Cultura

Da neutralidade

A pretensa neutralidade da arte é pura escamoteação. Por Menalton Braff

Roland Barthes. Foto: Galeria de believekevin/Flickr
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Tenho de começar declarando que isto aqui é uma crônica, não um ensaio. Não estou, portanto, obrigado a citar minhas fontes ou fornecer uma bibliografia como certos textos de que, por sua natureza, exigem-se.

E, como cronista, afirmo que toda neutralidade é uma ingenuidade. Se alguém assiste a um marmanjão massacrando uma criancinha e se diz neutro, é difícil entender que ele está beneficiando o marmanjão? Usando a terminologia hegeliana, se não interfiro em um processo qualquer e me mantenho neutro (posição admitida como hipótese), estou reforçando a tese em luta contra a antítese. E não existe movimento que não seja em luta.

De umas leituras antigas me lembro de uma afirmação que me norteou a vida toda. A falácia da neutralidade esconde, sempre, um apoio implícito ao statu quo, isto é, a concordância, ou pelo menos a aceitação, da situação vigente.

Ora, seres humanos, que somos, estamos condenados à liberdade (Sartre), que, por sua vez, implica responsabilidade. Sujeitos de nossa própria história, abdicar de uma tomada de posição não é só covardia, muito mais que isso, é declarar-se satisfeito com o existente. Ou, em outras palavras ducor non duco.

Este assunto me ocorre porque neste fim de semana fui acusado de, em meu último romance, O casarão da rua do Rosário, ter assumido uma posição política de um grupo de personagens em detrimento de outro. O autor da acusação me queria neutro. Ah, meu caro, nem o Roland Barthes acreditava mais no “grau zero da escrita”. A pretensa neutralidade da arte é pura escamoteação. Não existe, a não ser no pensamento ingênuo de algumas pessoas.

Mas preciso dizer mais. Não sou a favor da arte como panfleto, não sou a favor da arte utilizada pelo poder seja ele qual for. Mas não existe arte que não seja a cosmovisão do artista. Caravaggio foi barroco porque não viu o mundo como este era visto por Leonardo da Vinci. Ele pintou como entendeu o mundo. Castro Alves não vituperou a escravidão apenas como desfastio. Mas que digo eu, isso já é radicalizar o argumento. A poesia de Lord Byron, por acaso, não é a expressão de sua visão do mundo?  Alguém já fez arte contra seus princípios (morais, políticos, religiosos)? A leitura profunda de qualquer objeto artístico vai sempre encontrar uma maneira especial de encarar o mundo.

Então, para finalizar, o que não pode, meu caro leitor, isto sim, é que a moral, a política ou a religião estejam como objetivo primeiro do objeto de arte. Se o plano da expressão perde espaço para o plano do conteúdo, aí sim, aí nós temos uma arte falhada em seu princípio. Acho que fui acusado de um pecado por erro de leitura do acusador, só isso.

Tenho de começar declarando que isto aqui é uma crônica, não um ensaio. Não estou, portanto, obrigado a citar minhas fontes ou fornecer uma bibliografia como certos textos de que, por sua natureza, exigem-se.

E, como cronista, afirmo que toda neutralidade é uma ingenuidade. Se alguém assiste a um marmanjão massacrando uma criancinha e se diz neutro, é difícil entender que ele está beneficiando o marmanjão? Usando a terminologia hegeliana, se não interfiro em um processo qualquer e me mantenho neutro (posição admitida como hipótese), estou reforçando a tese em luta contra a antítese. E não existe movimento que não seja em luta.

De umas leituras antigas me lembro de uma afirmação que me norteou a vida toda. A falácia da neutralidade esconde, sempre, um apoio implícito ao statu quo, isto é, a concordância, ou pelo menos a aceitação, da situação vigente.

Ora, seres humanos, que somos, estamos condenados à liberdade (Sartre), que, por sua vez, implica responsabilidade. Sujeitos de nossa própria história, abdicar de uma tomada de posição não é só covardia, muito mais que isso, é declarar-se satisfeito com o existente. Ou, em outras palavras ducor non duco.

Este assunto me ocorre porque neste fim de semana fui acusado de, em meu último romance, O casarão da rua do Rosário, ter assumido uma posição política de um grupo de personagens em detrimento de outro. O autor da acusação me queria neutro. Ah, meu caro, nem o Roland Barthes acreditava mais no “grau zero da escrita”. A pretensa neutralidade da arte é pura escamoteação. Não existe, a não ser no pensamento ingênuo de algumas pessoas.

Mas preciso dizer mais. Não sou a favor da arte como panfleto, não sou a favor da arte utilizada pelo poder seja ele qual for. Mas não existe arte que não seja a cosmovisão do artista. Caravaggio foi barroco porque não viu o mundo como este era visto por Leonardo da Vinci. Ele pintou como entendeu o mundo. Castro Alves não vituperou a escravidão apenas como desfastio. Mas que digo eu, isso já é radicalizar o argumento. A poesia de Lord Byron, por acaso, não é a expressão de sua visão do mundo?  Alguém já fez arte contra seus princípios (morais, políticos, religiosos)? A leitura profunda de qualquer objeto artístico vai sempre encontrar uma maneira especial de encarar o mundo.

Então, para finalizar, o que não pode, meu caro leitor, isto sim, é que a moral, a política ou a religião estejam como objetivo primeiro do objeto de arte. Se o plano da expressão perde espaço para o plano do conteúdo, aí sim, aí nós temos uma arte falhada em seu princípio. Acho que fui acusado de um pecado por erro de leitura do acusador, só isso.

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