Cultura

Plateia vaia Roberto Freire no Prêmio Camões

Aos gritos de “Fora, Temer”, convidados rejeitam as críticas do ministro da Cultura ao escritor Raduan Nassar, vencedor da premiação

Apoie Siga-nos no

Roberto Freire, ministro da Cultura, tentou, insistiu, retrucou, bateu boca, mas não conseguiu concluir seu discurso na entrega do Prêmio Camões, cerimônia realizada na manhã desta sexta-feira 17 em São Paulo. Aos gritos de “Fora, Temer” e “governo golpista”, a plateia reunida para homenagear o escritor Raduan Nassar, vencedor da premiação, reagiu ao pronunciamento do ministro e várias vezes o interrompeu com vaias.

O Camões, mais importante prêmio da literatura em língua portuguesa, é uma distinção oferecida pelos governos do Brasil e Portugal. O vencedor é nomeado por um júri independente formado por representantes dos dois países.

Em seus agradecimentos, Nassar, autor de “Lavoura Arcaica” e “Um Copo de Cólera, fez um discurso contundente a respeito da situação política no Brasil (leia a íntegra). O escritor se referiu a Freire como ministro da Cultura do governo em exercício, criticou Alexandre de Moraes, indicado por Michel Temer para o Supremo Tribunal Federal, denunciou a repressão aos protestos da “oposição democrática” e não deixou de mencionar a conivência dos ministros do STF com o processo de impeachment de Dilma Rousseff, uma presidenta “íntegra, eleita pelo voto popular”. “Não há como ficar calado”, concluiu. Os efusivos aplausos da maioria da plateia ao fim do pronunciamento se misturaram a gritos de “Fora, Temer”.

Freire havia sido escalado para responder a Nassar. Ocorreu inclusive uma mudança no protocolo da cerimônia. O  ministro discursou depois do premiado, não antes, justamente para proferir a réplica. Outra alteração no script: a cerimônia aconteceu ao ar livre, no pátio do museu Lasar Segall, mais apropriado para o dia ensolarado, por causa da falta de espaço no auditório reservado (200 presentes para apenas 90 cadeiras).

Em vez de relevar as palavras de Nassar, o que seria um gesto de deferência ao homenageado, o ministro aproximou-se do microfone disposto a rebatê-las. Declarou-se perplexo, classificou de histriônico o protesto do escritor, insinuou de forma deselegante que ele poderia ter recusado o reconhecimento (em especial a premiação em dinheiro) e afirmou que o fato de a láurea ter sido entregue a um “opositor” mostra não existir “nenhuma dúvida sobre o momento democrático” vivido no País.

A cada frase, a plateia aumentava o tom dos protestos, como se pode constatar no vídeo a seguir.

O desconforto crescente transformou o que deveria ser um pronunciamento formal em um bate-boca. Defensores do ministro tentaram abafar, sem sucesso, a manifestação dos convidados. Nervoso, Freire escorregou no português (“Haverão reformas”), provocou o público (“Vocês não gritam Volta, Dilma”) e cometeu diversas imprecisões e omissões ao insistir que a prova do esplendor democrático do Brasil estaria no fato de o governo premiar um “opositor”.

Quais imprecisões e omissões? O Camões é concedido pelo Brasil e Portugal. Os dois países dividem os custos, o planejamento e a organização. A escolha do vencedor cabe a um júri independente, não a representantes do setor público, muito menos aos nativos. E não existiu todo esse desprendimento de Brasília em relação ao “opositor” Nassar. Ao contrário. A burocracia brasileira adiou por vários meses a entrega do prêmio.

Primeiro, o Banco Central reteve por um longo período o dinheiro enviado pelo governo português, parte da premiação. Depois, autarquias e museus federais no Rio de Janeiro, onde a cerimônia deveria ter acontecido no ano passado, alegaram falta de datas na agenda para não ceder seus espaços ao evento. Foi preciso uma sobrinha de Nassar recorrer a autoridades portuguesas para que ele finalmente acontecesse no Lasar Segall, em São Paulo.

O descaso do governo brasileiro mostrou-se tão profundo que Helena Severo, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, parecia desconhecer o premiado. Severo chamou Raduan Nassar repetidas vezes de Raduan Nasser. Só pronunciou corretamente o nome do escritor no fim de sua explanação, constrangida, após ser corrigida pela plateia. Não abriria mais a boca até o encerramento da tumultuada cerimônia.

Vencido pelos presentes, Freire interrompeu bruscamente a réplica. Antes de deixar o museu, o ministro fez questão, porém, de confrontar Augusto Massi, amigo de Nassar e professor de literatura da USP. Massi era um dos mais incomodados com as intervenções do ministro. “O dia era do Raduan, não do Freire”, afirmou o acadêmico.

E assim foi. Enquanto Freire e seu pequeno séquito deixavam o museu, Nassar era abraçado e louvado e posava para fotos.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.