Cultura

Disponível para saque

Confesso que quando a minha empregada pergunta que parte do jornal ela pode forrar o chão da cozinha na hora de fritar batatas, eu não penso duas vezes e digo: o caderno de economia!

Milhões de brasileiros que declararam Imposto de Renda entre 1967 e 1983 têm uma bolada a receber, mas se esqueceram de correr atrás do dinheiro
Apoie Siga-nos no

Entendo pouco, muito pouco mesmo de economia. Confesso que quando a minha empregada pergunta que parte do jornal ela pode forrar o chão da cozinha na hora de fritar batatas, eu não penso duas vezes e digo: o caderno de economia! Sei que vocês podem achar isso um sacrilégio, mas é verdade.  E não é só parar aparar o óleo de canola que espirra da frigideira que servem os cadernos de economia aqui na minha casa. Seu Antônio, o pintor, já sabe que quando vem pintar o apartamento a cada dois anos, para forrar o chão, caderno de Economia!

Que Lilian Wite Fibe não me ouça porque como editor-chefe do jornal que ela apresentava outrora, eu tinha de fazer cara não só de entendido como de interessado pelo assunto. E olha que a economia era assunto de primeira ordem no telejornal que fechávamos todos os dias úteis. IPCA, IGP-M, INPC, TR, CDI… ela falava disso como quem estivesse falando de arroz com feijão.

A Lilian informava o valor do ouro, o rendimento da poupança, o movimento nas Bolsas, a  cotação do dólar, da libra esterlina, do franco francês, do marco alemão com a mesma empolgação de um narrador gritando gol num Fla-Flu, num Gre-Nal ou num Atlético e Cruzeiro em dia de decisão.

Confesso que gostaria de entender pelo menos um pouquinho de economia. O máximo que sei são as contas que tenho de pagar e que faço questão de não atrasar nunca porque senão tem multa e um tal de juros que são de doer.

Sei que os tempos mudaram e nessa era virtual é possível passar o mês sem ver a cor do dinheiro, só fazendo transações pra lá e pra cá pela internet. Lá pelos anos 60, todo dia primeiro o meu pai ia ao Banco do Brasil receber o ordenado. Levava todo o dinheiro pra casa e colocava em envelopes que entregava para a minha mãe: mercado, feira, escola, água, luz, gás, telefone, remédios, prestação da Rural e um tal de… diversos.

Últimas crônicas de Alberto Villas:

Essa semana  peguei um táxi no Aeroporto de Congonhas e o motorista, como eu, parecia não entender nada ou quase nada de economia. Analisando assim por alto ele poderia até mesmo ser  chamado de irresponsável. Mas a vida do Marcelo corre assim.

– Quando tiro aquele papelzinho no caixa 24 horas eu não quero saber o que entrou, o que saiu, só quero saber quanto tenho disponível para saque. Vou direto no tal do disponível para saque e é ali que está a minha fortuna.

O Marcelo confessou que nunca faz contas.

– Esse carro aqui é novo, troquei semana passada. Quando vi  quanto tinha disponível para saque e que dava para fazer a troca, fiz. Quanto estou devendo pro banco? Não faço a menor idéia.

Foi assim que o motorista de táxi Marcelo trocou a geladeira, o fogão, comprou um BlackBerry e construiu um puxadinho na casa onde mora no bairro de Pirituba com direito a churrasco na laje e tudo mais.

No percurso até a Vila Romana, ele me deu uma aula.

– O brasileiro perdeu o medo. Antes fazia contas quando ia comprar um carro financiado em 60 vezes. Se antigamente ele pensava que quando fosse pagar a última prestação o carro já não existia mais, hoje ele não esquenta a cabeça, não  está nem ai.  Sabe que vai comprar um microondas a prestação pagando o valor de dois mas compra. Essa é a filosofia do Marcelo, brasileiro, motorista de táxi.

– Nos Estados Unidos, a pessoa compra com cartão porque tem dinheiro para pagar. Aqui não. Aqui ele pensa assim: Não tenho dinheiro? Vou comprar no cartão.

Ele me disse que há muitos anos o cheque especial foi incorporado ao seu salário e que só é chato com dinheiro na hora do troco.

– Esse negócio de vender a 3.99, 8.99, 19.99, tudo com 99 no final não me engana não. Se custa 9.99 e dou uma nota de 10 faço questão do troco, do um centavo.

Ah, como deve ser bom viver como o Marcelo sem ter a mínima ideia do que significa produto interno bruto, encaixe compulsório, alienação fiduciária, taxa Selic e o tal do índice Nasdaq que falam todos os dias na televisão.

Entendo pouco, muito pouco mesmo de economia. Confesso que quando a minha empregada pergunta que parte do jornal ela pode forrar o chão da cozinha na hora de fritar batatas, eu não penso duas vezes e digo: o caderno de economia! Sei que vocês podem achar isso um sacrilégio, mas é verdade.  E não é só parar aparar o óleo de canola que espirra da frigideira que servem os cadernos de economia aqui na minha casa. Seu Antônio, o pintor, já sabe que quando vem pintar o apartamento a cada dois anos, para forrar o chão, caderno de Economia!

Que Lilian Wite Fibe não me ouça porque como editor-chefe do jornal que ela apresentava outrora, eu tinha de fazer cara não só de entendido como de interessado pelo assunto. E olha que a economia era assunto de primeira ordem no telejornal que fechávamos todos os dias úteis. IPCA, IGP-M, INPC, TR, CDI… ela falava disso como quem estivesse falando de arroz com feijão.

A Lilian informava o valor do ouro, o rendimento da poupança, o movimento nas Bolsas, a  cotação do dólar, da libra esterlina, do franco francês, do marco alemão com a mesma empolgação de um narrador gritando gol num Fla-Flu, num Gre-Nal ou num Atlético e Cruzeiro em dia de decisão.

Confesso que gostaria de entender pelo menos um pouquinho de economia. O máximo que sei são as contas que tenho de pagar e que faço questão de não atrasar nunca porque senão tem multa e um tal de juros que são de doer.

Sei que os tempos mudaram e nessa era virtual é possível passar o mês sem ver a cor do dinheiro, só fazendo transações pra lá e pra cá pela internet. Lá pelos anos 60, todo dia primeiro o meu pai ia ao Banco do Brasil receber o ordenado. Levava todo o dinheiro pra casa e colocava em envelopes que entregava para a minha mãe: mercado, feira, escola, água, luz, gás, telefone, remédios, prestação da Rural e um tal de… diversos.

Últimas crônicas de Alberto Villas:

Essa semana  peguei um táxi no Aeroporto de Congonhas e o motorista, como eu, parecia não entender nada ou quase nada de economia. Analisando assim por alto ele poderia até mesmo ser  chamado de irresponsável. Mas a vida do Marcelo corre assim.

– Quando tiro aquele papelzinho no caixa 24 horas eu não quero saber o que entrou, o que saiu, só quero saber quanto tenho disponível para saque. Vou direto no tal do disponível para saque e é ali que está a minha fortuna.

O Marcelo confessou que nunca faz contas.

– Esse carro aqui é novo, troquei semana passada. Quando vi  quanto tinha disponível para saque e que dava para fazer a troca, fiz. Quanto estou devendo pro banco? Não faço a menor idéia.

Foi assim que o motorista de táxi Marcelo trocou a geladeira, o fogão, comprou um BlackBerry e construiu um puxadinho na casa onde mora no bairro de Pirituba com direito a churrasco na laje e tudo mais.

No percurso até a Vila Romana, ele me deu uma aula.

– O brasileiro perdeu o medo. Antes fazia contas quando ia comprar um carro financiado em 60 vezes. Se antigamente ele pensava que quando fosse pagar a última prestação o carro já não existia mais, hoje ele não esquenta a cabeça, não  está nem ai.  Sabe que vai comprar um microondas a prestação pagando o valor de dois mas compra. Essa é a filosofia do Marcelo, brasileiro, motorista de táxi.

– Nos Estados Unidos, a pessoa compra com cartão porque tem dinheiro para pagar. Aqui não. Aqui ele pensa assim: Não tenho dinheiro? Vou comprar no cartão.

Ele me disse que há muitos anos o cheque especial foi incorporado ao seu salário e que só é chato com dinheiro na hora do troco.

– Esse negócio de vender a 3.99, 8.99, 19.99, tudo com 99 no final não me engana não. Se custa 9.99 e dou uma nota de 10 faço questão do troco, do um centavo.

Ah, como deve ser bom viver como o Marcelo sem ter a mínima ideia do que significa produto interno bruto, encaixe compulsório, alienação fiduciária, taxa Selic e o tal do índice Nasdaq que falam todos os dias na televisão.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo