Política

O legado de Bolsonaro

Ativistas articulam um Observatório da Governança Ambiental para monitorar políticas públicas no País

“Todo retrocesso traz uma reação equivalente“, comenta Bocuhy - Imagem: Luís Macedo/Ag.Câmara
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Em resposta aos retrocessos na área ambiental, um grupo formado por cerca de 40 observadores nacionais e internacionais lançou, na quinta-feira 4, o Observatório da Governança Ambiental do Brasil (Ogan), integrado por ambientalistas, pesquisadores, juristas e estudiosos sobre o tema. A ideia é reunir uma equipe multidisciplinar para se debruçar no acompanhamento e elaboração de políticas públicas voltadas para governança ambiental, tendo como ponto de partida o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), com base na legislação nacional e nos tratados internacionais dos quais o País é signatário. O projeto pretende discutir meios para reestruturar e aprimorar o Sistema, desmantelado pelo governo Bolsonaro.

“Todo retrocesso traz uma reação equivalente da sociedade e o observatório é essa reação, a construção de elementos de controle social permanente, não importa qual seja o governo, para auditar a política ambiental, a partir de uma participação social qualificada, com abordagem científica”, explica Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e um dos idealizadores do Ogan. “Se não houver ampla e efetiva participação social, dificilmente as políticas públicas terão eficácia. O acúmulo de desconformidade ambiental neste momento acabou gerando o Ogan, um instrumento de acompanhamento.”

A ideia é fazer do Observatório um projeto em movimento, sempre em construção, se alimentando e retroalimentando de informações que vão surgindo e que serão analisadas para aprimorar a governança ambiental. As agendas prioritárias têm como base os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável defendidos pelas Nações Unidas, a incluir problemas urbanos, socioambientais e temas transversais que perpassam a questão do meio ambiente. Segundo Bocuhy, o debate sobre sustentabilidade é visto como questão de sobrevivência e precisa ser reconfigurado.

“Temos hoje muita clareza sobre qual modelo econômico precisa ser aplicado visando o futuro. Não precisa inventar a roda, a ciência apontou o caminho. A economia tem de ter uma nova visão, em que haja o limite das alterações aceitáveis dos ecossistemas para o processo de permanência, que ela seja perene, que permita a produção ao longo do tempo”, afirma o coordenador do Ogan. “Tem de haver uma mudança. Os bancos têm de mudar, os agentes que financiam têm de saber o que eles estão financiando. Esse processo é bastante discutido até em documentos do Fórum Econômico de Davos. Está tudo posto. O que precisa é estabelecer mecanismos de implementação. Não é difícil, o problema é a falta de vontade política.”

O desmatamento na Floresta Amazônica atinge mil quilômetros quadrados a cada mês – Imagem: iStockphoto

Bocuhy elenca alguns dos problemas mais urgentes que deverão entrar de pronto na pauta do Observatório da Governança Ambiental, como a realidade de São Paulo, estado mais rico do País e com elevado nível de degradação ambiental. Na transição para uma economia de baixo carbono, o ambientalista diz ser necessária uma mudança do modelo de desenvolvimento, a partir de uma proposta ecológica, que assegure a sobrevivência dos ecossistemas essenciais. Bocuhy critica, por exemplo, o modelo de agronegócio brasileiro, com produção em grande escala, mas que vitima a própria sociedade, seja pela intoxicação com agrotóxicos, seja pela forma inadequada de lidar com o manejo do solo. Nesse aspecto, o Ogan propõe a agricultura familiar, a agricultura em pequena escala e a produção mais artesanal, pensando num projeto que gere emprego e renda.

“A escala de produção comercial não tem vínculo com a questão ambiental. O agronegócio como se apresenta hoje tem uma configuração colonialista. Tem de produzir melhor, com qualidade e mantendo o patrimônio ambiental existente. Na lógica do Observatório, esse modelo econômico e de agronegócio não vai encontrar espaço. Como está, a sociedade vai sucumbir.” A preservação da Amazônia é outro grande desafio. São mais de mil quilômetros quadrados por mês de desmatamento na região, que se agrava ainda mais com a escalada da criminalidade, devido à mineração ilegal, grilagem, tráfico de madeira e drogas e ataques a terras indígenas. O Pantanal e a desertificação no Nordeste são outras prioridades do Observatório, regiões que sofrem há anos com as mudanças climáticas.

Dentro da estratégia de defesa do meio ambiente, o Ogan terá um diálogo permanente com o Parlamento Europeu. “Não dá mais para pensar que políticas ambientais são exclusivas de um país, até porque os problemas são planetários. É muito importante ter pessoas observando o Brasil de fora, com visões, realidades e modelos de desenvolvimento diferentes”, destaca Bocuhy, defendendo que a participação da sociedade civil nas decisões do País é um dos mecanismos mais importantes da democracia.

O Ogan pretende, ainda, estabelecer parcerias com o Ministério Público e órgãos governamentais das esferas federal, estadual e municipal. A articulação visa reabilitar o Sisnama, apontado como o mais importante órgão de defesa do meio ambiente, uma espécie de guarda-chuva federal, a abrigar órgãos estaduais e municipais. “Os três poderes têm competência concorrente, todos têm obrigação, mas virou incompetência concorrente, porque ninguém faz a lição de casa”, critica ­Bocuhy. O Observatório prepara a elaboração de um dossiê com propostas em defesa do meio ambiente, o qual será entregue a todos os presidenciáveis. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1220 DE CARTACAPITAL, EM 10 DE AGOSTO DE 2022.

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