Economia

Marcio Pochmann: “Temer não é Itamar”

Em 2017, a economia evidenciará ainda mais os sinais da depressão com o encolhimento da capacidade de produção, avalia o economista

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Parte de quem apoiou o impedimento da presidenta Dilma Rousseff partiu da premissa que a ascensão de um novo governante imporia o fim da recessão. Bastaria a equipe econômica considerada dream team do rentismo entrar em campo para o placar imediatamente ser revertido.

De certa forma, uma expectativa fundada no passado anterior, quando a recessão econômica no governo Collor, interrompido em 1992, ficou para trás por força do novo impulso associado ao presidente Itamar Franco. Em 1992, a economia brasileira registrou retração de 0,5% ante a expansão de 1% no ano anterior. Mas em 1993, sob a condução de Itamar, o Produto Interno Bruto saiu da recessão para a expansão de 4,8% e, em 1994, o crescimento de 5,9%.

Para tanto, não houve reformas contra a administração anterior, mas simplesmente a vontade do governante de interromper a recessão e apostar no crescimento econômico fundamental para o enfrentamento do desemprego e da queda no rendimento médio da população. Com o Plano Real, também implementado por Itamar no segundo semestre de 1994, a baixa taxa de inflação voltou a ser uma realidade nacional. 

Duas décadas após, a situação do Brasil parece ser completamente diferente. Se a desaceleração e a recessão da economia brasileira podem ser creditadas ao governo da presidenta Dilma, a depressão gestada desde o segundo semestre de 2016 resulta da opção exclusiva do mandato Temer. Isso porque a recente reorientação neoliberal de ataque às bases da economia social montadas desde a Constituição Federal de 1988 altera parcela significativa do comportamento geral da demanda agregada nacional e desconstrói consideravelmente a elevação do padrão de vida dos brasileiros, sobretudo daqueles situados na base da pirâmide social.

Entre 2011 e 2014, a economia nacional cresceu 1,5% como média anual, inegável desaceleração se comparada à expansão de 4,6% ao ano no período de 2007 a 2010. Durante o primeiro mandato de Dilma, a ascensão dos princípios de economia da oferta (supply side), substitutiva da conduta keynesiana anterior de estímulos à demanda agregada, contraiu parcialmente as fontes internas de dinamismo ainda mais diante da piora do contexto econômico internacional. A taxa de investimento decresceu 0,25% como média anual de 2011 a 2014 ante a expansão de 10,1% entre 2007 e 2010.

Em 2015 e 2016, a adoção da política recessiva reduziu o nível geral da atividade econômica em cerca de 8%. A queda acentuada no comportamento do Produto Interno Bruto deveu-se tanto ao choque de custos imposto ao setor produtivo (elevação combinada de juros, preços administrados e câmbio) quanto à contração dos gastos e investimentos no setor público.

A entronização de Temer com a interrupção do segundo governo Dilma não levou ao abandono da orientação recessiva. Ao contrário. Indica a liquidação da base da economia social assentada nos grandes complexos do Estado de bem estar social, especialmente no âmbito da seguridade social (saúde, previdência e assistência social) e educação, que havia se mostrada favorável ao avanço do gasto social relativo ao PIB.

Atualmente, o gasto social agregado se aproxima de 23% do PIB, quase dez pontos percentuais a mais do que o verificado em 1985, equivalente a 13,5%. De cada quatro reais gastos no País, um vincula-se diretamente à economia social. Se for contabilizado o seu efeito multiplicador (elasticidade de renda de 0,8) pode-se estimar que quase a metade da produção de riqueza nacional se encontra relacionado direta e indiretamente dinâmica da economia social.

De maneira geral, registra-se também que o rendimento das famílias depende, em média, de quase um quinto das transferências monetárias derivadas das políticas previdenciárias e assistenciais da seguridade social brasileira. Antes da Constituição Federal de 1988, as famílias não chegavam a deter, em média, 10% dos seus rendimentos com transferências monetárias. Enquanto na base da pirâmide social, o peso das transferências monetárias no rendimento das famílias cresceu 4,1 vezes em quase três décadas (de 7% para 29%), no cume aumentou 2,4 vezes (de 8% para 19%).

A aprovação da emenda constitucional 241/55, aquela do teto aos gastos públicos não financeiros, eleva a instabilidade política com a ruptura do acordo político de 1988 e dissolve parcela significativa do dinamismo possível da produção pela economia social. A receita da depressão econômica combinada do salve-se quem puder.

Resumidamente, sabe-se hoje que Temer não é Itamar Franco, por várias razões, embora os dois tenham sido vice-presidentes que alçaram a condição de presidente em virtude de impeachment. Em 2017 isso será mais evidente, quando ao invés do crescimento, a economia evidenciar ainda mais os sinais da depressão com o encolhimento da capacidade de produção (desinvestimento). Quem viver, verá!

* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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