Sustentabilidade

Projetos para frear aumento do uso de agrotóxicos empacam no Congresso

Programa para redução de agrotóxicos, já aprovado em Comissão, espera para ser votado em Plenário. Enquanto isso, avança lógica inversa

Tereza Cristina, ministra da Agricultura, recebendo uma cesta de alimentos orgânicos de um produtor. (Foto: Divulgação/MAPA)
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São 262 agrotóxicos liberados de janeiro até o momento no País, uma tendência que nunca fez questão de mostrar-se discreta. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, atende aos interesses de sua antiga casa, a bancada ruralista, enquanto o Congresso parece imobilizado em tentar levar adiante discussões sobre uma discussão difícil, mas necessária: há futuro sem agrotóxicos, afinal?

O Programa Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PNARA), um projeto de lei de iniciativa da sociedade civil, defende que sim. Com o objetivo de “implementar ações que contribuam para a redução progressiva do uso de agrotóxicos na produção agrícola” e a “ampliação da oferta de insumos de origens biológicas e naturais”, o projeto foi aprovado em Comissão Especial no fim do 2018… e nunca mais voltou a ser discutido para uma votação no Congresso. 

O deputado federal João Daniel (PT-SE), que também atua como agricultor e é assentado, já se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para voltar a colocar o assunto em debate. Na ocasião, foi advertido: caso o fizesse, a bancada ruralista provavelmente colocaria o “PL do Veneno” em pauta. Enquanto o Plenário espera para se decidir, as medidas para uma produção agroecológica sustentável caem cada vez mais por terra.

“Queremos que o PNARA entre em pauta mesmo sabendo que o governo não queira implementar. Pelo menos, daria subsídio para a pauta da sociedade brasileira, em especial aqueles que hoje estão debatendo essa questão da alimentação saudável e dos agrotóxicos”, comenta o deputado.

Classificações novas, velhos interesses

No dia 23 de julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou mudanças na maneira de classificação dos agrotóxicos já liberados no País. Cerca de 1924 produtos já foram alterados para o novo padrão, e, entre eles, apenas 43 estão na categoria de produtos extremamente tóxicos. A migração para o sistema GHS (do inglês Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos) fez com que apenas os venenos considerados letais entrassem nesse rol, e a justificativa era de que o Brasil harmonizaria as regras com países da União Europeia e da Ásia, o que seria bom para as exportações.

Foto: Reprodução

Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-gerente geral de toxicologia da Anvisa, onde atuou por 12 anos, questiona a parcialidade da decisão, tendo em vista que demais mecanismos de controle internacionais seriam bem-vindos no País. “Vamos adotar os mesmos critérios de controle que eles têm lá – programas de monitoramento em vários sentidos, como água, solo, alimento, treinamento de trabalhador, formação, qualificação? Você tem uma série de procedimentos que deveriam estar sendo adotados no Brasil”, comenta.  

Além de mais um ponto de alerta ao trabalhador, que sofre de efeitos diversos por conta do contato com os pesticidas, incluindo a depressão, Meirelles vê mais uma justificativa para se desestimular a pauta da agroecologia no Brasil. “Está dizendo que a questão da toxicidade é irrelevante. Isso aí não tem o foco do interesse público. O que pode acontecer é que aquelas politicas que hoje, já a duras penas, são tocadas para que a gente reduza na população efeitos crônicos e agudos [dos agrotóxicos] sejam desestimuladas.”, analisa.

Em maio, Tereza Cristina participou de um café da manhã orgânico com produtores do ramo, e exaltou o crescimento do setor com a campanha ‘Produto Orgânico – Melhor para a vida’, realizada anualmente pelo Ministério. Em fala, a ministra animou-se com um mercado insurgente, mas não colocou o projeto como uma das prioridades da pasta. “Existe mercado lá fora, existe mercado aqui dentro, inclusive um mercado que paga mais por estes produtores. Então é uma questão de organização do setor”, declarou.

Uma organização que poderia abarcar a produção de commodities, carro-chefe da economia brasileira e também possível pela produção orgânica. “Eu tenho certeza de que é possível sem a utilização de agrotóxico. A gente tem visto o Brasil entrar nesse cenário com café, açúcar, soja, as culturas mais complexas em termos de produção. Se eu tenho uma biodiversidade grande, eu tenho muito mais ferramentas para explorar o ataque às pragas. Vai depender do investimento que eu faço em estudos e pesquisa para essa finalidade”, comenta Meirelles.

Para o pesquisador, a lógica dos venenos no Brasil se baseia em uma tecnologia obsoleta – “o glifosato é o DDT do futuro”, comentou, fazendo uma analogia do agrotóxico mais usado no Brasil com o pesticida que foi banido no mundo inteiro, respectivamente. O PNARA, nesse contexto, aparece como uma esperança distante, mas concreta, de uma mudança de paradigma da produção agrícola brasileira – e, como todo projeto com traços de humanidade no País, repousa silencioso nas mãos do Congresso.

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