçando o tempo da polícia deve ser acusado”.

Stone relatou: “Um rapaz negro me disse: ‘Eles me perseguem, se divertem porque eu sou negro, mas deveriam estar seguindo informações da inteligência’. Isso é desperdício do tempo policial. Por que não acusam esses policiais de praticar um crime?”

O relatório Macpherson, que condenou a Polícia Metropolitana de Londres por deixar de atenuar as tensões entre a organização e a comunidade negra, identificou a revista policial como um problema, salientando disparidades em seu uso, incluindo abordagens não registradas e temporárias de veículos dirigidos por pessoas negras ou asiáticas.

Mas durante os anos que se passaram os números indicam que a situação piorou. Em 1999 houve 1,03 milhão de abordagens e revistas pelo parágrafo 1 da Lei de Polícia e Evidência Criminal, com pessoas negras sendo 5,9 vezes mais propensas a serem abordadas que as brancas. Durante 2009 e 2010, esse número subiu para 1,14 milhão e os negros passaram a ter sete vezes mais chances de serem parados pela polícia.

Michael Shiner, do Centro Mannheim de Criminologia da Escola de Economia de Londres, disse: “Como menos de uma em cada dez dessas revistas resulta em detenção, um grande número de jovens, principalmente negros, está sendo desnecessariamente criminalizado, alimentando o sentimento de alienação e criando uma sociedade mais fragmentada e dividida.”

O uso da abordagem e revista também foi criticado por seu papel nos tumultos de agosto de 2011. Uma recente pesquisa do diário britânico The Guardian e da Escola de Economia de Londres descobriu que a raiva contra a polícia foi uma causa importante da agitação em Londres: 86% dos rebeldes citaram a polícia como um dos principais fatores que geraram os distúrbios.

O grupo de campanha StopWatch indica a crescente utilização, em especial pela Polícia Metropolitana, do parágrafo 60 da lei, que permite revistas policiais em qualquer pessoa ou veículo em busca de armas em áreas onde há pressuposição razoável de violência. Ela não exige uma suspeita razoável como justificativa.

O governo de coalizão também reduziu as salvaguardas de responsabilização, ao cancelar a exigência nacional de registrar, parar e relatar, que foi adotada em 2005, uma recomendação chave do relatório Macpherson.

Rebekah Delsol, da StopWatch e da Open Society Justice Initiative, disse que a questão envolve policiais da linha de frente e figuras importantes. “A conduta rude, agressiva e não profissional de policiais é um problema claro, mas que vai muito mais fundo. É institucional e precisa ser abordado como tal”, ela acrescentou.

Stone concordou, dizendo que o fracasso em abordar o racismo é um problema de liderança: “Tornou-se uma questão de liderança administrá-lo, administrar a mídia e as reações a ela, em vez de abordar as atitudes arraigadas de policiais, que precisam ser mudadas.”

Os ativistas também esperam que as condenações de Dobson e Norris tragam uma nova visão dos problemas gerados pela abordagem e revista, especialmente a maneira encoberta como o mecanismo pode ser utilizado.

Em dezembro, a secretária do Interior do Reino Unido, Theresa May, anunciou uma revisão nacional da maneira como a polícia usa esses poderes.

História de um “suspeito”

Para Feyi Badejo, a abordagem policial faz parte da vida. Em Peckham, no sul de Londres, o jovem de 17 anos diz que seus amigos estão habituados a ser revistados.

“Não estou fazendo nada errado, às vezes estou na frente de minha casa quando sou abordado. Não há muitas pessoas por aqui que não tenham sido.” Ele não tem dúvidas de que é visado por ser negro. “Isso causa muita frustração. Você não está fazendo nada e é revistado, rotulado como criminoso. Isso faz algumas pessoas serem hostis contra a polícia. Para alguns, torna-se psicológico: eles ficam mais agressivos contra a polícia, sua atitude muda, eles realmente se tornam criminosos porque sempre são visados.”

Badejo diz que com frequência a polícia usa esse instrumento para intimidar. “Se você for abordado e não der seu nome, a intimidação piora, eles começam a fazer ameaças. Às vezes os policiais são tranquilos, em outras oportunidades são agressivos. Às vezes é apenas porque aconteceu alguma coisa naquela rua. É evidente que não tem nada a ver comigo.”

Ele diz que a tática é ainda mais óbvia com os jovens. “Entre 13 e 16 anos eles pegam mais a gente. Tendem a revistar menos quando você fica mais velho, mas realmente pressionam os jovens.”

A maneira mais eficaz de evitar ser abordado, ele diz, é mudar o modo de se vestir. “Quando eu era mais jovem, usava calças de moletom, blusão, boné de beisebol, mas mudei meu modo de vestir conforme fiquei mais velho e fui menos visado.”

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Com informações da Redação de CartaCapital.

Policiais que abusam dos poderes de abordagem e revista pessoal movidos por uma mentalidade racista devem ser processados por desperdiçar o tempo da polícia, segundo um membro do inquérito do caso Stephen Lawrence, jovem negro assassinado a facadas em 1993, em Eltham, no sudeste de Londres.

A condenação na última semana de Gary Dobson, 36, e David Norris, 35, a um mínimo de 15 anos e dois meses e 14 anos e três meses de prisão, respectivamente, pelo crime reavivou o enfoque sobre a abordagem policial no Reino Unido. O instrumento foi criticado no inquérito público sobre o assassinato do adolescente.

 

 

Richard Stone, um importante assessor do juiz que produziu o histórico relatório Macpherson em 1999, que concluiu que a Polícia Metropolitana de Londres é institucionalmente racista, disse que os policiais que visam suspeitos somente com base em sua cor devem ser acusados de má utilização de recursos públicos.

Depois da condenação dos dois dos assassinos de Lawrence, Stone disse que essa medida deverá melhorar a confiança do público nas abordagens policiais, pois esse poder está sendo questionado devido alegações de “identificação racial”. Ele acrescentou: “É um crime desperdiçar o tempo da polícia neste país. Um policial racista é um policial incompetente, e se está desperdiçando o tempo da polícia deve ser acusado”.

Stone relatou: “Um rapaz negro me disse: ‘Eles me perseguem, se divertem porque eu sou negro, mas deveriam estar seguindo informações da inteligência’. Isso é desperdício do tempo policial. Por que não acusam esses policiais de praticar um crime?”

O relatório Macpherson, que condenou a Polícia Metropolitana de Londres por deixar de atenuar as tensões entre a organização e a comunidade negra, identificou a revista policial como um problema, salientando disparidades em seu uso, incluindo abordagens não registradas e temporárias de veículos dirigidos por pessoas negras ou asiáticas.

Mas durante os anos que se passaram os números indicam que a situação piorou. Em 1999 houve 1,03 milhão de abordagens e revistas pelo parágrafo 1 da Lei de Polícia e Evidência Criminal, com pessoas negras sendo 5,9 vezes mais propensas a serem abordadas que as brancas. Durante 2009 e 2010, esse número subiu para 1,14 milhão e os negros passaram a ter sete vezes mais chances de serem parados pela polícia.

Michael Shiner, do Centro Mannheim de Criminologia da Escola de Economia de Londres, disse: “Como menos de uma em cada dez dessas revistas resulta em detenção, um grande número de jovens, principalmente negros, está sendo desnecessariamente criminalizado, alimentando o sentimento de alienação e criando uma sociedade mais fragmentada e dividida.”

O uso da abordagem e revista também foi criticado por seu papel nos tumultos de agosto de 2011. Uma recente pesquisa do diário britânico The Guardian e da Escola de Economia de Londres descobriu que a raiva contra a polícia foi uma causa importante da agitação em Londres: 86% dos rebeldes citaram a polícia como um dos principais fatores que geraram os distúrbios.

O grupo de campanha StopWatch indica a crescente utilização, em especial pela Polícia Metropolitana, do parágrafo 60 da lei, que permite revistas policiais em qualquer pessoa ou veículo em busca de armas em áreas onde há pressuposição razoável de violência. Ela não exige uma suspeita razoável como justificativa.

O governo de coalizão também reduziu as salvaguardas de responsabilização, ao cancelar a exigência nacional de registrar, parar e relatar, que foi adotada em 2005, uma recomendação chave do relatório Macpherson.

Rebekah Delsol, da StopWatch e da Open Society Justice Initiative, disse que a questão envolve policiais da linha de frente e figuras importantes. “A conduta rude, agressiva e não profissional de policiais é um problema claro, mas que vai muito mais fundo. É institucional e precisa ser abordado como tal”, ela acrescentou.

Stone concordou, dizendo que o fracasso em abordar o racismo é um problema de liderança: “Tornou-se uma questão de liderança administrá-lo, administrar a mídia e as reações a ela, em vez de abordar as atitudes arraigadas de policiais, que precisam ser mudadas.”

Os ativistas também esperam que as condenações de Dobson e Norris tragam uma nova visão dos problemas gerados pela abordagem e revista, especialmente a maneira encoberta como o mecanismo pode ser utilizado.

Em dezembro, a secretária do Interior do Reino Unido, Theresa May, anunciou uma revisão nacional da maneira como a polícia usa esses poderes.

História de um “suspeito”

Para Feyi Badejo, a abordagem policial faz parte da vida. Em Peckham, no sul de Londres, o jovem de 17 anos diz que seus amigos estão habituados a ser revistados.

“Não estou fazendo nada errado, às vezes estou na frente de minha casa quando sou abordado. Não há muitas pessoas por aqui que não tenham sido.” Ele não tem dúvidas de que é visado por ser negro. “Isso causa muita frustração. Você não está fazendo nada e é revistado, rotulado como criminoso. Isso faz algumas pessoas serem hostis contra a polícia. Para alguns, torna-se psicológico: eles ficam mais agressivos contra a polícia, sua atitude muda, eles realmente se tornam criminosos porque sempre são visados.”

Badejo diz que com frequência a polícia usa esse instrumento para intimidar. “Se você for abordado e não der seu nome, a intimidação piora, eles começam a fazer ameaças. Às vezes os policiais são tranquilos, em outras oportunidades são agressivos. Às vezes é apenas porque aconteceu alguma coisa naquela rua. É evidente que não tem nada a ver comigo.”

Ele diz que a tática é ainda mais óbvia com os jovens. “Entre 13 e 16 anos eles pegam mais a gente. Tendem a revistar menos quando você fica mais velho, mas realmente pressionam os jovens.”

A maneira mais eficaz de evitar ser abordado, ele diz, é mudar o modo de se vestir. “Quando eu era mais jovem, usava calças de moletom, blusão, boné de beisebol, mas mudei meu modo de vestir conforme fiquei mais velho e fui menos visado.”

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Com informações da Redação de CartaCapital.

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