Vanguardas do Conhecimento

“A maioria dos alunos se preocupa em contribuir para o social sem gerar caos”

Escola brasileira obtém excelentes resultados aplicando em sala de aula meditação, discussões filosóficas, científicas e sobre religiosidade/espiritualidade

Festival de Arte da Escola Ananda: a instituição vem se destacando
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Os resultados dos alunos da educação fundamental brasileira ainda são, em regra, muito ruins, conforme comprovado pela avaliação internacional denominada Pisa, na qual o Brasil ficou nos últimos lugares entre 70 países.

Poucos negam que é preciso revolucionar a educação e, para isso, vale a pena utilizar os modelos de vanguarda existentes no exterior e no próprio Brasil. Em uma área não nobre de Salvador (BA), a Ananda Escola e Centro de Estudos realiza há 20 anos uma espécie de ensino holístico que é de tirar o fôlego daqueles interessados por uma educação mais humana, moral, reflexiva e prática.

Ela é pioneira no ensino tridimensional que une ciência, filosofia e espiritualidade/religiosidade, revelando diversas atividades e métodos que merecem muita atenção das demais escolas por mostrarem resultados surpreendentes, assim como acontece no exterior com projetos similares.

De tão interessante, além de educadores de todo o Brasil, até mesmo dinamarqueses da Via University College têm visitado a escola para conhecê-la e têm se encantado.

A fundadora e diretora da Escola Ananda, Carina Viana Sales, juntamente com a administradora Fabiana Arrais, receberam a CartaCapital para uma entrevista, que será publicada em duas partes. A primeira delas, editada e condensada com as respostas da dupla, segue abaixo.

CartaCapital: Vocês poderiam explicar como, quando e por que o projeto da escola foi idealizado?

Escola Ananda: O projeto da escola foi idealizado e implantado em 1996. Ele sempre teve essa formatação, pois acreditamos que a educação é um instrumento de grande valia para despertar, desenvolver e construir inteligência e consciências humanas. 

CC: Quais seriam as principais diferenças se compararmos a Ananda com uma escola padrão?

EA: Há inúmeras diferenças. Primeiro, além de escola, ela é um centro de estudos. A escola isolada oferece um serviço e acaba ali. Como centro de estudos, as pessoas envolvidas nesse processo são impulsionadas a se tornarem pesquisadoras.

O nosso centro possui um programa chamado “Capacitar”, que consiste na capacitação continuada dos educadores todas as segundas-feiras, que devem estar sempre buscando o saber. Nós estudamos, discutimos, aprofundamos o raciocínio acerca das inúmeras teorias educacionais, tradicionais e novas, dos teóricos, seus marcos, aplicabilidade das suas técnicas em sala de aula etc.

O programa “Integrar” contempla os 9 núcleos existentes na escola de forma integrada, que é outro diferencial. Há núcleos de Geniologia, Psicomotricidade, Conscienciologia, Inteligenciologia, Ludologia, Artes, Criatividade, Educação Inclusiva e Língua Portuguesa.

São núcleos de pesquisa, com diferentes coordenações. A cada mês, eles são ativados no saguão da escola, momento em que há atividades realizadas com a comunidade escolar: os próprios educandos e os seus familiares, que vêm para cá e também participam.

Como exemplo de atividade recente desenvolvida pelo projeto Integrar, o núcleo de Geniologia fez tabulações de resultados sobre as relações entre o Festival de Arte, Ciência e Espiritualidade, época em que os educandos se voltam ao trabalho de consciência corporal, e o crescimento das notas. Foi constatado um aumento nas notas nos bimestres que aconteceram no período de construção e ensaio das coreografias.

Houve um salto cognitivo significativo comprovado pelo núcleo quando houve um desenvolvimento físico conjunto, algo sobre o que já se fala há muito tempo. Célestin Freinet André Lapierri já fala da importância do movimento. O material final será distribuído aos pais, em breve.   

Temos também o trabalho de orientação individualizada que fazemos com os educandos através da Teoria das Inteligências Múltiplas, de Gardner. Neste trabalho baseamo-nos nas diversas expressões da inteligência, que são linguística, musical, lógico-matemática, espacial, cinestésica, natural e existencial interpessoal e intrapessoal, no desenvolvimento das atividades, de modo a utilizarmos estes diversos canais e atingirmos os indivíduos pelas vias que caracterizam cada um. Outro diferencial é o Projeto C.I.E.N.CI.A (Centro de Investigação e Estudos Neofilosóficos de Ciências Avançadas).

É um espaço onde as crianças pensam sobre as suas pretensas profissões, onde elas fazem experimentos, como num laboratório, e comprovam questões acerca das profissões que escolheram para o futuro.

Hoje temos um ex-aluno que começou no projeto querendo ser cineasta, depois decidiu que iria estudar herpetologia (ciência das cobras) e hoje é um médico formado. No núcleo, ele estudou o marco das profissões que pensava seguir, fez experimentos, pesquisas científicas, saídas aos locais de trabalho e, então, tomou a decisão final de ser médico. Hoje, ele ainda participa das atividades da escola, sendo tutor dos alunos que decidem por carreira na área médica. Alunos do projeto fazem também apresentações em um Simpósio Internacional sobre Consciência e Autoconhecimento que acontece todo ano aqui em Salvador.

E por fim, a menina dos olhos, a disciplina Iniciação à Consciência, trabalhada sexta-feira com todos da Escola. Crianças, púberes e adolescentes são levados a saber pensar acerca de quem somos, de onde viemos e para onde vamos, aprofundando seu raciocínio e direcionando seu pensamento nas bases da religião, filosofia e ciência. São estudadas 42 Leis Divinas, Leis Universais e Leis Naturais, respectivamente.

CC: Além de conhecer melhor as decisões e poderem decidir de forma mais informada, o que é ótimo, quais os outros objetivos do projeto C.I.E.N.C.I.A?

EA: É aprofundar nos temas. Uma falha do sistema educacional é superficializar as pesquisas e tornar tudo um “control c, control v”. Um dos objetivos dos estudos do projeto é fazer com que a criança tenha prazer em aprofundar o raciocínio.

Aqui se objetiva a busca do “ser”, e não do “ter”, então seria contraditório não os prepararmos, ainda que com pouca idade, para a escolha da profissão, pois hoje, quando chega a hora, escolhe-se de forma atabalhoada aquilo que supostamente dará dinheiro, e não aquilo para o que temos aptidões. O resultado disso é profissionais insatisfeitos.

Esse projeto favorece também um pensamento estrutural acerca das coisas. Fora as profissões, também são objetos de estudos as curiosidades deles, como uma matéria sobre nova forma de geração de energia eólica, por exemplo. Isso é trazido para dentro de sala de aula e eles estudam quem fez, como fez, como funciona etc. 

CC: Então, a participação deles na definição desses estudos é bem grande, o que é positivo.

EA: Sim, é um espaço destinado ao fazer científico, sempre buscando a genialidade pessoal. Tudo o que eles fazem envolve pensar em para que aquilo servirá para a humanidade. 

CC: Em escolas estrangeiras que usam a meditação e um ensino holístico, foram notados efeitos surpreendentes. Há dados de melhoria de comportamento, nas notas etc. dos alunos da escola?

EA: Sim. Sobre o processo de meditação, observamos que auxilia os nossos alunos a se acalmarem e entrarem num estado propício ao processo de aprendizado e demonstração do conteúdo assimilado. Muitos relatam que a meditação os ajuda ficarem calmos antes das situações onde estarão expostos a um estresse maior, como, por exemplo, apresentações em público e avaliações.

No que se refere ao ensino holístico, proporcionamos aos alunos o desenvolvimento do que chamamos de ser humano trino, dotado de alma, espírito e corpo físico, e, para que possamos educá-lo de fato, faz-se necessário fornecer a ele movimento para o corpo físico, pasto ao intelecto e moralizá-lo. Para tanto, religiosidade/espiritualidade, filosofia e ciência. Trabalhando com aprofundamento nestas três variáveis, formamos indivíduos sensíveis, humanos e de diferenciada capacidade intelectual.

Podemos citar um exemplo bastante próximo, que hoje é nossa coordenadora do Ensino Fundamental 2. Ela é nossa ex-aluna e atual representante da escola em entrevistas externas. Ela começou com 7 anos e foi alfabetizada por mim [Carina]. Ela é dotada de diferenciada conduta e capacidade intelectual, se compararmos aos demais jovens de sua idade (27 anos). Eu fui assistir à defesa de mestrado dela, que tratou dessa nossa disciplina chamada “Iniciação à Consciência”.

Ela tem um diferencial dissertativo, assim como a maioria dos egressos. Estes últimos continuam com contato com a gente até hoje, porque todos das turmas já finalizadas se tornaram amigos nossos, sem exceções. O comportamento deles é diferente, pois nota-se um senso de humanidade muito maior, noção de limites, que mesmo os adultos não têm hoje, concepção diferente da vida etc.

A grande maioria deles se preocupa com contribuir para o social sem gerar caos. Isso já os coloca à frente da nossa geração. 

CC: Quais outras informações existem sobre os resultados dos alunos após sair da escola?

EA: Com a exposição que a escola tem tido ultimamente, muitas pessoas têm nos perguntado isso. Estamos nos preparando melhor para responder essa demanda, fazendo estudos formais para mostrar com números aquilo que já vemos claramente em nosso dia-a-dia. O que posso dizer até então é que os pais dos alunos egressos comentam amplamente sobre como, por exemplo, muitos dos nossos ex-alunos têm se destacado nas demais escolas, pois nós não temos o ensino médio, e nas faculdades.

Há escolas famosas de Salvador que falam já saber quando o aluno é egresso da Ananda por conta da redação, do comportamento e de outros fatores. Elas ligam para cá para saber o que nós fazemos. Muitos alunos têm sido considerados destaque em outras escolas. Em uma tradicional daqui de Salvador, nos últimos dois anos os alunos laureados por excelência acadêmica são egressos de nossa escola.

Temos também ex-alunos que se destacam no que fazem e que permanecem nossos parceiros. No Festival de Arte, Ciência e Espiritualidade que realizamos este ano, por exemplo, toda a estrutura de palco, painéis de luz etc. foi colocada por um ex-aluno no festival deste ano. A mesma estrutura que ele usou em um show de Carlinhos Brown foi colocada no nosso festival. A diretora do teatro nos chamou e disse que aquele espetáculo não era mais para a Casa do Comércio de Salvador, mas para o Teatro Castro Alves, que é bem maior. E assim buscaremos no próximo ano. Este é um evento onde acontece uma plena e irrestrita colaboração dos egressos. 

CC: Qual a carga horária da escola?

EA: Há turmas pela manhã e pela tarde. Pela manhã temos a educação infantil e fundamental I, e  à tarde educação infantil e fundamental II. 

CC: Houve algum tipo de modificação no currículo ou é possível comportar essas atividades inovadoras nessa carga horária?

EA: Não diminuímos carga horária. É possível fazer tudo. No entanto, aulas de capoeira esportiva, ballet etc. são tarefas que deixamos para os pais no turno oposto. No nosso ponto de vista, a escola é o espaço de adquirir saber e autoconhecimento, e isso requer tempo. Se colocamos inúmeras atividades extras, termina-se diminuindo ou excluindo disciplinas fundamentais.

Nós pensamos em instituir o período integral alguns anos atrás, mas concluímos que isso poderia negar a nossa proposta, que inclui a necessidade de a criança ter um tempo maior de convivência com a família. Mesmo que ele seja curto, ao menos deve ser intenso. Às vezes, há pais que têm turnos inteiros com as crianças, mas estão ausentes, distraídos com televisões e recursos tecnológicos, mas não deve ser assim. 

CC: O que os dinamarqueses vieram fazer aqui e o que acharam da escola?

EA: Eles ficaram sabendo do projeto e quiseram conhecer. Vieram diferentes profissionais e ficaram encantados com diversos aspectos, mas dois em particular. Primeiro, ficaram positivamente surpresos com o comportamento de educadores e educandos, especialmente pela proximidade e pelo toque, algo que foge um pouco à cultura deles.

No que tange à estrutura e desenvolvimento do trabalho educacional, mencionaram nunca ter visto os princípios de Gardner tão bem trabalhados numa escola. Além disso, eles disseram que queriam aprender o tipo de meditação que fazíamos, pois já há alguma prática nas instituições dinamarquesas, mas ela costuma ser guiada e de uma forma não muito natural, como acontece aqui na escola.

Cremos que, para além da diferença de técnica de meditação, o diferencial percebido está no fato de trabalharmos com os diversos exercícios de conectividade (reflexão, concentração, meditação, vibração, percepção, contemplação e exaltação).

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