Política

Antipirataria no Mundial será ineficaz, dizem especialistas

Proteção aos parceiros da Fifa durante a Copa do Mundo deve causar prejuízos, ingerência externa no Brasil e insegurança jurídica

Foto: Thomás/Flickr
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No debate sobre a Lei Geral da Copa, a venda de bebidas alcóolicas nos estádios provocou embates acirrados, prejudicou o relacionamento da Fifa com o governo brasileiro, mas gerou ao menos um ponto positivo para a entidade que controla o futebol mundial.

A polêmica sobre as bebidas serviu para tirar o foco de outros pontos bastante peculiares da Lei Geral que o brasileiro só deve perceber quando a Copa do Mundo de 2014 se aproximar.

A lei antipirataria embutida na legislação é um desses pontos.


O combate à venda de produtos piratas e ao chamado “marketing de emboscada” (associação não autorizada de marcas à Copa do Mundo) são vitais para os interesses comerciais da Fifa. A entidade transformou a Copa do Mundo num evento altamente rentável ao garantir exclusividade total a seus patrocinadores, não apenas nos estádios e lojas oficiais, mas no país em que o torneio é disputado.

Como ocorreu com a Alemanha em 2006 e com a África do Sul em 2010, o Brasil foi pressionado a modificar suas leis. Durante o mundial, a pena contra a pirataria passou do máximo de três meses de prisão para até um ano e multa. O marketing de emboscada também virou crime. A Fifa poderá definir áreas de restrição comercial em até dois quilômetros no entorno dos estádios das cidades sede. Dentro deste perímetro, apenas as marcas parceiras da entidade poderão comercializar e expor seus produtos. Estabelecimentos formais que já estejam nestas regiões poderão funcionar durante a Copa das Confederações (em 2013) e o Mundial, mas sem fazer publicidade de concorrentes.

Os dois pontos são questionáveis. Clara Maria Roman Borges, coordenadora do Núcleo de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná, alerta para os danos que a proteção dos anunciantes da Fifa pode causar. “Isso vai provocar o prejuízo dos comerciantes no entorno dos estádios e não há previsão de ressarcimento destas pessoas”, diz Clara. “O comércio informal e formal na África do Sul sofreu muito, muitos ficaram sem trabalho por conta dos jogos”, afirma.

Walter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e colunista de CartaCapital, alerta para a ineficácia da lei antipirataria. “Há uma cultura enganosa de que o aumento da pena resolverá muitas coisas, mas o penalizado é o indivíduo que vende e não a rede transnacional que opera neste setor, como as máfias”, diz.

Maierovitch alerta também para ingerências que a Fifa pode cometer no Brasil. Muito antes das exigências da Fifa, o Brasil já possuía um órgão antipirataria. Desde 2004 o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) atua no País, inclusive com iniciativas para controlar o problema em algumas cidades sede do Mundial. Mesmo assim, o compromisso do governo federal com a Fifa inclui um acordo de cooperação técnica para criar estratégias de proteção das marcas e dos produtos na Copa das Confederações e Copa do Mundo. Haverá também cursos de capacitação em diferenciação entre produtos piratas e originais para agentes públicos nas cidades com jogos. Uma indução de comportamento que, para Maierovitch, precisa ser relativizada. “É claro que a Fifa tem muita experiência com estes eventos, mas o Brasil deve encarar isso como meras sugestões e deixar o Ministério da Justiça avaliar se a implementação delas é apropriada”, diz.

É preciso levar em conta que as exigências da Fifa não podem ser encaradas como surpresa pelo governo brasileiro. Felipe Legrazie Ezabella, advogado especialista em Direito Desportivo, lembra que as marcas já eram protegidas por registro e que, ao se candidatar a sede do mundial, o Brasil “sabia da existência de normas a serem obedecidas e se comprometeu a adotá-las”. Ainda assim, as mudanças feitas na legislação causam preocupação, especialmente as que envolvem punições jurídicas.

Em 2010, a África do Sul acatou mudanças ainda mais radicais. A Fifa exigiu a criação de tribunais especiais para julgar crimes durante o mundial, com sentenças relâmpago. Houve casos de penas de cinco anos para um homem que furtou o celular de um turista estrangeiro e de 15 anos para dois assaltantes que roubaram o equipamento de um fotógrafo a trabalho no mundial. No caso do Brasil, “tribunais de exceção” como esses não devem ser formados. Mas o país terá leis diferentes, durante e depois da Copa, sobre a pirataria e venda de bebidas alcoólicas no estádios. Esse tipo de mudança jurídica, alerta a professora da UFPR, pode criar um quadro inédito no sistema de Justiça brasileiro. Após a expiração da validade destas disposições penais, os indivíduos que cometeram crimes no Mundial e ainda não tiverem sido processados vão responder pela lei vigente na Copa, que é muito mais punitiva. “O Executivo pede a aplicação da lei mais benéfica em ações retroativas, mas isso não vai ser possível nestes casos”, diz.

No debate sobre a Lei Geral da Copa, a venda de bebidas alcóolicas nos estádios provocou embates acirrados, prejudicou o relacionamento da Fifa com o governo brasileiro, mas gerou ao menos um ponto positivo para a entidade que controla o futebol mundial.

A polêmica sobre as bebidas serviu para tirar o foco de outros pontos bastante peculiares da Lei Geral que o brasileiro só deve perceber quando a Copa do Mundo de 2014 se aproximar.

A lei antipirataria embutida na legislação é um desses pontos.


O combate à venda de produtos piratas e ao chamado “marketing de emboscada” (associação não autorizada de marcas à Copa do Mundo) são vitais para os interesses comerciais da Fifa. A entidade transformou a Copa do Mundo num evento altamente rentável ao garantir exclusividade total a seus patrocinadores, não apenas nos estádios e lojas oficiais, mas no país em que o torneio é disputado.

Como ocorreu com a Alemanha em 2006 e com a África do Sul em 2010, o Brasil foi pressionado a modificar suas leis. Durante o mundial, a pena contra a pirataria passou do máximo de três meses de prisão para até um ano e multa. O marketing de emboscada também virou crime. A Fifa poderá definir áreas de restrição comercial em até dois quilômetros no entorno dos estádios das cidades sede. Dentro deste perímetro, apenas as marcas parceiras da entidade poderão comercializar e expor seus produtos. Estabelecimentos formais que já estejam nestas regiões poderão funcionar durante a Copa das Confederações (em 2013) e o Mundial, mas sem fazer publicidade de concorrentes.

Os dois pontos são questionáveis. Clara Maria Roman Borges, coordenadora do Núcleo de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná, alerta para os danos que a proteção dos anunciantes da Fifa pode causar. “Isso vai provocar o prejuízo dos comerciantes no entorno dos estádios e não há previsão de ressarcimento destas pessoas”, diz Clara. “O comércio informal e formal na África do Sul sofreu muito, muitos ficaram sem trabalho por conta dos jogos”, afirma.

Walter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e colunista de CartaCapital, alerta para a ineficácia da lei antipirataria. “Há uma cultura enganosa de que o aumento da pena resolverá muitas coisas, mas o penalizado é o indivíduo que vende e não a rede transnacional que opera neste setor, como as máfias”, diz.

Maierovitch alerta também para ingerências que a Fifa pode cometer no Brasil. Muito antes das exigências da Fifa, o Brasil já possuía um órgão antipirataria. Desde 2004 o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) atua no País, inclusive com iniciativas para controlar o problema em algumas cidades sede do Mundial. Mesmo assim, o compromisso do governo federal com a Fifa inclui um acordo de cooperação técnica para criar estratégias de proteção das marcas e dos produtos na Copa das Confederações e Copa do Mundo. Haverá também cursos de capacitação em diferenciação entre produtos piratas e originais para agentes públicos nas cidades com jogos. Uma indução de comportamento que, para Maierovitch, precisa ser relativizada. “É claro que a Fifa tem muita experiência com estes eventos, mas o Brasil deve encarar isso como meras sugestões e deixar o Ministério da Justiça avaliar se a implementação delas é apropriada”, diz.

É preciso levar em conta que as exigências da Fifa não podem ser encaradas como surpresa pelo governo brasileiro. Felipe Legrazie Ezabella, advogado especialista em Direito Desportivo, lembra que as marcas já eram protegidas por registro e que, ao se candidatar a sede do mundial, o Brasil “sabia da existência de normas a serem obedecidas e se comprometeu a adotá-las”. Ainda assim, as mudanças feitas na legislação causam preocupação, especialmente as que envolvem punições jurídicas.

Em 2010, a África do Sul acatou mudanças ainda mais radicais. A Fifa exigiu a criação de tribunais especiais para julgar crimes durante o mundial, com sentenças relâmpago. Houve casos de penas de cinco anos para um homem que furtou o celular de um turista estrangeiro e de 15 anos para dois assaltantes que roubaram o equipamento de um fotógrafo a trabalho no mundial. No caso do Brasil, “tribunais de exceção” como esses não devem ser formados. Mas o país terá leis diferentes, durante e depois da Copa, sobre a pirataria e venda de bebidas alcoólicas no estádios. Esse tipo de mudança jurídica, alerta a professora da UFPR, pode criar um quadro inédito no sistema de Justiça brasileiro. Após a expiração da validade destas disposições penais, os indivíduos que cometeram crimes no Mundial e ainda não tiverem sido processados vão responder pela lei vigente na Copa, que é muito mais punitiva. “O Executivo pede a aplicação da lei mais benéfica em ações retroativas, mas isso não vai ser possível nestes casos”, diz.

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