Sustentabilidade

Queimadas e desmatamento na Amazônia puxam aumento das emissões brasileiras

Sete municípios da região amazônica estão entre os maiores emissores de gases-estufa

Créditos: EBC
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Pela primeira vez objeto de um estudo específico no Brasil, as emissões de gases causadores de efeito estufa decorrentes das queimadas aumentaram 87% em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, em relação ao ano anterior. Segundo o relatório “Análise das Emissões Brasileiras de Gases de Efeito Estufa – e suas implicações para as metas de clima no Brasil”, divulgado na quinta-feira 4, foram 517 milhões de toneladas de CO2 lançadas na atmosfera por queimadas naquele ano, sendo que pouco mais de 50% (259 milhões de toneladas) foi decorrente de queimadas atípicas no bioma amazônico.

“A Amazônia viu um grande número de incêndios em florestas em 2019, quando as queimadas fora de controle no mês de agosto colocaram o Brasil no centro de uma crise internacional”, afirma o estudo, baseado nos dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) e publicado pelo Observatório do Clima, colegiado formado por 56 organizações e movimentos socioambientais. O incremento da nova prática que, segundo o relatório, “degrada florestas em pé que normalmente não queimariam” veio piorar o quadro já tradicional de desmatamento em todo o país e, mais sensivelmente, na região amazônica.

É isso o que demonstra o inédito levantamento da quantidade de gases-estufa emitidos por todos os 5.570 municípios brasileiros. Mais uma vez a Amazônia aparece como a grande preocupação, com sete municípios entre os dez maiores emissores nacionais, todos eles com histórico de desmatamento. Juntos, os sete lançaram na atmosfera 172 milhões de toneladas brutas de CO2 em 2018, último ano englobado pelo estudo no que diz respeito às análises por município. O campeão brasileiro é São Félix do Xingu (PA), município com o maior número de cabeças de gado do país, com a emissão de 29,7 milhões de toneladas, número mais elevado do que Uruguai e Chile, por exemplo.

Altamira (PA) é o município vice-campeão em emissões de gases-estufa, com 23,3 milhões de toneladas de CO2 em 2018. Em terceiro lugar aparece Porto Velho (22,4 milhões), seguida pelos também amazônicos Pacajá (PA), quinto com 15 milhões; Colniza (MT), sexto com 14,2 milhões; Lábrea (AM), sétimo com 13,7 milhões e Novo Repartimento (PA), oitavo com 12,2 milhões de toneladas de CO2. Os únicos municípios não-amazônicos que aparecem entre os dez maiores emissores são grandes centros urbanos: São Paulo (quarto lugar com 17,9 milhões de toneladas emitidas), Rio de Janeiro (nono lugar com 11,7 milhões) e Serra, na área metropolitana de Vitória (décimo lugar com 11, 5 milhões).

Se levada em conta a emissão por estados, o Pará aparece na frente com 18,4% do total das emissões brasileiras em 2018, seguido por Mato Grosso, com 10,6%, dado que também aponta para a influência do desmatamento do bioma amazônico sobre a taxa nacional de emissões. Outra evidência é que o Amazonas, com 6,8% das emissões nacionais, aparece em quarto lugar, praticamente empatado com São Paulo (6,9%) e Minas Gerais (6,7%), respectivamente terceiro e quinto colocados. Segundo o relatório, “é a primeira vez que o Amazonas aparece entre os quatro maiores geradores de emissões brutas” e que isso se deve a “fontes de emissão como o desmatamento e a agropecuária”.

Coordenador geral do SEEG, Tasso Azevedo saúda a nova inciativa: “Até hoje menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa. Agora todos terão os dados para uma série de 20 anos e esperamos que isso sirva de estímulo para promover o desenvolvimento local com redução das emissões e enfrentamento das mudanças climáticas”, diz. O ambientalista ressalta que os dados são disponibilizados de forma aberta e gratuita: “Isso significa também uma enorme economia de recursos públicos, que podem ser focados em ações para reduzir as emissões”.

Para o biólogo e analista climático Pedro Graça Aranha, o estudo do SEEG traz uma evidência: “Quando a gente observa o mapa das emissões de gases-estufa, percebemos que esses sete municípios ficam em uma área da floresta amazônica conhecida como Arco do Desmatamento. Então, a gente vê como as políticas de proteção ambiental não tiveram eficiência. Nos últimos 20 anos foram investidos muitos recursos na proteção florestal no Arco do Desmatamento. Mas, ao mesmo tempo em que o governo investia na proteção dessas florestas e dessas populações tradicionais, permitia a expansão do agronegócio”, diz.

Aranha ressalta que também no chamado Arco do Desmatamento está a última concentração conhecida de Cerrado: “Se a gente continuar nesse caminho de desenvolvimento, com o agronegócio se expandindo para o Cerrado e a Amazônia, perceberemos nas próximas análises do SEEG, referentes a 2019 e 2020, a expansão do desmatamento e das emissões para os municípios do Cerrado na região que a gente chama de Matopiba e engloba partes do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia. As concentrações de desmatamento serão muito mais amplas do que vemos agora no Pará ou no Tocantins, por exemplo. Isso se dá por uma estratégia de modelo de desenvolvimento muito concentrado na soja e na agropecuária”, diz o ambientalista.

Metas não cumpridas

O estudo traz também a afirmação categórica de que o Brasil não conseguirá cumprir as metas assumidas em 2010 com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), ou seja, não conseguiu reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% nem as emissões de gases-estufa da região em 40% nestes dez anos. Segundo essas e outras metas incorporadas ao Acordo de Paris, o Brasil deveria chegar a 2020 com emissões brutas máximas de 2,06 bilhões de toneladas de CO2, limite que, segundo o Observatório do Clima, já foi estourado em 2019.

“Um ano antes do prazo da meta, as emissões nacionais já eram 4% maiores que o limite mais ambicioso do PNMC (1,9 bilhão de toneladas) e rigorosamente em cima do limite menos ambicioso”, diz o estudo. Isso quer dizer que qualquer crescimento havido no ano passado já fez com que as metas fossem ultrapassadas: “A projeção para 2020, com base na média de variação das emissões nos últimos cinco anos, é de 2,2 bilhões de toneladas de CO2 e, portanto, acima da meta. A meta de redução do desmatamento, como se sabe, não foi cumprida em 2020. Dados do sistema de alerta Deter, do Inpe, que carregam uma subestimativa média de 50% em relação aos dados oficiais do sistema Prodes, já apontavam um desmatamento de pelo menos 9.126 km², mais do que o dobro da meta do PNMC, de 3.925 km²”.

O estudo afirma ainda que as metas nacionais seriam teoricamente mais fáceis de serem cumpridas porque foram estimadas em uma base que “não era realista nem mesmo nos anos de alto crescimento econômico do governo Lula”. Ainda assim, os últimos governos fracassaram no seu cumprimento: “Lembramos que as premissas do PNMC eram irreais e, mesmo assim, o Brasil foi na contramão da política, aumentando suas emissões em quase um terço desde 2010”.

O Observatório do Clima lembra que no ano passado o governo brasileiro deveria ter comunicado à ONU as metas de sua Contribuição Nacional Determinada (NDC, na sigla em inglês) até 2030, conforme o que foi assumido junto ao Acordo de Paris. Deveria também ter apresentado à sociedade um plano de implementação da NDC relativo ao período 2021/2025: “Nenhuma das duas coisas havia acontecido até a publicação deste relatório”, afirma o estudo.

Agro puxa as emissões

O relatório também mostra o que acontece com as emissões em cinco setores da economia. Puxado pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado, o item Mudanças de Uso da Terra aparece como responsável por 44% das emissões nacionais. Em 2019, esse tipo de emissão aumentou 23% em relação ao ano anterior, atingindo 968 milhões de toneladas de CO2 contra 788 milhões de toneladas em 2018.

A agropecuária aparece em segundo lugar, responsável por 28% das emissões totais do Brasil em 2019 (598 milhões de toneladas de CO2): “Somando-se as emissões da agropecuária com a parcela das emissões dos demais setores relacionados ao setor agro, a atividade rural, seja direta ou indiretamente, respondeu por 72% das emissões do Brasil em 2019”. O estudo conclui: “A expectativa de que, na década que se inicia, o Brasil fosse ter uma trajetória de emissões mais próximas dos países desenvolvidos – com forte redução do uso da terra e com setor de energia dominando a curva – não se concretizou”.

O item Emissões por Energia aparece em terceiro lugar, com o lançamento na atmosfera de 413 milhões de toneladas de CO2 (19% do total de emissões nacionais). Em seguida vêm Setor de Processos Industriais e Uso de Produtos (99 milhões de toneladas, representando 5% do total) e Setor de Resíduos (96 milhões de toneladas, 4%).

Os dados completos do relatório Análise das Emissões Brasileiras de Gases de Efeito Estufa – e suas implicações para as metas de clima no Brasil estão disponíveis na plataforma seeg.eco.br.

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