Cultura

Bola Nossa

A paixão, segundo um juiz de futebol

Apoie Siga-nos no

Quem é mineiro e tem mais de sessenta anos seguramente conhece a história do Bola Nossa. Atleticano roxo, Galo até debaixo d’água, um dia Alcebíades de Magalhães Dias resolveu trocar o emprego de repórter do jornal Folha de Minas, em Belo Horizonte, pelo de juiz de futebol.

O primeiro jogo que ele apitou, já com o apelido de Cidinho, eu nem tinha nascido ainda. Foi em 1945, numa partida entre Atlético e América. Na primeira falta – falta boba – de um jogador do América, Cidinho simplesmente expulsou o craque de campo.

Ninguém entendeu nada, a torcida do América jogou paus e pedras no juiz, enquanto a torcida do Galo aplaudia de pé. Cidinho confessou, anos depois, que aquele foi o momento, ao ver a torcida do alvinegra batendo palmas, ele se sentiu realizado.

Mas foi num jogo do Atlético contra o Botafogo que Cidinho ganhou o apelido que carregou pro resto da vida. Uma bola saiu pela lateral e o jogador do Atlético, sem saber de quem era a pelota, perguntou pro Cidinho que, num vacilo, respondeu:

– Bola nossa!

Depois que o jogador bateu a lateral, nunca mais ninguém chamou o Alcebíades de Magalhães Dias de Cidinho, virou Cidinho Bola Nossa e, mais pra frente, apenas Bola Nossa.

Se essa história é conhecida dos mineiros sessentões, a que vou começar a contar agora, poucas pessoas sabem.

Cidinho Bola Nossa, o Alcebiades de Magalhães Dias, nasceu em Ponte Nova, no interior de Minas, a cidade de João Bosco, o genial compositor de O Bêbado e a Equilibrista e da cachaça Massangano. A mesma cidade onde nasceu minha mãe.

Encantado com aquela jovem branquinha dos olhos verdes, um Cidinho completamente apaixonado, sentou-se ao lado dela no banco da pracinha e foi direto:

– Lali, se você não se casar comigo, vou subir de bicicleta no poste!

Bicicleta naquela época era a Harley-Davidson WL Sport com Sidecar. Não sei se era essa a motocicleta de Cidinho, não sei nem mesmo se ele tinha uma motocicleta, mas a promessa foi feita.

Minha mãe desconversou e, nem um pouco apaixonada, um dia, mudou-se para Belo Horizonte. Cidinho não desistiu, foi atrás dela e continuou a paquera. Minha mãe nunca deu bola pra ele, jurava pros filhos de pés junto, isso muitos anos depois.

Um belo dia, altas horas da noite, o telefone preto, fixo, de disco, tocou na casa do meu avô Manoel Fontes, que tinha o apelido de Coronel. Era para minha mãe.

Do outro lado da linha, ouviu-se uma voz, a do Cidinho:

– Leia amanhã o Estado de Minas.

Ele disse isso e desligou. O Estado de Minas era o maior jornal dos mineiros, aquele que todos lêem.

Minha mãe sempre foi uma mulher desencanada e desencanada ela colocou a cabeça no travesseiro e dormiu. 

Mas no dia seguinte, cedinho, quando o Estado de Minas chegou, ela começou a ler, página por página. E foi numa dessas páginas que ela encontrou o seguinte:

 Comunicado

O senhor Alcebíades de Magalhães Dias, morador desta cidade de Bello Horizonte, comunica a todos os amigos e parentes, o seu noivado com o senhorita Maria Elisa Fontes, conhecida como Lali.

Aquelas poucas linhas impressas no maior jornal da cidade caíram como um bomba na casa do Coronel Manoel Fontes. 

Minha mãe, pálida, negou tudo e disse que o tal Alcebíades de Magalhães Dias não passava de um doido varrido, um louco de pedra. 

Meu avô acreditou na história e nunca mais se falou no assunto. Cidinho Bola Nossa morreu em 2007, aos noventa e três anos e, pelo que sei, com duas frustrações. A primeira, de nunca ter se casado com aquela mocinha de olhos verdes e a segunda, porque o Clube Atlético Mineiro nunca construiu um estátua em sua homenagem para ser erguida na sede do Clube, em reconhecimento pelos serviços prestados ao Galo. 

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.