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A geopolítica das armas

Pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, a China está entre os cinco maiores exportadores de armas. Um crescimento que revela o início de uma corrida armamentícia na Ásia

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Há ao menos três décadas, o rápido crescimento econômico chinês aponta para a futura retomada de um cenário global com duas potências econômicas e militares: os Estados Unidos e a China. E um sinal da consolidação deste quadro é a ascensão da China como o quinto maior exportador de armas convencionais do mundo, segundo relatório do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), publicado na noite deste domingo 17, ao qual CartaCapital teve acesso com exclusividade no Brasil. Essa é a primeira vez desde o fim da Guerra Fria que o top 5 não é formado apenas por EUA e outros quatro países europeus.

O estudo ainda mostra que o volume das transferências mundiais das principais armas convencionais (aviões de combate, tanques, veículos armados, helicópteros, artilharia, mísseis, entre outros) aumentou 17% entre os períodos de 2003-2007 e 2008-2012. Os EUA seguem como o maior fornecedor global nos últimos cinco anos, com 30% das exportações, seguidos por Rússia (26%), Alemanha (7%), França (6%) e China (5%). É a primeira vez que o Reino Unido não está nesta lista desde 1950.

 

 

Entre os dois quinquênios analisados, as exportações de armas convencionais chinesas subiram 162%, com acordos que têm estabelecido o país como um significativo fornecedor mundial. A maior parte das vendas foi para a Ásia e Oceania (74%). Somente o Paquistão ficou com 55% das exportações do país. “A China sempre foi uma grande exportadora de armas leves, mas não tinha uma indústria militar muito desenvolvida. Mas há mais de uma década existe um investindo forte para dar suporte a esse crescimento militar ajudado por um desenvolvimento industrial e tecnológico”, explica Gunther Rudzit, especialista em segurança e professor da Faculdade Rio Branco, em São Paulo.

Esse avanço militar chinês reflete uma possível corrida armamentícia em países asiáticos e da Oceania, responsáveis por 47% das importações mundiais no setor nos últimos cinco anos, um aumento de 35% em relação ao período anterior. Além disso, os cinco maiores importadores são todos da Ásia: Índia (12%), China (6%), Paquistão (5%), Coreia do Sul (5%) e Cingapura (4%).

Em grande parte, esses Estados compram armas chinesas para lidar com tensões e conflitos de fronteiras marítimas com a própria potência asiática.

A busca por sistemas de defesa na região, acredita Paul Holtom, diretor do programa de transferências de armas do SIPRI, pode ser uma compensação pela defasagem provocada na crise asiática dos anos 90. Mas também está relacionada à ascensão militar chinesa. “Os países sempre levam em conta como a China vai agir, o que também influencia fornecedores como os EUA a comercializar mais equipamentos avançados que no passado.”

No último quinquênio, diversos países da região encomendaram ou anunciaram planos de adquirir armas de longo alcance e sistemas de suporte que os tornariam capazes de projetar poder muito além de suas fronteiras. No ano passado, a Rússia entregou um submarino nuclear à Índia, e a China inaugurou um porta aviões.

A Índia importou 59% mais armas no período, com compras de aviões de combate da Rússia e EUA. No sudeste asiático, as importações cresceram 169%, devido a tensões por fronteiras marítimas, especialmente entre China e Vietnã ou as Filipinas. “O mar ao sul da China é disputado entre muitos países e essa tentativa de ter vantagem em termos navais prevalece na lógica regional. Alguns pesquisadores chegam a comparar os atritos do sudeste asiático à Europa do início do século XX”, Rudzit.

Enquanto isso, a China revelou no ano passado uma série de sistemas de armas domésticos que diminuíram sua dependência externa, por isso sua importações caíram 47% entre 2008 e 2012. No mesmo período, houve aumento no volume de importação de armas das Américas (34%) e África (104%) e queda de 20% na Europa (países como Portugal e Espanha estão vendendo aviões de combate novos por não terem condições de mantê-los) e 7% do Oriente Médio.

Vendas de armas

Os dados do SIPRI são prévios à decisão dos EUA no ano passado em realocar grande parte de suas forças militares e marítimas rumo à Àsia, mas podem ser um indicativo da escolha norte-americana. Antes mesmo da decisão, a indústria de defesa norte-americana era uma das principais fornecedoras para a região. “Os EUA têm olhado a Índia como um mercado potencial, um país antes dominado por exportações da Rússia e países europeus”, explica Holtom.

A China, que fornece enorme quantidades de sistemas básicos para países de menor desenvolvimento, contudo, está entrando em mercados importantes para países europeus e os EUA. “É interessante notar que, há alguns anos, a Rússia montou um grupo de estudos sobre a indústria de defesa chinesa para saber se ela competiria com a russa em médio prazo”, lembra Holtom.

“A China está se desenvolvendo em áreas importantes, mas ainda há laços tradicionais muito fortes neste tipo de comércio. Ninguém deixa de comprar armas de um país facilmente, porque esse mercado é de relação política intensa e profunda”, completa Rudzit.

Maiores exportadores

Os EUA lideram a lista dos maiores exportadores de armas entre 2008 e 2012, com 30% do comércio mundial. O país vendeu armas para ao menos 85 países, além da Otan. A maior parte destes equipamentos foi comprada por Estados da Ásia e Oceania (45%), Oriente Médio (27%) e Europa (18%).

Segundo os dados, 62% das entregas foram de aeronaves, incluindo 49 aviões de combate como o F-35.

Em retirada do Iraque e do Afeganistão, os EUA venderam 4% de suas exportações para cada um destes países. Os itens inclusos nas negociações variam de tanques a veículos armados novos e de segunda mão.

A Rússia vem em segundo lugar na lista, com 26% das exportações no setor. Destas, 46% são de aeronaves e 20% de mísseis. Ásia e Oceania também são os maiores compradores, 65% do total. Além disso, o relatório mostra que o país foi responsável por 71% das exportações de armas convencionais para a Síria nos últimos cinco anos, incluindo o período de guerra civil do país do Oriente Médio.

Alemanha e França ocupam a terceira e quarta posições, respectivamente. Os dois países registraram quedas de 8% e 18% no período analisado.

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