Sociedade

Inferno na torre… de marfim

A engenharia, a advocacia e a medicina já tiveram dias melhores, mas seguem a trilha da proletarização

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Certas profissões e ocupações -povoam os sonhos dos jovens, sugerindo autorrealização ou simbolizando status. Porém, após conhecerem o apogeu, parecem seguir para um inevitável declínio.

A engenharia, a advocacia e a medicina já tiveram dias melhores, mas seguem a trilha da proletarização, perdendo o prestígio e a aura. A economia e a administração também mostram sinais de decadência, depois de momentos fugazes de glória. Fenômeno similar parece atingir a ocupação de professor-pesquisador, praticada por uma pequena elite, incrustada nos andares mais elevados das torres de marfim do ensino superior. Comecemos pelo sonho. Depois, o feijão.

O professor-pesquisador, profissional que atua em programas de pós-graduação, é um ser privilegiado.

Não é nem será um milionário, mas conta com salário digno e emprego vitalício. Tem liberdade para trabalhar no que lhe interessa e conta com acesso facilitado aos recursos de fundos de pesquisa.

Viaja regularmente pelo mundo para discutir suas descobertas científicas em cidades fascinantes e resorts bucólicos. Dedica-se à nobre função do magistério, mas apenas oito meses por ano. Leciona poucas horas por semana para pequenas classes povoadas por corações interessados e mentes brilhantes.

 

Seu horário de trabalho é flexível e seus objetivos e metas são determinados por ele mesmo. Vive em um campus arborizado e tranquilo, longe da poluição e da agitação. Seus encontros sociais envolvem conversas inteligentes sobre temas relevantes. Desobrigado de olhar para o tedioso presente, concentra-se em desvendar o passado e mirar o futuro.

De tempos em tempos, para ampliar seus horizontes, tem direito a um período sabático, durante o qual, com apoio de uma agência governamental, leva sua família para a Europa ou para os Estados Unidos. É reconhecido por seus pares e pela sociedade, que o têm na mais alta conta por sua sapiência e dedicação desinteressada ao bem comum. Afinal, ajuda a edificar os pilares do nosso progresso tecnológico e a formar nossa futura elite intelectual.

Essa imagem idílica pode ser observada em Harvard, Oxford e Cambridge ou, mais provavelmente, nos películas de Hollywood que romanceiam a vida nessas universidades. No entanto, a realidade parece caminhar em outra direção.

Em renomadas instituições de ensino locais o mato cresce, o ar-condicionado não funciona, as mentes brilhantes deram lugar a criaturas conformistas e opacas, e a vida acadêmica assemelha-se cada vez mais ao trabalho em uma linha de montagem fordista, com capatazes, metas e uma irritante burocracia.

Consequência: cresce o descontentamento com as condições de trabalho e as pressões por produtividade na torre de marfim. Parte da revolta deve-se à reação usual a mudanças. No entanto, há também uma preocupação legítima com um sistema caro, pouco produtivo e que apresenta efeitos colaterais preocupantes, como a multiplicação de mestres e doutores ineptos e a proliferação de artigos científicos que nunca serão lidos.

Uma pesquisa publicada recentemente por Otacilio Antunes Santana, do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, explora outra dimensão preocupante da mesma questão: o efeito das condições de trabalho sobre a saúde dos docentes de pós-graduação.

Seu ponto de partida foi a constatação do aumento de pedidos de licenças médicas, principalmente aquelas relacionadas a sintomas ou consequências de doenças cardiovasculares.

Santana analisou dados de 540 professores de seis faixas etárias, entre 36 e 65 anos. Suas conclusões fazem eco a um debate emergente na academia brasileira, acerca da pressão por produção científica e pela formação de mestres e doutores.

A pesquisa comprovou que, quanto maior o número de publicações científicas e o número de orientandos, maior o número de intervenções cardíacas, doenças coronárias e acidentes vasculares cerebrais. Em suma, trabalhar nessas condições faz mal.

O quadro é agravado, segundo Santana, pela falta de dieta equilibrada, de atividades físicas e acompanhamento médico -regular dos docentes.

Nas mais diversas latitudes e longitudes, o modelo tradicional de universidade está sendo criticado. Acelerar a linha de montagem e produzir mais mestres, doutores e artigos científicos é uma resposta simples para o desafio que se coloca, mas parece estar matando os operários e prejudicando a qualidade da produção.

Pode ser mais um marco da passagem da era da elite bem pensante para a da pesquisa burocrática, conduzida por operários do conhecimento, uma etapa que talvez ainda resulte em ciência, mas por enquanto apenas mascara um sistema caro, improdutivo e insalubre.

Certas profissões e ocupações -povoam os sonhos dos jovens, sugerindo autorrealização ou simbolizando status. Porém, após conhecerem o apogeu, parecem seguir para um inevitável declínio.

A engenharia, a advocacia e a medicina já tiveram dias melhores, mas seguem a trilha da proletarização, perdendo o prestígio e a aura. A economia e a administração também mostram sinais de decadência, depois de momentos fugazes de glória. Fenômeno similar parece atingir a ocupação de professor-pesquisador, praticada por uma pequena elite, incrustada nos andares mais elevados das torres de marfim do ensino superior. Comecemos pelo sonho. Depois, o feijão.

O professor-pesquisador, profissional que atua em programas de pós-graduação, é um ser privilegiado.

Não é nem será um milionário, mas conta com salário digno e emprego vitalício. Tem liberdade para trabalhar no que lhe interessa e conta com acesso facilitado aos recursos de fundos de pesquisa.

Viaja regularmente pelo mundo para discutir suas descobertas científicas em cidades fascinantes e resorts bucólicos. Dedica-se à nobre função do magistério, mas apenas oito meses por ano. Leciona poucas horas por semana para pequenas classes povoadas por corações interessados e mentes brilhantes.

 

Seu horário de trabalho é flexível e seus objetivos e metas são determinados por ele mesmo. Vive em um campus arborizado e tranquilo, longe da poluição e da agitação. Seus encontros sociais envolvem conversas inteligentes sobre temas relevantes. Desobrigado de olhar para o tedioso presente, concentra-se em desvendar o passado e mirar o futuro.

De tempos em tempos, para ampliar seus horizontes, tem direito a um período sabático, durante o qual, com apoio de uma agência governamental, leva sua família para a Europa ou para os Estados Unidos. É reconhecido por seus pares e pela sociedade, que o têm na mais alta conta por sua sapiência e dedicação desinteressada ao bem comum. Afinal, ajuda a edificar os pilares do nosso progresso tecnológico e a formar nossa futura elite intelectual.

Essa imagem idílica pode ser observada em Harvard, Oxford e Cambridge ou, mais provavelmente, nos películas de Hollywood que romanceiam a vida nessas universidades. No entanto, a realidade parece caminhar em outra direção.

Em renomadas instituições de ensino locais o mato cresce, o ar-condicionado não funciona, as mentes brilhantes deram lugar a criaturas conformistas e opacas, e a vida acadêmica assemelha-se cada vez mais ao trabalho em uma linha de montagem fordista, com capatazes, metas e uma irritante burocracia.

Consequência: cresce o descontentamento com as condições de trabalho e as pressões por produtividade na torre de marfim. Parte da revolta deve-se à reação usual a mudanças. No entanto, há também uma preocupação legítima com um sistema caro, pouco produtivo e que apresenta efeitos colaterais preocupantes, como a multiplicação de mestres e doutores ineptos e a proliferação de artigos científicos que nunca serão lidos.

Uma pesquisa publicada recentemente por Otacilio Antunes Santana, do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, explora outra dimensão preocupante da mesma questão: o efeito das condições de trabalho sobre a saúde dos docentes de pós-graduação.

Seu ponto de partida foi a constatação do aumento de pedidos de licenças médicas, principalmente aquelas relacionadas a sintomas ou consequências de doenças cardiovasculares.

Santana analisou dados de 540 professores de seis faixas etárias, entre 36 e 65 anos. Suas conclusões fazem eco a um debate emergente na academia brasileira, acerca da pressão por produção científica e pela formação de mestres e doutores.

A pesquisa comprovou que, quanto maior o número de publicações científicas e o número de orientandos, maior o número de intervenções cardíacas, doenças coronárias e acidentes vasculares cerebrais. Em suma, trabalhar nessas condições faz mal.

O quadro é agravado, segundo Santana, pela falta de dieta equilibrada, de atividades físicas e acompanhamento médico -regular dos docentes.

Nas mais diversas latitudes e longitudes, o modelo tradicional de universidade está sendo criticado. Acelerar a linha de montagem e produzir mais mestres, doutores e artigos científicos é uma resposta simples para o desafio que se coloca, mas parece estar matando os operários e prejudicando a qualidade da produção.

Pode ser mais um marco da passagem da era da elite bem pensante para a da pesquisa burocrática, conduzida por operários do conhecimento, uma etapa que talvez ainda resulte em ciência, mas por enquanto apenas mascara um sistema caro, improdutivo e insalubre.

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