Política

Que diria Tucídides?

Diante da crise que abala o mundo e seus possíveis desenvolvimentos

A Guerra do Peloponeso. Se Atenas chorou, Esparta não riu
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Pensadores de alentado calibre ao analisar a crise econômica mundial sustentam que o próprio capitalismo está em xeque. Trata-se, se bem entendo, de um monumental fenômeno de autofagia, algo assim como o neoliberalismo a deglutir o liberalismo nascido da Revolução Industrial inglesa e da Revolução Francesa, e codificado por Adam Smith. Pergunto aos meus perplexos botões se algo mais não estaria em xeque, de certa forma maior. A própria democracia, na sua concepção tradicional.

Sem precisar de lupa, o que vemos? Vemos o nosso mundinho dominado por oligarquias financeiras cujo peso específico se tem provado muito superior àquele dos governos de Estado. Amparados pelo terrorismo das agências de rating, os autores da valorização da produção de puro dinheiro em detrimento da produção de bens e serviços, assenhoream-se do destino da população global, crescente e cada vez mais desigual.

Onde fica a vetusta ideia de democracia, aquela sonhada pelos iluministas e pelos pais fundadores americanos? E até posta em prática em certos países e em certos momentos de forma quase satisfatória. Tomados de singular melancolia, os botões ousam evocar a Guerra do Peloponeso, travada entre a culta Atenas e a tosca Esparta. Vitória espartana, mas se Atenas chorou, Esparta não riu. Há quem saiba da história pela pena de Tucídides, um dos primeiros historiadores, se não o primeiro, a entender que inúmeros eventos podem ser previstos a partir da correta análise das circunstâncias que os precedem.

Hipócrates foi outro pioneiro grego que soube dar importância aos sintomas para antever o rumo das doenças. Assim como me refiro à outra Grécia, é de se excluir que meus botões possam concorrer com Tucídides. Forçoso é reconhecer, porém, que a humanidade corre seríssimos riscos em uma situação de tamanha incerteza. O confronto entre Atenas e Esparta era inevitável há tempo quando enfim se deu, tempo muito mais lento do que o atual, este sincopado e às vezes frenético.

Desde o imediato pós-guerra, aquele do segundo conflito mundial, a ameaça de um confronto armado pairou sobre nós, embora o período inicial seja caracterizado pelos notáveis progressos de várias economias nacionais. Meu pai veio ao Brasil em 1946 munido de família na certeza de que uma possível, ou mesmo provável, terceira guerra mundial pouparia seus filhos, protegidos pela imensidão e pelo distanciamento da nova terra. Era o presságio de um ciclone cuja eventual fatalidade induziu os impérios do Leste e do Oeste a ficarem dentro dos limites de uma guerra fria. Substituída, isto sim, pelo pipocar constante dos conflitos regionais sem o risco extremo do flagelo atômico.

O império soviético ruiu há mais de 20 anos juntamente com o Muro de Berlim. Por ora o muro da fatídica street nova-iorquina resiste, mas a crise provocada pelos adoradores do deus mercado não encontra solução, mesmo porque os oligarcas financeiros continuam a ditar as regras do jogo e a impor sua vontade a quem haveria de combatê-la e dobrá-la. Neste exato instante, os efeitos da crise alcançam o Brasil, a despeito de tantos fatores que o mantiveram distante do epicentro do sismo. O globo encolheu, no entanto, e o tempo encurtou. Capitalismo e democracia em xeque, o Ocidente vive uma quadra especialmente brumosa.

A China cresce, enquanto isso, à sombra do contubérnio da ditadura com o capitalismo e se torna credora das dívidas do mundo, a começar por aquelas do ex-império ocidental. Que diria Tucídides disso tudo? Quais sintomas colheria nas circunstâncias para abalar-se a uma previsão sem arvorar-se a oráculo? Quais exemplos históricos de situações conturbadas apontaria para apoiar seu exercício de mensageiro do futuro? Receio que suas conclusões nos deixariam inquietos, talvez os antigos receios de meu pai estejam a ganhar sentido. Situações tão nebulosas nunca dispensaram desfechos violentos. É verdade, meu tempo passou. Penso nos meus netos. E até nos bisnetos.

Pensadores de alentado calibre ao analisar a crise econômica mundial sustentam que o próprio capitalismo está em xeque. Trata-se, se bem entendo, de um monumental fenômeno de autofagia, algo assim como o neoliberalismo a deglutir o liberalismo nascido da Revolução Industrial inglesa e da Revolução Francesa, e codificado por Adam Smith. Pergunto aos meus perplexos botões se algo mais não estaria em xeque, de certa forma maior. A própria democracia, na sua concepção tradicional.

Sem precisar de lupa, o que vemos? Vemos o nosso mundinho dominado por oligarquias financeiras cujo peso específico se tem provado muito superior àquele dos governos de Estado. Amparados pelo terrorismo das agências de rating, os autores da valorização da produção de puro dinheiro em detrimento da produção de bens e serviços, assenhoream-se do destino da população global, crescente e cada vez mais desigual.

Onde fica a vetusta ideia de democracia, aquela sonhada pelos iluministas e pelos pais fundadores americanos? E até posta em prática em certos países e em certos momentos de forma quase satisfatória. Tomados de singular melancolia, os botões ousam evocar a Guerra do Peloponeso, travada entre a culta Atenas e a tosca Esparta. Vitória espartana, mas se Atenas chorou, Esparta não riu. Há quem saiba da história pela pena de Tucídides, um dos primeiros historiadores, se não o primeiro, a entender que inúmeros eventos podem ser previstos a partir da correta análise das circunstâncias que os precedem.

Hipócrates foi outro pioneiro grego que soube dar importância aos sintomas para antever o rumo das doenças. Assim como me refiro à outra Grécia, é de se excluir que meus botões possam concorrer com Tucídides. Forçoso é reconhecer, porém, que a humanidade corre seríssimos riscos em uma situação de tamanha incerteza. O confronto entre Atenas e Esparta era inevitável há tempo quando enfim se deu, tempo muito mais lento do que o atual, este sincopado e às vezes frenético.

Desde o imediato pós-guerra, aquele do segundo conflito mundial, a ameaça de um confronto armado pairou sobre nós, embora o período inicial seja caracterizado pelos notáveis progressos de várias economias nacionais. Meu pai veio ao Brasil em 1946 munido de família na certeza de que uma possível, ou mesmo provável, terceira guerra mundial pouparia seus filhos, protegidos pela imensidão e pelo distanciamento da nova terra. Era o presságio de um ciclone cuja eventual fatalidade induziu os impérios do Leste e do Oeste a ficarem dentro dos limites de uma guerra fria. Substituída, isto sim, pelo pipocar constante dos conflitos regionais sem o risco extremo do flagelo atômico.

O império soviético ruiu há mais de 20 anos juntamente com o Muro de Berlim. Por ora o muro da fatídica street nova-iorquina resiste, mas a crise provocada pelos adoradores do deus mercado não encontra solução, mesmo porque os oligarcas financeiros continuam a ditar as regras do jogo e a impor sua vontade a quem haveria de combatê-la e dobrá-la. Neste exato instante, os efeitos da crise alcançam o Brasil, a despeito de tantos fatores que o mantiveram distante do epicentro do sismo. O globo encolheu, no entanto, e o tempo encurtou. Capitalismo e democracia em xeque, o Ocidente vive uma quadra especialmente brumosa.

A China cresce, enquanto isso, à sombra do contubérnio da ditadura com o capitalismo e se torna credora das dívidas do mundo, a começar por aquelas do ex-império ocidental. Que diria Tucídides disso tudo? Quais sintomas colheria nas circunstâncias para abalar-se a uma previsão sem arvorar-se a oráculo? Quais exemplos históricos de situações conturbadas apontaria para apoiar seu exercício de mensageiro do futuro? Receio que suas conclusões nos deixariam inquietos, talvez os antigos receios de meu pai estejam a ganhar sentido. Situações tão nebulosas nunca dispensaram desfechos violentos. É verdade, meu tempo passou. Penso nos meus netos. E até nos bisnetos.

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