Economia
A engrenagem da confiança
Enquanto a distância entre o governo e o setor privado ligado à infraestrutura vigorar, é pouco provável que o “espírito animal” dos empresários se manifeste satisfatoriamente
É sempre difícil, se não impossível, encontrar um indicador para traduzir o estado de “bem-estar” na sociedade que incorpore a esperança de as coisas caminharem relativamente bem e que não há razões evidentes para esperar o contrário. Pesquisas empíricas revelam que o sentimento de bem-estar depende, fundamentalmente, do crescimento da renda real dos cidadãos e de sua distribuição na sociedade. Elas sugerem (cada vez mais fortemente) que a melhora dos níveis da igualdade aumenta o bem-estar de todos.
Já comentei aqui a divulgação do resultado de uma abrangente pesquisa internacional (de julho de 2012), com 26 mil indivíduos entrevistados em 21 países, onde se lê: “As pessoas podem pensar que sua situação é melhor que a situação econômica de seus países, mas apenas no Brasil (72%) e na China (70%) uma larga maioria acredita que suas famílias estão melhor hoje do que há cinco anos”.
Vale a pena relembrar aquela justamente famosa proposição de W. I. Thomas para entender o paradoxo brasileiro, de um país extremamente bem avaliado pela sociedade e ao mesmo tempo visto com profunda desconfiança no setor produtivo privado, particularmente o setor financeiro. Diz o “teorema” de Thomas: “Se as pessoas definem as suas circunstâncias como reais, então elas serão reais em suas consequências”… (Merton, R. – Social Theory and Social Structure, 1957).
A falsa ideia generalizada no setor real da economia (não apenas no financeiro), de que a política do governo é hostil ao mercado, objetiva intervir nos preços, controlar a atividade privada e “ampliar a estatização de setores estratégicos”, seria consequência do relacionamento visto como hostil pelos empreendedores diretamente ligados com agentes públicos detentores do poder. Eles tiram as consequências da sua crença e adotam posições defensivas, precisamente quando as circunstâncias exigem a renovação de confiança na política econômica e disposição para investir no aumento da produção.
A divulgação do nível de crescimento do PIB do terceiro para o segundo trimestre deste ano de apenas 0,6% causou desalento, mas isso é passado. A recuperação da atividade (industrial, inclusive) revela que a situação está melhorando. Se os efeitos de todos os estímulos já dados forem capazes de fortalecer o ânimo de investimento dos empresários, talvez possamos ter crescimento de 0,8% no quarto trimestre sobre o terceiro, o que nos levaria a deixar para trás o difícil 2012, e rodar a uma taxa anualizada de 3,6%.
Decepção mesmo foi contar cinco trimestres consecutivos de redução do nível de investimentos (até setembro de 2012). O problema é que nem sequer a bem-sucedida política de queda da taxa de juros real, nem o controle do movimento de capitais responsável por levar a uma recuperação da taxa de câmbio, nem os incentivos fiscais, alguns da maior importância no longo prazo, caso da desoneração da folha de salários, nem o excepcional esforço por meio do BNDES, nem os estímulos à inclusão social que asseguram um aumento da demanda foram capazes de mobilizar os investidores privados.
A verdade é que a resposta ao ativismo do governo, em geral na direção correta, foi infelizmente acompanhada de ruídos de comunicação por parte dos agentes públicos em interação com o setor privado no campo fundamental da infraestrutura.
Frequentemente eles manifestam alguma prepotência e muita idiossincrasia, a comprometer a relação de confiança desejável entre o setor público e o privado. Obviamente, o primeiro pode e deve fixar as regras do jogo com lógica aceitável em uma economia de mercado, mas o segundo tem todo o direito de exigir a máxima clareza, transparência e respeito.
Quem conhece a inteligência da presidenta Dilma Rousseff, sua disposição de estudar cuidadosamente cada problema e seu pragmatismo, tem dificuldade em entender como se chegou a tal distância de confiança entre o governo e o setor privado de infraestrutura.
Uma coisa é certa: enquanto essa distância não for anulada, é pouco provável o “espírito animal” dos empresários se manifestar e os investimentos crescerem.
Últimos artigos de Delfim Netto:
É sempre difícil, se não impossível, encontrar um indicador para traduzir o estado de “bem-estar” na sociedade que incorpore a esperança de as coisas caminharem relativamente bem e que não há razões evidentes para esperar o contrário. Pesquisas empíricas revelam que o sentimento de bem-estar depende, fundamentalmente, do crescimento da renda real dos cidadãos e de sua distribuição na sociedade. Elas sugerem (cada vez mais fortemente) que a melhora dos níveis da igualdade aumenta o bem-estar de todos.
Já comentei aqui a divulgação do resultado de uma abrangente pesquisa internacional (de julho de 2012), com 26 mil indivíduos entrevistados em 21 países, onde se lê: “As pessoas podem pensar que sua situação é melhor que a situação econômica de seus países, mas apenas no Brasil (72%) e na China (70%) uma larga maioria acredita que suas famílias estão melhor hoje do que há cinco anos”.
Vale a pena relembrar aquela justamente famosa proposição de W. I. Thomas para entender o paradoxo brasileiro, de um país extremamente bem avaliado pela sociedade e ao mesmo tempo visto com profunda desconfiança no setor produtivo privado, particularmente o setor financeiro. Diz o “teorema” de Thomas: “Se as pessoas definem as suas circunstâncias como reais, então elas serão reais em suas consequências”… (Merton, R. – Social Theory and Social Structure, 1957).
A falsa ideia generalizada no setor real da economia (não apenas no financeiro), de que a política do governo é hostil ao mercado, objetiva intervir nos preços, controlar a atividade privada e “ampliar a estatização de setores estratégicos”, seria consequência do relacionamento visto como hostil pelos empreendedores diretamente ligados com agentes públicos detentores do poder. Eles tiram as consequências da sua crença e adotam posições defensivas, precisamente quando as circunstâncias exigem a renovação de confiança na política econômica e disposição para investir no aumento da produção.
A divulgação do nível de crescimento do PIB do terceiro para o segundo trimestre deste ano de apenas 0,6% causou desalento, mas isso é passado. A recuperação da atividade (industrial, inclusive) revela que a situação está melhorando. Se os efeitos de todos os estímulos já dados forem capazes de fortalecer o ânimo de investimento dos empresários, talvez possamos ter crescimento de 0,8% no quarto trimestre sobre o terceiro, o que nos levaria a deixar para trás o difícil 2012, e rodar a uma taxa anualizada de 3,6%.
Decepção mesmo foi contar cinco trimestres consecutivos de redução do nível de investimentos (até setembro de 2012). O problema é que nem sequer a bem-sucedida política de queda da taxa de juros real, nem o controle do movimento de capitais responsável por levar a uma recuperação da taxa de câmbio, nem os incentivos fiscais, alguns da maior importância no longo prazo, caso da desoneração da folha de salários, nem o excepcional esforço por meio do BNDES, nem os estímulos à inclusão social que asseguram um aumento da demanda foram capazes de mobilizar os investidores privados.
A verdade é que a resposta ao ativismo do governo, em geral na direção correta, foi infelizmente acompanhada de ruídos de comunicação por parte dos agentes públicos em interação com o setor privado no campo fundamental da infraestrutura.
Frequentemente eles manifestam alguma prepotência e muita idiossincrasia, a comprometer a relação de confiança desejável entre o setor público e o privado. Obviamente, o primeiro pode e deve fixar as regras do jogo com lógica aceitável em uma economia de mercado, mas o segundo tem todo o direito de exigir a máxima clareza, transparência e respeito.
Quem conhece a inteligência da presidenta Dilma Rousseff, sua disposição de estudar cuidadosamente cada problema e seu pragmatismo, tem dificuldade em entender como se chegou a tal distância de confiança entre o governo e o setor privado de infraestrutura.
Uma coisa é certa: enquanto essa distância não for anulada, é pouco provável o “espírito animal” dos empresários se manifestar e os investimentos crescerem.
Últimos artigos de Delfim Netto:
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.
Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.