Intervozes

Deputados, governo e empresas atacam direito à Internet em meio à crise

Enquanto a atenção da população está voltada ao impeachment, ofensiva atua para que mercado decida sobre acesso à Internet

Pela proposta do governo (que se assemelha à do PL 6.789/2013), operadoras não precisarão mais ter obrigações relativas à telefonia fixa
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Por Jonas Valente*

Nesta semana, todos os olhos voltam-se para Brasília e para a votação do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Enquanto isso, conglomerados aproveitam para tentar atacar direitos de forma rápida e sem muito barulho.

É o que ocorre no setor das telecomunicações. As operadoras, com o apoio do governo federal, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e de deputados federais, buscam destruir as poucas obrigações legais previstas no modelo chamado de “regime público” (que possui metas de universalização, obrigação de continuidade, controle tarifário e devolução da infraestrutura explorada pelas empresas ao Estado, após o fim da concessão).

O objetivo da ofensiva? Transformar as telecomunicações brasileiras em uma terra bem menos regulada e acabar com os mecanismos que o Estado tem para obrigar as empresas a garantir acesso, inclusive à Internet, para toda a população, com qualidade e a preços acessíveis.

De quebra, os grupos empresariais pretendem não devolver nem pagar pelo uso do patrimônio de mais de R$ 100 bilhões que foi construído pelo Sistema Telebrás e que, depois da privatização, passou a ser explorado pelas concessionárias de telefonia fixa (Oi, Vivo e Embratel).

Congresso

A primeira ameaça está prestes a ser votada nesta quinta-feira, 14, no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 6789/2013, na versão atual elaborada pelo relator deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP), destrói o regime público e as obrigações das empresas e tira a possibilidade do governo federal definir o que poderia ser prestado segundo as regras deste regime.

Além disso, admite o uso dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST) no regime privado, que conta com menos garantias e que atualmente é desconsiderado para serviços essenciais, e em financiamento direto do serviço, criando, por exemplo, uma espécie de bolsa celular ou bolsa Internet. 

O texto também permite que as empresas deixem de contribuir com até 95% do valor devido em razão dos fundos setoriais destinados ao desenvolvimento, fiscalização e acesso aos serviços de telecomunicações, caso o governo federal não faça uso dos recursos. É fato que esses fundos são contingenciados e que poucos dos seus recursos são utilizados para o cumprimento dos objetivos que levaram à sua criação.

A alternativa prevista, no entanto, é um remédio às avessas, pois pode tornar regra a arrecadação mínima e prejudicar os direitos dos usuários e o acesso aos serviços de telecomunicações, entre eles a infraestrutura que permite a conexão à Internet. O correto seria estabelecer mecanismos legais que barrem o contingenciamento e não que levem à quase extinção desses fundos. Precisamos, portanto, dizer aos parlamentares que somos contra este projeto (veja abaixo como). 

Mas a ofensiva não se resume ao Congresso. No ano passado, com a pressão das operadoras, o Ministério das Comunicações abriu de forma açodada um processo de revisão da Lei Geral de Telecomunicações (LGT).

O processo visava salvar a Oi, em sérias dificuldades financeiras, e atender à sanha desregulamentadora do setor empresarial. Vendo um cenário complexo no Parlamento, as operadoras (chamadas de “teles”) passaram a defender a retirada das obrigações do regime público e mudanças na forma de concessão, sem que fosse preciso alterar a LGT.

Nesta segunda-feira 8, o Ministério das Comunicações publicou a Portaria N° 1.455. Ela faz exatamente o que as empresas pedem: indica à Anatel que mude as regras do jogo sem passar pelo Congresso, transformando as concessões de telefonia fixa em um regime com mais “liberdade” e incluindo metas para a banda larga. O atendimento do serviço de voz ficaria restrito a onde “for necessário”. A Portaria confirma o modelo que já vinha sendo gestado dentro da agência reguladora.

O que está em jogo?

Pela proposta do governo (que se assemelha à do PL 6.789/2013), as operadoras não precisarão mais ter obrigações relativas à telefonia fixa, em especial quanto ao local onde ofertar o serviço e a tarifa a ser cobrada.

Também não precisarão devolver ou pagar pelos mais de R$ 100 bilhões de infraestrutura que elas pegaram emprestado do Sistema Telebrás após sua privatização. E isso para, supostamente, fazer o óbvio: expandir a sua rede pra oferecer acesso à Internet à população, talvez com algumas metas para melhorar a infraestrutura.

Mas, na prática, manterão os preços altos, a baixa velocidade, as franquias de dados mesmo nas conexões fixas e a péssima qualidade do serviço oferecido.

“Mas telefone fixo ninguém usa mais”, argumentam os defensores da medida. Ocorre que o que está por trás da proposta de mudança não é a expansão da telefonia fixa. É a possibilidade de retirar do Estado o poder de impor essas obrigações a serviços essenciais, como é hoje a banda larga.

Pela Lei Geral de Telecomunicações, bastaria ao governo vontade política para editar um decreto afirmando que o serviço de telecomunicações que dá suporte ao acesso à Internet é prestado em regime público (tendo, portanto, metas de universalização, obrigação de continuidade, controle tarifário e bens reversíveis).

Mas não, o governo faz exatamente o oposto. Deixa a infraestrutura essencial ao acesso à Internet à mercê da lógica das empresas: em busca do lucro, usa o serviço quem tem dinheiro pra pagar por ele. Quem não tem, fica sem.

Assim, o acesso fica impossível até a quem pode pagar por ele, mas mora em determinados lugares do país.É o que as operadoras chamam de “problema de demanda”. As empresas não querem garantir acesso em espaços pouco rentáveis, a não ser que o Poder Público adote medidas suficientes para que esse direito necessário à cidadania, como diz o Marco Civil da Internet, seja assegurado a todos e todas.

Seguindo a lógica do mercado, temos um cenário em que 32 milhões de casas no Brasil ainda estão desconectadas – e não à toa a maior parte delas está na região Norte, nas áreas rurais e em lugares que abrigam as famílias da classe D e E, segundo a Pesquisa TIC Domicílios 2014.

Entidades da sociedade civil organizadas em torno da Campanha Banda Larga é um Direito Seu, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Articulação Marco Civil Já, entre outras, têm atuado junto ao governo, à Anatel e aos parlamentares para defender a necessidade de mecanismos que garantam o acesso à Internet a quem hoje não está conectado, com parâmetros de qualidades e preços compatíveis com a renda dessa parcela da população.

Nesse sentido, o FNDC e a Campanha Banda Larga é Direito Seu lançaram um documento afirmando esses princípios e criticando as tentativas de desregulamentar o setor.

Organizações da sociedade civil, como o Intervozes, apresentaram diversas contribuições na consulta pública para a revisão da Lei Geral de Telecomunicações realizada pelo governo entre o fim de 2015 e o início de 2016 (conheça a contribuição do Intervozes aqui).

Mas somente ampliando o debate será possível barrar a ofensiva que pretende atacar o direito dos cidadãos à comunicação, em especial na Internet. Assim como em disputas recentes em outros países, os usuários são fundamentais na luta para que este seja um ambiente livre, de qualidade e acessível.

Você também pode contribuir com essa luta, compartilhando informações sobre o tema e enviando sua opinião para os integrantes da comissão que analisa o Projeto de Lei 6789/2013. Veja a lista abaixo e manifeste-se!

Dep. Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP) – Relator  – [email protected]

Dep. Ronaldo Nogueira (PTB/RS) – Presidente – [email protected]

Dep. Miguel Haddad (PSDB/SP) – 2o Vice-presidente – [email protected]

Dep. André Moura (PSC/SE) – [email protected]

Dep. Augusto Coutinho (SD/SE) – [email protected]

Dep. Carlos Augusto Andrade (PHS/R) – [email protected]

Dep. Fábio Reis (PMDB/SE) – [email protected]

Dep. Jeronimo Gorgen (PP/RS) – [email protected]

Dep. Marcos Rotta (PMDB/AM) – [email protected]

Dep. Marcos Soares (DEM/RJ) – [email protected]

Dep. Roberto Alves (PRB/SP) – [email protected]

Dep. Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ)  – [email protected]

Dep. Bilac Pinto (PR/MG) – [email protected]

Dep. João Daniel (PT/SE) – [email protected]

Dep. Jorge Solla (PT/BA) – [email protected]

Dep. José Carlos Araújo (PR/BA)  – [email protected]

Dep. Margarida Salomão (PT/MG) – [email protected]

Dep. Sandro Alex (PSD/PR) – [email protected]

Dep. Eduardo Cury (PSDB/SP) – [email protected]

Dep. Flavinho (PSB/SP) – [email protected]

Dep. Paulo Abi-Ackel (PSDB/MG) – [email protected]

Dep. Wolney Queiroz (PDT/PE) – [email protected]


* Jonas Valente é jornalista, integrante do Coletivo Intervozes e pesquisador do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia da UnB na área de ciência e tecnologia.

 

 **************

Leia abaixo a íntegra da resposta do deputado Jorge Tadeu Mudalen:

“Prezados jornalistas da revista Carta Capital

Venho por meio desta esclarecer os aspectos do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 7.406, de 2014, do qual sou relator na Câmara dos Deputados, especialmente em relação as seguintes afirmações.

Destruição de obrigações legais no regime público

As operadoras, com o apoio do governo federal, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e de deputados federais, buscam destruir as poucas obrigações legais previstas no modelo chamado de “regime público” (que possui metas de universalização, obrigação de continuidade, controle tarifário e devolução da infraestrutura explorada pelas empresas ao Estado, após o fim da concessão).”

O Substitutivo ao Projeto de Lei nº 7.406, de 2014, não destrói, não altera, não elimina o regime público do STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado. A única alteração que fazemos na LGT – Lei Geral de Telecomunicações – é a obrigatoriedade de que a instituição de novo serviço em regime público ocorra por meio de lei, para que o tema seja debatido amplamente pela sociedade no Congresso Nacional.

Ademais, ressaltamos que o nosso Substitutivo não altera nada a respeito de “metas de universalização, obrigação de continuidade, controle tarifário”, visto que tais aspectos são tratados na legislação infralegal.

Também não tratamos sobre os bens reversíveis em nosso Substitutivo, motivo pelo qual a afirmação de que dispusemos sobre a “devolução da infraestrutura explorada pelas empresas ao Estado, após o fim da concessão” não tem fundamentação em fatos, já que o tema, repito, não foi tratado no Substitutivo ao PL 7406/2014 e tampouco em qualquer um de seus apensos.

O objetivo da ofensiva? Transformar as telecomunicações brasileiras em uma terra bem menos regulada e acabar com os mecanismos que o Estado tem para obrigar as empresas a garantir acesso, inclusive à Internet, para toda a população, com qualidade e a preços acessíveis.

Novamente, ressaltamos que não há no Substitutivo qualquer alteração que torne o setor “menos regulado” ou que acabe com mecanismos que o Estado tem para obrigar empresas a garantir acesso à Internet.

Muito pelo contrário. Em nosso Substitutivo nós adotamos medidas para reforçar o papel regulador do Estado, conferindo mais autonomia orçamentária e de governança à Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações.

Além disso, conferimos competências adicionais à Anatel para permitir que a agência possa operar com mais rigor no processo de fiscalização do setor de telecomunicações.

No que respeita ao acesso à Internet a toda população, o nosso Substitutivo adota medidas que permitem que os bilhões de reais que estão no Fust – Fundo de Universalização das Telecomunicações – possam ser usados em programas de universalização de Internet, algo que não é possível hoje, ampliando, assim, o acesso da população à Internet.

os grupos empresariais pretendem não devolver nem pagar pelo uso do patrimônio de mais de R$ 100 bilhões que foi construído pelo Sistema Telebrás e que, depois da privatização, passou a ser explorado pelas concessionárias de telefonia fixa (Oi, Vivo e Embratel).”

Novamente, não há absolutamente nada em nosso Substitutivo que trate dos chamados “bens reversíveis”, que, supomos, seriam o “patrimônio de mais de R$ 100 bilhões” ao qual o artigo se refere na passagem acima.

O Projeto de Lei 6789/2013, na versão atual elaborada pelo relator deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP), destrói o regime público e as obrigações das empresas e tira a possibilidade do governo federal definir o que poderia ser prestado segundo as regras deste regime.”

Ressaltamos que o nosso Substitutivo não “destrói” o regime público, não altera metas e tampouco regras de funcionamento de serviço prestado em regime público.

Na realidade, o nosso Substitutivo até mesmo reforça a segurança jurídica de eventuais novos serviços prestados em regime público, visto que passamos a dar a tal regime a autorização em nível legal, e não mais no nível regulamentar, que é como o regime público opera atualmente.

Além disso, admite o uso dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST) no regime privado, que conta com menos garantias e que atualmente é desconsiderado para serviços essenciais, e em financiamento direto do serviço, criando, por exemplo, uma espécie de bolsa celular ou bolsa Internet.

É importante considerar que, hoje, há apenas um serviço prestado em regime público, que a telefonia fixa. Assim, ao permitirmos que os recursos do Fust sejam usados em regime privado, estaremos garantindo que seus recursos possam ser usados em programas de inclusão digital e universalização de banda larga, que são as grandes demandas dos cidadãos na atualidade.

 “O texto também permite que as empresas deixem de contribuir com até 95% do valor devido em razão dos fundos setoriais destinados ao desenvolvimento, fiscalização e acesso aos serviços de telecomunicações, caso o governo federal não faça uso dos recursos. (…) O correto seria estabelecer mecanismos legais que barrem o contingenciamento e não que levem à quase extinção desses fundos. Precisamos, portanto, dizer aos parlamentares que somos contra este projeto (veja abaixo como).

Na realidade as medidas que adotamos em nosso Substitutivo apontam para incentivar ainda mais os usos dos fundos setoriais em suas finalidades legalmente previstas: universalização, fiscalização e financiamento à pesquisa e desenvolvimento em telecomunicações.

Dessa forma, com a regra que estipula que a arrecadação cairá no exercício fiscal subsequente, caso o governo não use os recursos em sua totalidade, é um forte estímulo para que o dinheiro arrecadado por meio desses fundos setoriais seja aplicado em suas finalidades.

Pela proposta do governo (que se assemelha à do PL 6.789/2013), as operadoras não precisarão mais ter obrigações relativas à telefonia fixa, em especial quanto ao local onde ofertar o serviço e a tarifa a ser cobrada.”

Novamente ressaltamos que nem o PL 6789/2013 e tampouco nosso Substitutivo trata de obrigações relativas ao serviço de telefonia fixa, bem como a metas de cobertura geográfica ou de tarifas. Logo, a afirmação acima não tem fundamentação em fatos.

Sendo assim, gostaria que estes nossos esclarecimentos ao artigo “Deputados, governo e empresas atacam direito à Internet em meio à crise” fosse publicado no mesmo veículo.

Deputado Jorge Tadeu Mudalen

 

 

 

 

 

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