Economia

Os herméticos

É cada vez mais difícil entender a linguagem esotérica e abstrata de certos profissionais e executivos

Apoie Siga-nos no

Cavernas diferentes, dialetos diferentes. Três décadas depois que a dupla Thatcher & Reagan puxou a descarga da globalização, previsões e premonições de um mundo de organizações e práticas gerenciais homogêneas não se concretizaram. Embora o rolo compressor do management, apoiado pelas escolas de negócios, pelas empresas de consultoria e pela mídia de negócios, tenha operado sua mágica homogeneizadora, mantém-se considerável diversidade entre as organizações. Um cavernícola que trocar sua gruta empresarial por outra terá, provavelmente, de passar por um período de longa adaptação aos novos modos e costumes. E ai do cavernícola que não se esmerar no domínio do novo dialeto e da nova prosopopeia. Seu destino mais provável será o isolamento e o desterro.

Uma consequência dessa diversidade e dos múltiplos dialetos é a dificuldade enfrentada por um interlocutor neutro para compreender os cavernícolas. Dan Pallottta, que mantém um blog no website da revista de negócios Harvard Business Review, declarou recentemente que em aproximadamente metade de suas conversas sobre negócios não tem a mínima ideia do que seus interlocutores estão falando. Confessa que, quando jovem, sentia-se tolo por não entender o que as outras pessoas diziam, mas que agora suspeita que a tolice seja de seus interlocutores, por não conseguirem se fazer entender.

O autor identifica algumas manifestações curiosas do fenômeno. Uma delas é o “abstracionismo”, a prática de substituir palavras simples e de domínio público por expressões empoladas e complicadas. Por exemplo, uma simples maçaneta pode ser transformada em uma “inovação em acesso residencial” e um investimento duvidoso pode ser magicamente transmutado em uma “aplicação estruturada em derivativos de perfil agressivo”. Outra manifestação é a proliferação de expressões de grande efeito e pouco significado, tais como “pensar fora da caixa”, “quebrar paradigmas”, “provocar inovações de ruptura”, “adotar a estratégia do oceano azul” e “encantar os clientes”.

O fenômeno descrito por Pallotta conta mais de três décadas. Desde os anos 1980, o mundo corporativo vem desenvolvendo dialetos peculiares. A origem tem base comum, mas suas manifestações parecem ter se multiplicado. Primeiro, vieram os consultores, apropriando-se inventivamente do vernáculo para embalar velhas ideias com novos significados. Sua criatividade oral foi retratada com exemplar ironia em uma anedota, popular nos anos 1990, na qual é perguntado a um consultor por que, afinal, uma galinha atravessa a rua, ao que o profissional responde: “A desregulamentação da economia estava ameaçando sua posição dominante no negócio. A galinha teve de enfrentar desafios para criar e desenvolver as competências essenciais para o novo mercado competitivo. Nossa consultoria orientou a galinha a repensar sua estratégia. Usando um Modelo Galináceo Integrado (MGI), a consultoria ajudou a galinha a usar seu capital social para alinhar os recursos dentro de um framework de classe mundial. Um programa de sete passos foi realizado para alavancar seu capital intelectual, tanto tácito quanto explícito, e possibilitar um aumento da sinergia para agregar valor à cadeia produtiva. Tudo foi conduzido em direção à criação de uma solução holística e sustentável. Em suma: a consultoria ajudou a galinha a tornar-se uma galinha de sucesso”. Em tempo, a resposta certa seria: para chegar ao outro lado da rua.

O mundo girou e os consultores cederam seu lugar aos financistas, ainda mais herméticos e obscuros. Consulte, prezado leitor, um desses especialistas sobre a prosaica possibilidade de investir seu 13° salário, arduamente preservado das orgias natalinas, e talvez escute algo como: “Temos uma ótima opção, trata-se de uma operação de CRI relativamente longa (15 anos na série mais curta). Mas a rentabilidade esperada é a da NTN-B 2018 + um spread máximo de 0,737%, a ser formado em leilão. Hoje uma NTNNB 2018 paga “IPCA + 5,235%”  – para quem aposta em Brasil e, consequentemente, na convergência da taxa real de juros. E fica mais interessante porque essa rentabilidade é líquida de IR para PF”. Simples, não?

Que fazer? Talvez, no futuro, os softwares de tradução, que hoje já são bem sofisticados, evoluam a ponto de permitir a conversão, em tempo real, dos dialetos corporativos para a língua pátria. Mas não nos iludamos. Provavelmente, ainda se passarão muitos anos até que um sistema de inteligência artificial seja capaz de decifrar e consertar problemas oriundos do uso exótico que certos profissionais e executivos fazem de suas habilidades verbais.

Cavernas diferentes, dialetos diferentes. Três décadas depois que a dupla Thatcher & Reagan puxou a descarga da globalização, previsões e premonições de um mundo de organizações e práticas gerenciais homogêneas não se concretizaram. Embora o rolo compressor do management, apoiado pelas escolas de negócios, pelas empresas de consultoria e pela mídia de negócios, tenha operado sua mágica homogeneizadora, mantém-se considerável diversidade entre as organizações. Um cavernícola que trocar sua gruta empresarial por outra terá, provavelmente, de passar por um período de longa adaptação aos novos modos e costumes. E ai do cavernícola que não se esmerar no domínio do novo dialeto e da nova prosopopeia. Seu destino mais provável será o isolamento e o desterro.

Uma consequência dessa diversidade e dos múltiplos dialetos é a dificuldade enfrentada por um interlocutor neutro para compreender os cavernícolas. Dan Pallottta, que mantém um blog no website da revista de negócios Harvard Business Review, declarou recentemente que em aproximadamente metade de suas conversas sobre negócios não tem a mínima ideia do que seus interlocutores estão falando. Confessa que, quando jovem, sentia-se tolo por não entender o que as outras pessoas diziam, mas que agora suspeita que a tolice seja de seus interlocutores, por não conseguirem se fazer entender.

O autor identifica algumas manifestações curiosas do fenômeno. Uma delas é o “abstracionismo”, a prática de substituir palavras simples e de domínio público por expressões empoladas e complicadas. Por exemplo, uma simples maçaneta pode ser transformada em uma “inovação em acesso residencial” e um investimento duvidoso pode ser magicamente transmutado em uma “aplicação estruturada em derivativos de perfil agressivo”. Outra manifestação é a proliferação de expressões de grande efeito e pouco significado, tais como “pensar fora da caixa”, “quebrar paradigmas”, “provocar inovações de ruptura”, “adotar a estratégia do oceano azul” e “encantar os clientes”.

O fenômeno descrito por Pallotta conta mais de três décadas. Desde os anos 1980, o mundo corporativo vem desenvolvendo dialetos peculiares. A origem tem base comum, mas suas manifestações parecem ter se multiplicado. Primeiro, vieram os consultores, apropriando-se inventivamente do vernáculo para embalar velhas ideias com novos significados. Sua criatividade oral foi retratada com exemplar ironia em uma anedota, popular nos anos 1990, na qual é perguntado a um consultor por que, afinal, uma galinha atravessa a rua, ao que o profissional responde: “A desregulamentação da economia estava ameaçando sua posição dominante no negócio. A galinha teve de enfrentar desafios para criar e desenvolver as competências essenciais para o novo mercado competitivo. Nossa consultoria orientou a galinha a repensar sua estratégia. Usando um Modelo Galináceo Integrado (MGI), a consultoria ajudou a galinha a usar seu capital social para alinhar os recursos dentro de um framework de classe mundial. Um programa de sete passos foi realizado para alavancar seu capital intelectual, tanto tácito quanto explícito, e possibilitar um aumento da sinergia para agregar valor à cadeia produtiva. Tudo foi conduzido em direção à criação de uma solução holística e sustentável. Em suma: a consultoria ajudou a galinha a tornar-se uma galinha de sucesso”. Em tempo, a resposta certa seria: para chegar ao outro lado da rua.

O mundo girou e os consultores cederam seu lugar aos financistas, ainda mais herméticos e obscuros. Consulte, prezado leitor, um desses especialistas sobre a prosaica possibilidade de investir seu 13° salário, arduamente preservado das orgias natalinas, e talvez escute algo como: “Temos uma ótima opção, trata-se de uma operação de CRI relativamente longa (15 anos na série mais curta). Mas a rentabilidade esperada é a da NTN-B 2018 + um spread máximo de 0,737%, a ser formado em leilão. Hoje uma NTNNB 2018 paga “IPCA + 5,235%”  – para quem aposta em Brasil e, consequentemente, na convergência da taxa real de juros. E fica mais interessante porque essa rentabilidade é líquida de IR para PF”. Simples, não?

Que fazer? Talvez, no futuro, os softwares de tradução, que hoje já são bem sofisticados, evoluam a ponto de permitir a conversão, em tempo real, dos dialetos corporativos para a língua pátria. Mas não nos iludamos. Provavelmente, ainda se passarão muitos anos até que um sistema de inteligência artificial seja capaz de decifrar e consertar problemas oriundos do uso exótico que certos profissionais e executivos fazem de suas habilidades verbais.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.