Cultura

O arauto do declínio

Gore Vidal viu a tragédia americana com acidez

"Não existe uma pessoa amável dentro de mim. Por trás do meu frio exterior, há apenas água gelada"
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Ao escritor norte-americano Gore Vidal, morto de pneumonia aos 86 anos de idade, dia 31, coube a tarefa de anunciar o declínio de um ideal democrático a simbolizar seu país. Autor de 25 romances, dois livros de memórias e uma poderosa ensaística, Vidal tornou-se o arauto de uma situação política frequentemente negada. “Deveríamos parar com essa tagarelice sobre sermos a maior democracia do planeta, quando nem mesmo exercemos uma. O que somos é uma espécie de república militarizada”, ele disse certa vez, inconformado com as consequências da Guerra do Iraque e da liderança de George W. Bush.

Para Vidal, que concorrera sem sucesso ao Congresso e ao Senado apenas depois de se estabilizar financeiramente como autor de roteiros para a televisão e o cinema, nos anos 1950 e 1960, o presidente Bush soubera dos ataques às Torres Gêmeas antecipadamente e os utilizara em proveito político. Mesmo os que defendiam como superior a capacidade de Gore Vidal de julgar a história, revelada em volumes como United States: Essays 1952-1992, negavam a validade de uma avaliação como essa e outras recentes.

Um consenso silencioso ditava ainda em Vidal um autor incapacitado para a ficção, já que apenas saberia expor a exuberante opinião própria. Mas como seria possível negar-lhe o dom de observar seu tempo com prosa refinada e humor ácido? E, ao fim, ele escreveu grandes romances, como Juliano, sobre o imperador que tentou converter


os cristãos ao paganismo, e livros de senso balzaquiano como Kalki, no qual, por exemplo, durante uma reunião social, uma mulher com câncer exercia o status nascido da própria doença.

Apoiado por uma convivência de 53 anos com Howard Auster, Vidal não parecia se incomodar com o que diziam dele. O escritor Italo Calvino acreditava que, morador da Itália por muitos anos e apresentado com glamour em Roma, de Fellini, Vidal não tinha um inconsciente. “Sou exatamente o que aparento ser”, justificou o americano. “Não há uma pessoa amável, cálida, dentro de mim. Por trás de meu frio exterior, depois que você quebra o gelo, encontra água gelada.”

Ele não deixava que se esquecessem de sua amizade com Eleanor Roosevelt ou de seu parentesco com Jackie Kennedy. Parecia apoiar-se em boa linhagem para dizer as coisas difíceis a um país que, aos poucos, perdia o senso de humor e a liberdade.

Ao escritor norte-americano Gore Vidal, morto de pneumonia aos 86 anos de idade, dia 31, coube a tarefa de anunciar o declínio de um ideal democrático a simbolizar seu país. Autor de 25 romances, dois livros de memórias e uma poderosa ensaística, Vidal tornou-se o arauto de uma situação política frequentemente negada. “Deveríamos parar com essa tagarelice sobre sermos a maior democracia do planeta, quando nem mesmo exercemos uma. O que somos é uma espécie de república militarizada”, ele disse certa vez, inconformado com as consequências da Guerra do Iraque e da liderança de George W. Bush.

Para Vidal, que concorrera sem sucesso ao Congresso e ao Senado apenas depois de se estabilizar financeiramente como autor de roteiros para a televisão e o cinema, nos anos 1950 e 1960, o presidente Bush soubera dos ataques às Torres Gêmeas antecipadamente e os utilizara em proveito político. Mesmo os que defendiam como superior a capacidade de Gore Vidal de julgar a história, revelada em volumes como United States: Essays 1952-1992, negavam a validade de uma avaliação como essa e outras recentes.

Um consenso silencioso ditava ainda em Vidal um autor incapacitado para a ficção, já que apenas saberia expor a exuberante opinião própria. Mas como seria possível negar-lhe o dom de observar seu tempo com prosa refinada e humor ácido? E, ao fim, ele escreveu grandes romances, como Juliano, sobre o imperador que tentou converter


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Ele não deixava que se esquecessem de sua amizade com Eleanor Roosevelt ou de seu parentesco com Jackie Kennedy. Parecia apoiar-se em boa linhagem para dizer as coisas difíceis a um país que, aos poucos, perdia o senso de humor e a liberdade.

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