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‘Sem o apoio dos EUA, o Catar seria mais educado com vizinhos’

Sede de duas das principais instalações militares norte-americanas no Oriente Médio, o Catar se sente encorajado para fugir da pressão de Arábia Saudita e Irã

Mark N. Katz
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Nos últimos anos, o Catar, um pequeno país do com apenas 1,9 milhão de habitantes – dos quais cerca de um sétimo são nativos – ganhou muita influência no Oriente Médio e no mundo. O país conseguiu isso graças à sua enorme riqueza em termos de recursos naturais, mas também à parceria que mantém com o governo dos Estados Unidos. Em entrevista a Carta Capital, o especialista nos países do Golfo Pérsico Mark N. Katz, professor do Departamento de Assuntos Públicos e Internacionais da universidade norte-americana George Mason, explica que por trás da atuação do Catar está a preocupação do país com seus dois vizinhos maiores e mais importantes, a Arábia Saudita e o Irã. Confira a entrevista:

CC: Nos últimos meses o Catar teve um papel ativo na Primavera Árabe, pressionando Muamar Kadafi na Líbia e agora Assad na Síria. O que está por trás dessa iniciativa?


Katz:
O que o Catar tenta fazer é seguir a tendência. Se a tendência é Primavera Árabe, que forma melhor há de evitar ser alvo dela do que apoiá-la? Ao apoiar as forças da Primavera Árabe em lugares como a Líbia e a Síria, o Catar está tentando se tornar valioso para essas forças e, ao mesmo tempo, evitando ações similares dentro do Catar. Além disso, eles também adoram ser importantes. Em muitos aspectos, a atuação do Catar se assemelha à de Cuba. É um pequeno e insignificante país que desempenha um papel desproporcional na política internacional. No fim do dia, qual é a base de sua influência? O Catar, pelo menos, tem riqueza. Cuba não tem poder de verdade, mas conseguia, como dizemos aqui nos Estados Unidos, brigar acima de seu peso. Países pequenos com personalidades agressivas na liderança podem exercer um papel muito significativo por um tempo, mas eventualmente as realidades se afirmam.

CC: Como os países do Golfo Pérsico e de outras partes do Oriente Médio reagem ao ganho de influência do Catar?


Katz:
Entre os governos a tendência é que fiquem incomodados, mas o Catar parece estar disposto a pagar o preço disso porque tem a presença americana por lá. É um país pequeno, tem muito dinheiro, faz o que for possível para ganhar amigos e não se dá mal ao incomodar os vizinhos, mas tudo é baseado na aliança com os EUA. O que aconteceria se os EUA tirassem suas tropas de lá? Não vejo motivo para isso ocorrer em breve, mas se acontecesse o Catar teria de ser muito mais educado com seus vizinhos. O Catar se comporta agora da forma como o Kuwait costumava fazer antes da invasão do Iraque em 1990. Os kuwaitianos eram conhecidos como os liberais das festas de coquetel do Golfo. Eles faziam as mesmas coisas. Em vez dos islamistas, eles se tornaram amigos de esquerdistas, como a União Soviética e a China, coisa que outros países do Golfo não faziam. Com isso eles queriam se tornar amigos dos apoiadores do governo do Iraque, de forma a conter Saddam Hussein. Por um tempo isso deu certo, mas essas amizades estratégicas e a distribuição de dinheiro não foram suficientes. Se alguém realmente te odeia e quer atacá-lo, isso não necessariamente o impede. O Catar sofre da mesma fraqueza.

Carta Capital: O Catar tem investimentos em diversos países, incluindo setores estratégicos como água, eletricidade, bancos e até a mídia. Oficialmente, a intenção é diversificar investimentos, mas isso não pode ser interpretado como uma forma de tentar comprar influência?


Mark N. Katz:
É provavelmente uma tentativa de comprar boa vontade. Eles são muitos ricos, mas muito fracos, então vão tentar comprar boa vontade onde puderem e de formas muito criativas.

CC: Como o Catar se beneficiaria de mais boa vontade?


Katz:
O Catar está sentado em uma enorme quantidade de gás natural, mas é um país muito pequeno e fraco. Ao norte está o Irã, e o Catar tem sorte pelo fato de o Ocidente ter suas diferenças com o Irã, pois vai protegê-lo. Mas o Catar tem outro oponente, a Arábia Saudita. Tradicionalmente, os dois não se dão bem, e o Catar em grande medida teme a Arábia Saudita. Mas os sauditas são aliados dos Estados Unidos, então, o que fazer? Uma das razões de o Catar deixar os EUA estabeleceram instalações militares em seu território para a guerra no Iraque não era o fato de terem medo do Iraque, mas o de gostarem de ter a presença americana e, assim, desencorajar os sauditas de fazerem alguma coisa.

CC: Algum país Ocidental já tentou evitar investimentos por parte do Catar?


Katz:
Nunca ouvi falar de ações deste tipo e não sei por que algum país faria isso. Obviamente os países ocidentais querem investimentos, como qualquer outro país, e o Catar não é visto como ameaçador ou qualquer outra coisa parecida. Então acho que o investimento do Catar é bem-vindo.

CC: Muitos liberais no Oriente Médio criticam o Catar pelo grande espaço que dão a grupos islamistas. O Catar quer ver um Oriente Médio fundamentalista?


Katz:
Não. O que o Catar deseja é não se tornar o alvo dos islamistas. Ao dar voz aos islamistas por meio da Al-Jazeera, o Catar deu a eles um “Estado”. Então os islamistas criticam os outros e na realidade não criticam o Catar.

CC: O Catar é então pragmático?


Katz:
Sim, a estratégia do Catar se chama “Bandwagoning”. Se você tem medo de alguém, você tem duas opções: procurar aliados contra este oponente ou tentar ser amigo deste oponente. Em outras palavras: seu inimigo tem uma série de alvos, então tenha certeza de que você não é um deles.

CC: Quem manda no Catar hoje em dia além do emir?


Katz:
Imagino que nem mesmo dentro do Catar eles tenham certeza sobre isso. A família é muito importante. O governante precisa governar com a cooperação da família como um todo. No Catar, duas vezes o filho destronou o pai, houve golpes de Estado dentro da família, e isso é algo que nenhum governante pode negligenciar. É preciso evitar o isolamento e ter certeza de que todos estão felizes.

CC: Como o desfecho da Primavera Árabe pode afetar o Catar no futuro?


Katz:
Se os governos populares que chegaram e chegarem ao poder no Egito, Líbia, Tunísia e talvez Síria tiverem sucesso, em algum ponto vai surgir, mesmo com o apoio do Catar aos revolucionários, a questão: por que essas mudanças não ocorrem no Golfo? O Catar pode atrasar esse desfecho, mas não pode eliminar essa possibilidade. Por outro lado, se a Primavera Árabe for um fracasso e der origem a uma nova forma de autoritarismo, as monarquias poderão alegar, como fizeram no passado, que elas não são democráticos, mas seus cidadãos vivem melhor que os vizinhos.

Nos últimos anos, o Catar, um pequeno país do com apenas 1,9 milhão de habitantes – dos quais cerca de um sétimo são nativos – ganhou muita influência no Oriente Médio e no mundo. O país conseguiu isso graças à sua enorme riqueza em termos de recursos naturais, mas também à parceria que mantém com o governo dos Estados Unidos. Em entrevista a Carta Capital, o especialista nos países do Golfo Pérsico Mark N. Katz, professor do Departamento de Assuntos Públicos e Internacionais da universidade norte-americana George Mason, explica que por trás da atuação do Catar está a preocupação do país com seus dois vizinhos maiores e mais importantes, a Arábia Saudita e o Irã. Confira a entrevista:

CC: Nos últimos meses o Catar teve um papel ativo na Primavera Árabe, pressionando Muamar Kadafi na Líbia e agora Assad na Síria. O que está por trás dessa iniciativa?


Katz:
O que o Catar tenta fazer é seguir a tendência. Se a tendência é Primavera Árabe, que forma melhor há de evitar ser alvo dela do que apoiá-la? Ao apoiar as forças da Primavera Árabe em lugares como a Líbia e a Síria, o Catar está tentando se tornar valioso para essas forças e, ao mesmo tempo, evitando ações similares dentro do Catar. Além disso, eles também adoram ser importantes. Em muitos aspectos, a atuação do Catar se assemelha à de Cuba. É um pequeno e insignificante país que desempenha um papel desproporcional na política internacional. No fim do dia, qual é a base de sua influência? O Catar, pelo menos, tem riqueza. Cuba não tem poder de verdade, mas conseguia, como dizemos aqui nos Estados Unidos, brigar acima de seu peso. Países pequenos com personalidades agressivas na liderança podem exercer um papel muito significativo por um tempo, mas eventualmente as realidades se afirmam.

CC: Como os países do Golfo Pérsico e de outras partes do Oriente Médio reagem ao ganho de influência do Catar?


Katz:
Entre os governos a tendência é que fiquem incomodados, mas o Catar parece estar disposto a pagar o preço disso porque tem a presença americana por lá. É um país pequeno, tem muito dinheiro, faz o que for possível para ganhar amigos e não se dá mal ao incomodar os vizinhos, mas tudo é baseado na aliança com os EUA. O que aconteceria se os EUA tirassem suas tropas de lá? Não vejo motivo para isso ocorrer em breve, mas se acontecesse o Catar teria de ser muito mais educado com seus vizinhos. O Catar se comporta agora da forma como o Kuwait costumava fazer antes da invasão do Iraque em 1990. Os kuwaitianos eram conhecidos como os liberais das festas de coquetel do Golfo. Eles faziam as mesmas coisas. Em vez dos islamistas, eles se tornaram amigos de esquerdistas, como a União Soviética e a China, coisa que outros países do Golfo não faziam. Com isso eles queriam se tornar amigos dos apoiadores do governo do Iraque, de forma a conter Saddam Hussein. Por um tempo isso deu certo, mas essas amizades estratégicas e a distribuição de dinheiro não foram suficientes. Se alguém realmente te odeia e quer atacá-lo, isso não necessariamente o impede. O Catar sofre da mesma fraqueza.

Carta Capital: O Catar tem investimentos em diversos países, incluindo setores estratégicos como água, eletricidade, bancos e até a mídia. Oficialmente, a intenção é diversificar investimentos, mas isso não pode ser interpretado como uma forma de tentar comprar influência?


Mark N. Katz:
É provavelmente uma tentativa de comprar boa vontade. Eles são muitos ricos, mas muito fracos, então vão tentar comprar boa vontade onde puderem e de formas muito criativas.

CC: Como o Catar se beneficiaria de mais boa vontade?


Katz:
O Catar está sentado em uma enorme quantidade de gás natural, mas é um país muito pequeno e fraco. Ao norte está o Irã, e o Catar tem sorte pelo fato de o Ocidente ter suas diferenças com o Irã, pois vai protegê-lo. Mas o Catar tem outro oponente, a Arábia Saudita. Tradicionalmente, os dois não se dão bem, e o Catar em grande medida teme a Arábia Saudita. Mas os sauditas são aliados dos Estados Unidos, então, o que fazer? Uma das razões de o Catar deixar os EUA estabeleceram instalações militares em seu território para a guerra no Iraque não era o fato de terem medo do Iraque, mas o de gostarem de ter a presença americana e, assim, desencorajar os sauditas de fazerem alguma coisa.

CC: Algum país Ocidental já tentou evitar investimentos por parte do Catar?


Katz:
Nunca ouvi falar de ações deste tipo e não sei por que algum país faria isso. Obviamente os países ocidentais querem investimentos, como qualquer outro país, e o Catar não é visto como ameaçador ou qualquer outra coisa parecida. Então acho que o investimento do Catar é bem-vindo.

CC: Muitos liberais no Oriente Médio criticam o Catar pelo grande espaço que dão a grupos islamistas. O Catar quer ver um Oriente Médio fundamentalista?


Katz:
Não. O que o Catar deseja é não se tornar o alvo dos islamistas. Ao dar voz aos islamistas por meio da Al-Jazeera, o Catar deu a eles um “Estado”. Então os islamistas criticam os outros e na realidade não criticam o Catar.

CC: O Catar é então pragmático?


Katz:
Sim, a estratégia do Catar se chama “Bandwagoning”. Se você tem medo de alguém, você tem duas opções: procurar aliados contra este oponente ou tentar ser amigo deste oponente. Em outras palavras: seu inimigo tem uma série de alvos, então tenha certeza de que você não é um deles.

CC: Quem manda no Catar hoje em dia além do emir?


Katz:
Imagino que nem mesmo dentro do Catar eles tenham certeza sobre isso. A família é muito importante. O governante precisa governar com a cooperação da família como um todo. No Catar, duas vezes o filho destronou o pai, houve golpes de Estado dentro da família, e isso é algo que nenhum governante pode negligenciar. É preciso evitar o isolamento e ter certeza de que todos estão felizes.

CC: Como o desfecho da Primavera Árabe pode afetar o Catar no futuro?


Katz:
Se os governos populares que chegaram e chegarem ao poder no Egito, Líbia, Tunísia e talvez Síria tiverem sucesso, em algum ponto vai surgir, mesmo com o apoio do Catar aos revolucionários, a questão: por que essas mudanças não ocorrem no Golfo? O Catar pode atrasar esse desfecho, mas não pode eliminar essa possibilidade. Por outro lado, se a Primavera Árabe for um fracasso e der origem a uma nova forma de autoritarismo, as monarquias poderão alegar, como fizeram no passado, que elas não são democráticos, mas seus cidadãos vivem melhor que os vizinhos.

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