Economia

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A história mostra que um Estado forte a regular o mercado financeiro permite melhorar a qualidade dos bens e serviços. Já um Estado À mercê do mercado, não

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Não há leis naturais na economia nem equilíbrio de longo prazo capazes de determinar a combinação ótima da relação Estado versus Mercado. A história mostra que um Estado constitucionalmente controlado, suficientemente forte para impor regulação aos mercados, particularmente ao mercado financeiro, é uma combinação razoável que permite um aumento da quantidade de bens e serviços, usando os recursos quase sempre escassos das sociedades. A antinomia entre Estados e mercados demonstrou ser disfuncional.

No Brasil, contudo, não se resiste a uma boa dicotomia, mesmo que ela seja meramente semântica e principalmente desprovida de conteúdo. “Temos” de ser keynesianos ou não keynesianos, marxistas ou antimarxistas, dependentes do mainstream ou heterodoxos, defensores do Estado mínimo e do setor privado “máximo” ou vice-versa, de um Estado máximo e do setor privado “mínimo”, “desenvolvimentistas” ou “monetaristas”.

Cada uma dessas categorias é um conjunto vazio. Marx nunca foi “marxista” e até desconfiava dos que se diziam marxistas; Keynes mantinha distância de quem se declarava “keynesiano”; Samuelson, o criador da síntese “neoclássica”, teve frequentes achaques de fraqueza heterodoxa; e Hayeck, ao contrário do que dizem, não defendeu o mercado “perfeito” e desconfiava das “maquinações” financeiras… Nem o mais míope dos “desenvolvimentistas” nega as restrições impostas pelas limitações da poupança interna e os riscos da externa; nem o mais exagerado “monetarista” ignora que o “equilíbrio monetário” não é um fim em si mesmo, mas instrumento para acelerar o crescimento, e não inibi-lo…

Pois não é que neste momento em que o governo lança um importante programa para transferir investimentos de infraestrutura para o setor privado, que é mais eficiente e tem como obter recursos fora do Tesouro, uma parte da mídia (a de sempre) “descobre” que a administração federal está infectada no setor aeroportuário por duas novas categorias que divergem sobre o papel da Infraero, os “privatistas” e os “estatizantes”?

Como todo ser público ou privado, a Infraero tem no seu DNA a inexorável propensão à sobrevivência e à sua reprodução. Trata-se de organismos vivos cujos colaboradores buscam a sua cota de poder aumentando o número de subordinados, como afirma a velha lei de Parkinson. O problema nada tem de ideológico. Tem a ver com o poder detido nas mãos dos administradores! Tudo absolutamente humano, natural, quase biológico! Com que misteriosa racionalidade há de convencer-se alguém que deve ceder o seu pequeno “espaço de poder” duramente conquistado e bravamente defendido a cada ano no Congresso Nacional para ampliar o seu orçamento?

O mundo não está ameaçado pelos problemas dos “mercados” ou do “capitalismo privado”, mas por uma “falha” dos governos que foram incapazes de manter o sistema financeiro sob a rígida regulação construída nos anos 30 do século passado.

Apesar de todas as incertezas que nos cercam, o mundo não vai acabar. O Brasil tem uma miríade de problemas a resolver e não podemos atacá-los ao mesmo tempo. Há que hierarquizá-los corretamente, e é isso o que me parece que a presidenta Dilma Rousseff e sua equipe estão fazendo com inteligência.

Hoje, os constrangimentos impostos pela deficiência de nossa infraestrutura e suas consequências logísticas colocam-na como a primeira prioridade e por isso foi correto lançar esse grande programa de concessões e recriar a empresa de planejamento (nos moldes do antigo Geipot) para cuidar do problema logístico, abandonado desde 1985.

A questão fundamental é que, não existindo recursos públicos, será indispensável cooptar o setor privado, com leilões seguros que fixem as condições mais adequadas para a sua compatibilização com o interesse público. O governo e muito menos o BNDES criam recursos.

Na melhor das hipóteses, o primeiro pode economizar no custeio e aumentar seus investimentos. No limite poderia aumentar os impostos e desperdiçá-los na baixa produtividade dos investimentos que faz diretamente, reduzindo o crescimento.

O Tesouro só tem recursos se houver um superávit fiscal autêntico ou um aumento do endividamento junto ao público, que para ser efetivo tem de reduzir ou o consumo ou o investimento privado, anulando parte do seu efeito no crescimento.

Tal disputa não é sobre racionalidade econômica, mas sobre as conveniências do “poder” de controlar diretamente a atividade.

Últimos artigos de Delfim Netto:

Não há leis naturais na economia nem equilíbrio de longo prazo capazes de determinar a combinação ótima da relação Estado versus Mercado. A história mostra que um Estado constitucionalmente controlado, suficientemente forte para impor regulação aos mercados, particularmente ao mercado financeiro, é uma combinação razoável que permite um aumento da quantidade de bens e serviços, usando os recursos quase sempre escassos das sociedades. A antinomia entre Estados e mercados demonstrou ser disfuncional.

No Brasil, contudo, não se resiste a uma boa dicotomia, mesmo que ela seja meramente semântica e principalmente desprovida de conteúdo. “Temos” de ser keynesianos ou não keynesianos, marxistas ou antimarxistas, dependentes do mainstream ou heterodoxos, defensores do Estado mínimo e do setor privado “máximo” ou vice-versa, de um Estado máximo e do setor privado “mínimo”, “desenvolvimentistas” ou “monetaristas”.

Cada uma dessas categorias é um conjunto vazio. Marx nunca foi “marxista” e até desconfiava dos que se diziam marxistas; Keynes mantinha distância de quem se declarava “keynesiano”; Samuelson, o criador da síntese “neoclássica”, teve frequentes achaques de fraqueza heterodoxa; e Hayeck, ao contrário do que dizem, não defendeu o mercado “perfeito” e desconfiava das “maquinações” financeiras… Nem o mais míope dos “desenvolvimentistas” nega as restrições impostas pelas limitações da poupança interna e os riscos da externa; nem o mais exagerado “monetarista” ignora que o “equilíbrio monetário” não é um fim em si mesmo, mas instrumento para acelerar o crescimento, e não inibi-lo…

Pois não é que neste momento em que o governo lança um importante programa para transferir investimentos de infraestrutura para o setor privado, que é mais eficiente e tem como obter recursos fora do Tesouro, uma parte da mídia (a de sempre) “descobre” que a administração federal está infectada no setor aeroportuário por duas novas categorias que divergem sobre o papel da Infraero, os “privatistas” e os “estatizantes”?

Como todo ser público ou privado, a Infraero tem no seu DNA a inexorável propensão à sobrevivência e à sua reprodução. Trata-se de organismos vivos cujos colaboradores buscam a sua cota de poder aumentando o número de subordinados, como afirma a velha lei de Parkinson. O problema nada tem de ideológico. Tem a ver com o poder detido nas mãos dos administradores! Tudo absolutamente humano, natural, quase biológico! Com que misteriosa racionalidade há de convencer-se alguém que deve ceder o seu pequeno “espaço de poder” duramente conquistado e bravamente defendido a cada ano no Congresso Nacional para ampliar o seu orçamento?

O mundo não está ameaçado pelos problemas dos “mercados” ou do “capitalismo privado”, mas por uma “falha” dos governos que foram incapazes de manter o sistema financeiro sob a rígida regulação construída nos anos 30 do século passado.

Apesar de todas as incertezas que nos cercam, o mundo não vai acabar. O Brasil tem uma miríade de problemas a resolver e não podemos atacá-los ao mesmo tempo. Há que hierarquizá-los corretamente, e é isso o que me parece que a presidenta Dilma Rousseff e sua equipe estão fazendo com inteligência.

Hoje, os constrangimentos impostos pela deficiência de nossa infraestrutura e suas consequências logísticas colocam-na como a primeira prioridade e por isso foi correto lançar esse grande programa de concessões e recriar a empresa de planejamento (nos moldes do antigo Geipot) para cuidar do problema logístico, abandonado desde 1985.

A questão fundamental é que, não existindo recursos públicos, será indispensável cooptar o setor privado, com leilões seguros que fixem as condições mais adequadas para a sua compatibilização com o interesse público. O governo e muito menos o BNDES criam recursos.

Na melhor das hipóteses, o primeiro pode economizar no custeio e aumentar seus investimentos. No limite poderia aumentar os impostos e desperdiçá-los na baixa produtividade dos investimentos que faz diretamente, reduzindo o crescimento.

O Tesouro só tem recursos se houver um superávit fiscal autêntico ou um aumento do endividamento junto ao público, que para ser efetivo tem de reduzir ou o consumo ou o investimento privado, anulando parte do seu efeito no crescimento.

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