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OEA: “Brasil enfrenta contexto delicado para liberdade de expressão”

Relator da OEA, Edison Lanza afirma preocupação com repressão a protestos, vigilância na internet e retirada dos mecanismos de autonomia da EBC

Edison Lanza: "Sem plena vigência da liberdade de expressão, não há democracia"
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Por Bia Barbosa*

Em agosto de 2015, o relator especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a liberdade de expressão – o uruguaio Edison Lanza – esteve no Brasil e, a convite da sociedade civil, se reuniu com diversas autoridades e ministros do governo Dilma Rousseff.

Na época, o objetivo de Lanza era dialogar com o poder público brasileiro no sentido de promover políticas públicas de incentivo à diversidade e pluralidade na mídia brasileira.

A partir da escuta de demandas de organizações com o Intervozes e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Lanza colocou a relatoria especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos à disposição para contribuir no debate sobre um novo marco regulatório para as comunicações no país, que democratizasse a liberdade de expressão no Brasil.

Pouco mais de um ano depois, Lanza volta o país num contexto muito diferente para o exercício deste direito. Nesta segunda-feira 26, ele participou em São Paulo de um debate sobre o estado da garantia da liberdade de expressão no Brasil e demonstrou preocupação com as ameaças em curso ao direito à palavra em nosso território.

“Estamos num contexto difícil e delicado para a democracia no Brasil, daí a importância de discutirmos o papel da liberdade de expressão para as democracias. A Convenção Americana de Direitos Humanos, as cartas e princípios da OEA falam de uma democracia com pluralismo de ideias, com debate democrático e a garantia de um jornalismo livre e independente, não apenas uma democracia formal”, explicou Edison Lanza.

Segundo o relator, a ausência de políticas de promoção à diversidade e pluralidade midiática é uma característica histórica do Brasil. Porém, a preocupação hoje é com a regressão de avanços obtidos no país no campo das comunicações. “O princípio da não regressão em matéria de direitos humanos também se aplica à liberdade de expressão”, lembrou.

Em junho deste ano, em conjunto com a relatoria especial da ONU para o tema, a OEA publicou um comunicado em que manifestava preocupação com as medidas adotadas pelo então governo interino de Michel Temer em relação à intervenção na direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e à conversão da Controladoria Geral da União (CGU) em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle.

“A interferência na direção da EBC e a conversão da CGU em Ministério são passos negativos para um país conhecido pelo seu sólido compromisso com a liberdade de opinião e expressão”, falava o texto.

Lanza contou que, na época, o governo Temer respondeu ao comunicado afirmando que respeitaria a autonomia da EBC, mas isso não aconteceu.De lá pra cá, como comentamos várias vezes neste blog, um golpe também foi dado ao caráter público da Empresa Brasil de Comunicação.

Além da destituição do presidente Ricardo Melo e da dissolução do Conselho Curador, ambos via medida provisória, da extinção de programas e demissão de dezenas de profissionais, na última semana a nova direção da EBC trocou os ouvidores de rádio e TV da empresa. Foi a primeira vez que eles foram indicados diretamente pelo Planalto.

Direito aos protestos e à privacidade

Outro tema que preocupa a relatoria da OEA é o avanço da repressão a protestos. A visita de Lanza ao país foi justamente para ouvir movimentos sociais e ativistas vítimas de repressão das forças de segurança em manifestações públicas.

O relator está preparando um informe temático da região sobre os protestos e veio ao Brasil para coletar casos específicos. Com o apoio da Artigo 19, organização internacional que trabalha com este tema, já se reuniu em Brasília com movimentos de luta pela terra e, em São Paulo, com estudantes, mulheres e comunicadores que cobrem protestos e também são atingidos pela repressão policial.

“Protestos ganham força quando a população não encontra outra forma de interlocução com os governos. Para muitos grupos sociais, a proteção a esta forma de expressão é vital. E hoje vemos no Brasil uma série de obstáculos para a garantia do direito ao protesto, como a exigência de autorização prévia para as manifestações, o uso desproporcional da força – em vez de se facilitar o exercício deste direito – a violência contra jornalistas, com a apreensão de equipamentos de trabalho e a vigilância das lideranças”, afirmou Edison Lanza.

O relator citou ainda como preocupante os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que pretendem alterar o Marco Civil da Internet e autorizar uma coleta massiva de dados da população. Ele lembrou que a proteção do direito à privacidade dá ao cidadão o direito de saber, por exemplo, quem está coletando dados, por quanto tempo e o que está sendo feito com eles.

Durante o evento em São Paulo, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA lançou uma publicação com os informes dos últimos 10 anos sobre a situação no Brasil.

O documento também aponta problemas como a intimidação e ameaças a comunicadores e blogueiros; decisões judiciais que restringem a liberdade de expressão, como casos de remoção e proibição da publicação de determinados conteúdos; e a criminalização das rádios comunitárias.

No domingo 25, Edison Lanza também se reuniu com organizações da sociedade civil e comunicadores e recebeu uma série de denúncias de violações que vem sendo praticadas no país.

Ele se comprometeu a analisar todos os casos. Já as entidades brasileiras, entre elas o Intervozes, devem se organizar para solicitar formalmente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma audiência pública em Washington, sede da OEA, em março de 2017, para discutir o quadro de violações à liberdade de expressão no Brasil.

“Hoje, mais do que nunca, é importante retomar a defesa desssa liberdade. Sem sua plena vigência, não há verdadeira democracia”, concluiu Lanza.

*Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos, coordenadora do Intervozes e secretária geral do FNDC.

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