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Estranho no ninho

Sem espaço no partido, Roberto Requião ensaia um desembarque do PT

O ex-governador se considera abandonado após as eleições – Imagem: Arquivo/Agência Senado
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A possível eleição suplementar para a vaga do senador Sergio Moro, alvo de pedido de cassação na Justiça Eleitoral, expõe ainda mais a luta fratricida no PT do Paraná. O processo contra o ex-juiz nem sequer foi julgado pela Corte regional, e é dado como certa uma apelação da parte derrotada ao Tribunal Superior Eleitoral. Na melhor das hipóteses, o resultado do julgamento será conhecido em novembro. Seja como for, a deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, está de olho no cargo, assim como o ex-governador Roberto Requião, neopetista derrotado no último pleito. Além disso, o ­deputado federal e líder do partido na Câmara dos Deputados, Zeca Dirceu, não esconde o desejo de concorrer à prefeitura de Curitiba em 2024, o mesmíssimo plano do deputado estadual Requião Filho.

Requião, um peemedebista histórico, deixou o partido que ajudou a fundar há 40 anos para se filiar ao PT em março de 2022. Recebido por Lula em um megaevento em Curitiba, o experiente político, três vezes eleito governador e com dois mandatos de senador no currículo, não hesitou em pedir votos para o atual presidente. “Talvez esta seja a batalha de nossas vidas. Não há outra saída, Lula é a salvação do País”, discursou à época. Embora já fosse crítico contumaz da cúpula petista, Requião sempre apoiou o partido em suas grandes decisões. Apoiou Lula e Dilma Rousseff em todas as disputas presidenciais. Contrariando a orientação de seu antigo partido, saiu em defesa da presidenta no processo do ­impeachment, em 2016. Durante os 580 dias da prisão de Lula em Curitiba, defendeu-o com unhas e dentes.

Nos últimos tempos, Requião voltou a externar críticas ao partido. Derrotado na disputa pelo governo, ele diz ter sido “abandonado pelo PT” logo após as eleições. Faz questão de afirmar que jamais “buscou emprego ou cargo no governo”, mas se sentiu desrespeitado quando lhe ofereceram uma cadeira no Conselho de Administração de Itaipu. Definiu a função como “boquinha de luxo” e “sinecura”. Na verdade, era um prêmio de consolação. Em vez de nomeá-lo para a direção da estatal, Lula aceitou uma indicação do governador Ratinho Júnior, do PSD, e nomeou André Pepitone da Nóbrega. Na avaliação do ex-governador, a própria candidatura em 2022 foi um presente de grego: “O PT não tinha ninguém para a disputa”.

A militância petista, acrescenta, não se engajou na campanha. Próximo ao PT, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), só pediu votos para Lula, reclama. “Nem sequer colocavam meu nome nos cartazes.” Além disso, Requião acredita que o ex-ministro José Dirceu se encontrou com o governador Ratinho Júnior para selar um acordo, segundo o qual “Ratinho Jr. não bateria muito no Lula, e o PT não bateria no candidato à reeleição”. Em outras palavras, foi lançado para o sacrifício na disputa estadual.

Ao colocar seu nome à disposição para concorrer à vaga de Moro no Senado, sentiu-se outra vez escanteado. Requião avalia que seu nome não é apenas o mais forte para a disputa, e sim “o único”. Na capital paranaense, justifica, “o PT tem 60% de rejeição”. Além disso, Gleisi ­Hoffmann já possui um mandato eletivo e acumula a função de presidir o partido.

Enquanto aguarda uma definição do PT, Requião analisa propostas fora de casa. “Fui procurado por diversos partidos, tenho recebido muitos convites”, relata. Recentemente, a ex-deputada federal Marília Arraes, do Solidariedade, foi visitá-lo em Curitiba. Trouxe um convite para trocar de legenda? “Sim, ela veio aqui para isso”, confirma. O acerto com o partido fundado por Paulinho da Força enfrenta, porém, resistências locais. Enquanto Arraes negociava o ingresso de Requião, o ex-deputado Luizão ­Goulart, presidente do Solidariedade no Paraná, busca emplacar seu próprio nome como candidato na eleição suplementar para a vaga de Moro.

“Não estou saindo do PT, estou sendo tocado, afastado”

Duas vezes prefeito de Piraquara, na região metropolitana de ­Curitiba, ­Goulart não conseguiu retornar à ­Câmara dos Deputados em 2022 porque o partido não alcançou o coeficiente eleitoral necessário. “Recebi quase 97 mil votos e não fui reeleito”, lamenta. Agora, vê a oportunidade de um atalho para o Senado, e joga areia no possível adversário. “Não tive nenhum contato com o Requião. Não o convidei, nem ele me procurou. Caso ele tenha interesse em se filiar ao Solidariedade, iremos conversar.” O ex-deputado faz questão, contudo, de demonstrar que a legenda não é um feudo sem dono. “Precisamos ver o que o ex-governador pretende: Ser um militante recém-incorporado ao partido ou se já quer assumir cargo de dirigente?”

Além disso, Goulart não descarta a possibilidade de uma composição com o ex-senador Álvaro Dias, do Podemos. Visto como um candidato de centro, “capaz de roubar votos da esquerda e da direita”, Dias é apontado pelo presidente do Solidariedade paranaense como um candidato forte.

No PT, o caminho não é menos pedregoso para Requião. Gleisi Hoffmann admite a intenção de disputar a vaga de ­Moro e conta com o apoio da primeira-dama Janja da Silva, que pelas redes sociais a chama de “futura senadora”. Amigo de Requião há 30 anos, Zeca Dirceu tampouco esconde o desejo de alçar voos maiores. No caso, a prefeitura da capital. São tantos obstáculos no tabuleiro que um influente líder petista no Paraná disse não acreditar na escolha de Requião como candidato. “Eu também discordo de algumas medidas adotadas pelo governo, mas acho que ele tem sido excessivamente duro e inflexível em suas críticas, em suas posições.”

Na avaliação desse interlocutor, ­Gleisi Hoffmann será a escolhida para disputar a eleição suplementar e Requião sabe disso, razão pela qual já prepara o seu desembarque do PT. E discorda da avaliação de que o partido não tem chances de ganhar no estado, onde 62% dos eleitores votaram em Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais. “A eleição para a vaga de Moro, caso aconteça, provavelmente será em outubro de 2024. Até lá, o governo do presidente Lula terá maior visibilidade e, certamente, as políticas econômicas e sociais terão um grande efeito no resultado das eleições.”

Questionado sobre a possibilidade de concorrer ao Senado por outra sigla, ­Requião é lacônico na resposta: “Não sei”. Depois, explica melhor seu ponto de vista: “Não estou saindo do PT, estou sendo tocado, afastado”. •

Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023.

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