Economia

A ambiguidade das leis e regulamentos no Brasil

O conceito de desenvolvimento precisa estar presente do topo à base da pirâmide da administração pública. Do contrário, os avanços serão limitados

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O INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia) decidiu montar seu modelo de gestão e seu planejamento estratégico. Batizou-o de Gestão de Significados e Entendimentos.

É um estágio um pouco mais sofisticado do que se convencionou chamar de “missão da empresa”. Porque, segundo João Jornada, presidente do órgão, a falta de entendimentos sobre os significados trata-se de um dos maiores problemas da cultura brasileira.

O brasileiro abomina o conflito, explica ele. A maneira de não criar conflitos é explorar a ambiguidade em todos os níveis, das leis, dos dispositivos infra legais aos compromissos partidários. Criam-se definições intencionalmente ambíguas, para que caibam as visões conflitantes. Evita-se o conflito mas não se consegue a mobilização em torno das grandes ideias.

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Na China, por exemplo, o conceito de desenvolvimento vai do presidente do país ao funcionário público da base da pirâmide. Seja quem for o governante, a missão do funcionário público é demover os obstáculos ao desenvolvimento.

O Brasil de hoje passa por uma fase desenvolvimentista. Mas trata-se de um momento específico, que gira em torno da presidente Dilma Rousseff e não se espraia pela administração em geral.  E depois dela, se manterá?

Não, pela falta do conceito claro e mobilizante.

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Um exemplo típico do entendimento dúbio ocorreu nos primeiros discursos de Dilma. Duas vezes ela enfatizou a importância da meritocracia.

Em um evento no Chile, Jornada mostrou como entendia o conceito e o aplicava no INMETRO. Os funcionários entram por concurso. Mas existe uma avaliação anual, por grupos externos ao órgão, que definirá prêmios adicionais aos funcionários mais produtivos.

No mesmo evento, um alto funcionário público brasileiro entendeu o conceito de meritocracia – expresso por Dilma – apenas na existência de concursos para a contratação de funcionários públicos.

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Tome-se a questão da inovação. Busca-se, aqui, o modelo coreano. Na Coreia, conta Jornada, um agente de governo pode selecionar uma empresa inovadora, e ter capacidade de apostar nela, colocando dinheiro público. Evidentemente, há sistemas de governança impedindo abusos.

Por aqui, a iniciativa esbarraria no falta de embasamento jurídico e normativo. O modelo é totalmente avesso a isso.

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O mesmo tem ocorrido com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Lançam-se os programas. Aí a CGU (Controladoria Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União) vão verificar as obras com a base normativa legal.

Além do arcabouço legal, a interpretação tem que ser feita dentro do entendimento do contexto, do significado de cada projeto. Com o Ministro do TCU há possibilidade do entendimento de questões específicos. Mas o técnico na ponta tratará de dar a interpretação mais literal possível ao regulamento. Como não tem base conceitual clara, irá aplicar o disposto, na literalidade.

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Muitas vezes as interpretações são ambíguas, provocando a judicialização de questões. Até hoje não existe uma estatística de processos na Justiça relacionados com a Lei de Licitações, para se remover as ambiguidades.

Em suma, a pesada herança identificada por Sérgio Buarque de Hollanda ainda está por ser superada.

       

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