Economia

A estratégia chinesa

Há praticamente três décadas a China mantém uma política de desenvolvimento, apoiada em uma consistente taxa de câmbio superdesvalorizada

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É perda de tempo criticar a China porque adotou um “dollar standard” para administrar com milimétrico controle as variações do câmbio, mantendo sua moeda, o yuan, desvalorizada. Isso lhe tem proporcionado um enorme proveito em seu comércio externo. O Brasil fez algo parecido há quatro décadas, quando iniciou a diversificação de suas exportações, administrando um mecanismo “flexível” de câmbio em relação a uma cesta de moedas, o que ajudou sua economia a crescer 10% em média nos sete ou oito anos que precederam a maldição da crise do petróleo no último quarto do século XX.

Há praticamente três décadas a China mantém uma inteligente política de desenvolvimento (estimulada pelos EUA para isolá-la da URSS no tempo da Guerra Fria), apoiada numa consistente taxa de câmbio superdesvalorizada. Devemos cumprimentá-la ou invejá-la por cuidar tão bem dos interesses de seu povo? É correto culpá-la pela gênese da “guerra cambial” entre Estados Unidos, Eurolândia e ela própria? O Brasil foi muito criticado pela concorrência sob o pretexto de que “manipulava” o câmbio, à época.

Hoje, podemos dizer que manter o câmbio superdesvalorizado e fingir que segue as regras do “bom e honesto comércio” definido pela OMC é uma manifestação hostil com relação aos seus parceiros. No caso, por exemplo, da perda das condições de competição interna entre os produtos da nossa indústria e os produtos chineses importados, é possível aceitar que a superdesvalorização do yuan, somada à supervalorização do real, é uma das causas, mas não é a causa de tudo. É, entretanto, tolice dizer que as perdas são devidas à incapacidade competitiva da indústria nacional.

A luta entre os três parceiros é complicada. A China leva uma grande vantagem: adotou, sem vergonha e sem remorso, uma espécie de “dollar standard”, com o yuan controlado num nível praticamente fixo com relação ao valor do dólar americano. A briga de cachorro grande é entre a América e a Eurolândia. Os Estados Unidos beneficiam-se do fato de ser uma federação fiscal, com instrumentos redistributivos, de ter uma única língua, facilidades migratórias em seu imenso território de economia diversificada e poder dispor de um banco central como emprestador de última instância.

É preciso lembrar que o socorro ao setor financeiro que produziu a crise de 2007-2009 destruiu as finanças dos EUA e revelou as violações fiscais dos países da Eurolândia, cuja correção exige uma redução da demanda pública. Para não diminuir a demanda global (e o crescimento do PIB) é preciso, portanto, aumentar a demanda do setor privado.


É por isso que o Federal Reserve e o Banco Central Europeu, com suas políticas monetárias, estão criando uma desvalorização competitiva entre o dólar e o euro. Os emergentes (com exceção da China) veem as suas taxas de câmbio valorizar-se e seus mercados predados pelo uso da capacidade de produção ociosa dos três gigantes.

Tomemos o caso da Itália para facilitar o entendimento. Não há dúvida de que suas finanças nunca foram de boa qualidade nas últimas duas décadas. Apesar de vários “planos de salvação”, acumulou uma dívida imensa (com relação ao PIB); foi enormemente beneficiada pela entrada na Zona do Euro, que produziu uma convergência da taxa de juros que paga por ela a taxa da dívida alemã, porque os mercados anteciparam que ela cumpriria as condições do Tratado de Maastricht. Ao mesmo tempo, a evolução da política italiana e a falta de continência salarial valorizou “virtualmente” a lira, que está apenas nominalmente fixada em relação ao euro. Isso produziu um déficit em conta corrente que foi financiado de forma inconsequente pelo sistema financeiro internacional, com a conivência das “notas” das agências de risco, para os papéis italianos.

A solução mais razoável para a Itália e seus parceiros é a desvalorização do próprio euro com relação ao dólar. Ela não terá nenhum efeito sobre o comércio dentro da Eurolândia, mas será equivalente a uma desvalorização das suas moedas, aumentando as exportações e diminuindo importações de fora da Zona do Euro.


Um pouco mais da metade das exportações italianas e de seus parceiros são para países fora da Eurolândia, o que significa que a desvalorização do euro é uma ajuda para compensar parte da queda de atividade interna produzida pela política de aperto fiscal.

O grande embaraço é que a política do Fed também estimula a desvalorização do dólar perante o euro, o que já produz resultado visível nos saldos em conta corrente dos EUA, excluído o petróleo.

É perda de tempo criticar a China porque adotou um “dollar standard” para administrar com milimétrico controle as variações do câmbio, mantendo sua moeda, o yuan, desvalorizada. Isso lhe tem proporcionado um enorme proveito em seu comércio externo. O Brasil fez algo parecido há quatro décadas, quando iniciou a diversificação de suas exportações, administrando um mecanismo “flexível” de câmbio em relação a uma cesta de moedas, o que ajudou sua economia a crescer 10% em média nos sete ou oito anos que precederam a maldição da crise do petróleo no último quarto do século XX.

Há praticamente três décadas a China mantém uma inteligente política de desenvolvimento (estimulada pelos EUA para isolá-la da URSS no tempo da Guerra Fria), apoiada numa consistente taxa de câmbio superdesvalorizada. Devemos cumprimentá-la ou invejá-la por cuidar tão bem dos interesses de seu povo? É correto culpá-la pela gênese da “guerra cambial” entre Estados Unidos, Eurolândia e ela própria? O Brasil foi muito criticado pela concorrência sob o pretexto de que “manipulava” o câmbio, à época.

Hoje, podemos dizer que manter o câmbio superdesvalorizado e fingir que segue as regras do “bom e honesto comércio” definido pela OMC é uma manifestação hostil com relação aos seus parceiros. No caso, por exemplo, da perda das condições de competição interna entre os produtos da nossa indústria e os produtos chineses importados, é possível aceitar que a superdesvalorização do yuan, somada à supervalorização do real, é uma das causas, mas não é a causa de tudo. É, entretanto, tolice dizer que as perdas são devidas à incapacidade competitiva da indústria nacional.

A luta entre os três parceiros é complicada. A China leva uma grande vantagem: adotou, sem vergonha e sem remorso, uma espécie de “dollar standard”, com o yuan controlado num nível praticamente fixo com relação ao valor do dólar americano. A briga de cachorro grande é entre a América e a Eurolândia. Os Estados Unidos beneficiam-se do fato de ser uma federação fiscal, com instrumentos redistributivos, de ter uma única língua, facilidades migratórias em seu imenso território de economia diversificada e poder dispor de um banco central como emprestador de última instância.

É preciso lembrar que o socorro ao setor financeiro que produziu a crise de 2007-2009 destruiu as finanças dos EUA e revelou as violações fiscais dos países da Eurolândia, cuja correção exige uma redução da demanda pública. Para não diminuir a demanda global (e o crescimento do PIB) é preciso, portanto, aumentar a demanda do setor privado.


É por isso que o Federal Reserve e o Banco Central Europeu, com suas políticas monetárias, estão criando uma desvalorização competitiva entre o dólar e o euro. Os emergentes (com exceção da China) veem as suas taxas de câmbio valorizar-se e seus mercados predados pelo uso da capacidade de produção ociosa dos três gigantes.

Tomemos o caso da Itália para facilitar o entendimento. Não há dúvida de que suas finanças nunca foram de boa qualidade nas últimas duas décadas. Apesar de vários “planos de salvação”, acumulou uma dívida imensa (com relação ao PIB); foi enormemente beneficiada pela entrada na Zona do Euro, que produziu uma convergência da taxa de juros que paga por ela a taxa da dívida alemã, porque os mercados anteciparam que ela cumpriria as condições do Tratado de Maastricht. Ao mesmo tempo, a evolução da política italiana e a falta de continência salarial valorizou “virtualmente” a lira, que está apenas nominalmente fixada em relação ao euro. Isso produziu um déficit em conta corrente que foi financiado de forma inconsequente pelo sistema financeiro internacional, com a conivência das “notas” das agências de risco, para os papéis italianos.

A solução mais razoável para a Itália e seus parceiros é a desvalorização do próprio euro com relação ao dólar. Ela não terá nenhum efeito sobre o comércio dentro da Eurolândia, mas será equivalente a uma desvalorização das suas moedas, aumentando as exportações e diminuindo importações de fora da Zona do Euro.


Um pouco mais da metade das exportações italianas e de seus parceiros são para países fora da Eurolândia, o que significa que a desvalorização do euro é uma ajuda para compensar parte da queda de atividade interna produzida pela política de aperto fiscal.

O grande embaraço é que a política do Fed também estimula a desvalorização do dólar perante o euro, o que já produz resultado visível nos saldos em conta corrente dos EUA, excluído o petróleo.

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