Economia

Câmbio e infraestrutura emperram competitividade do Brasil

Em evento de CartaCapital, empresários e integrantes do governo federal discutiram barreiras à indústria do País

O ministro Fernando Pimentel participa do debate ao lado do presidente da Vale, Murilo Ferreira, e do ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira
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Ainda em meio às incertezas da crise econômica mundial, empresários e integrantes do governo federal elegeram na terça-feira 7 o real valorizado e os problemas de infraestrutura as maiores barreiras para a competitividade produtiva do Brasil no mercado internacional. Os debates sobre o tema ocorreram durante Fórum de Economia organizado por CartaCapital, em São Paulo.

O câmbio foi apontado como um dos principais responsáveis pela queda nas exportações nos últimos meses e pelos problemas de investimento na indústria nacional. “O Brasil tem um câmbio flutuante que funciona, mas isso não quer dizer que o governo não possa intervir”, afirmou Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento. “Uma câmbio flutuante pode ter a ajuda de uma bóia, pois nos países desenvolvidos, como os EUA, eles têm usado bigornas para afundar o valor de suas moedas.”

Segundo o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, esse quadro fragiliza ainda mais a indústria nacional por provocar uma inundação de produtos importados no mercado interno do País. Uma saída, argumenta, seria aumentar a produtividade de setores com baixo valor agregado e manter o câmbio entre 2,80 e 2,90 reais por dólar, mesmo que isso implique em alta da inflação. “Vamos ter que desistir por algum tempo da meta da inflação. E os salários também vão cair um pouco, mas depois crescerão muito mais e teríamos uma retomada da industrialização.”

O governo, no entanto, não está disposto a permitir uma redução do custo de produção por meio da perda de poder de compra dos trabalhadores. Tenta, então, reduzir os custos da produção com a exoneração da folha de pagamento, cortes no valor da conta de energia elétrica e descontos no IPI.

Medidas que, segundo Pimentel, precisam considerar o atual processo de transformação do padrão industrial do mundo, com o deslocamento de indústrias em busca de maior produtividade, não apenas geograficamente, mas também em sua forma de estruturação. “Os itens dos aparelhos da Apple, por exemplo, não são produzidos pela empresa. Ela fez só o design e o software. O resto é feito por uma cadeia de fornecedores globalizada e a China monta, em um modelo industrial completamente diferente do fordismo.”

Esse processo ameaçaria os países com bases industriais sólidas, como o Brasil, que precisam investir em inovações tecnológicas em suas cadeias produtivas para reduzirem os impactos dessa mudança. Além de superar os gargalos de infraestrutura e de um sistema tributário “quase incompreensível”. “Estamos fazendo desonerações à indústria e uma reformulação do PIS-Cofins. Outro exemplo é o ICMS, que tem 27 regulações no País. Esperamos aprovar uma unificação no Congresso e estabelecer alíquotas adequadas”, comentou Pimentel.

Para crescer em níveis constantes, concordaram os palestrantes, é preciso investir em infraestrutura. E o momento atual da economia brasileira não poderia ser mais simbólico: os aeroportos estão sobrecarregados, algumas cargas demoram semanas para entrar e saír dos portos e o transporte rodoviário é ineficiente. “Para o investidor isso significa um risco de demanda pequeno. Existe uma demanda grande e reprimida. Há espaço para financiamento de longo prazo”, afirmou Murilo Portugal, presidente da Febraban.

Segundo ele, o financiamento no Brasil tem evoluído. “O crédito bancário vem crescendo mais rápido que o PIB. Esse foi um processo importante no crescimento econômico do País.”

O esforço também é importante para as empresas. A mineradora Vale, por exemplo, enfrenta dificuldades em competir com empresas australianas na venda de minérios para a Ásia, em especial a China e Japão. “A Austrália está a 15 dias de navio da China e Japão, o Brasil a 45. Não querem comprar minério daqui porque, quando chega, os preços estão em condições diferentes. Estamos montando pontos de distribuição nas Filipinas”, disse Murilo Ferreira, presidente da empresa.

Os problemas de infraestrutura brasileiros são conhecidos. Envolvem desde a falta de planejamento de obras à necessidade de investimentos em transporte, como ferrovias. De acordo com Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), o Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) melhorou o conceito de pensar o futuro e destravou obras tão antigas quanto a Ferrovia Norte-Sul, iniciada em 1986.

Em 20 anos de obras da ferrovia, haviam sido construídos 200 quilômetros de trilhos. Com o PAC, em cinco anos foram mais 2 mil quilômetros. “Fizemos uma depuração dos projetos a serem executados. Ao todo, temos cerca de 250 bilhões de reais para investir. Precisamos preparar como esse valor será gasto e também saber como usaremos os próximos 250 bilhões.”

No debate, foi destacado o papel do governo para atrair a iniciativa privada a firmar as chamadas parcerias público privadas, que envolvem desde ferrovias a leilões de rodovias. Isso, no entanto, ainda é pouco, segundo Figueiredo. “As ferrovias atuais não atendem à demanda. Muitas delas são antigas e não modernizadas. Temos que construir onde ainda não há uma malha, como no Centro-Oeste.”

As reformas, entretanto, também podem ser menores. “Devemos retomar o conceito de realizar reformas que reduzam custos transação, desde abrir ou fechar uma empresa. São medidas pequenas que acumuladas geram uma mudança ampla”, defende Portugal. E André Esteves, presidente do BTG Pactual, também presente no Fórum, completa: “É preciso trazer ao debate diversas reformas microeconômicas, como a desburocratização e a facilidade de fazer negócios, que vão destravar o sistema e ajudar o País a andar.”

A longo prazo, reforça Esteves, investir na educação é uma demanda fundamental. “Precisamos de escolas de qualidade que formem mais engenheiros e médicos. A educação se traduz em produtividade.”

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