Política
O legado de Bolsonaro
Ativistas articulam um Observatório da Governança Ambiental para monitorar políticas públicas no País
Em resposta aos retrocessos na área ambiental, um grupo formado por cerca de 40 observadores nacionais e internacionais lançou, na quinta-feira 4, o Observatório da Governança Ambiental do Brasil (Ogan), integrado por ambientalistas, pesquisadores, juristas e estudiosos sobre o tema. A ideia é reunir uma equipe multidisciplinar para se debruçar no acompanhamento e elaboração de políticas públicas voltadas para governança ambiental, tendo como ponto de partida o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), com base na legislação nacional e nos tratados internacionais dos quais o País é signatário. O projeto pretende discutir meios para reestruturar e aprimorar o Sistema, desmantelado pelo governo Bolsonaro.
“Todo retrocesso traz uma reação equivalente da sociedade e o observatório é essa reação, a construção de elementos de controle social permanente, não importa qual seja o governo, para auditar a política ambiental, a partir de uma participação social qualificada, com abordagem científica”, explica Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e um dos idealizadores do Ogan. “Se não houver ampla e efetiva participação social, dificilmente as políticas públicas terão eficácia. O acúmulo de desconformidade ambiental neste momento acabou gerando o Ogan, um instrumento de acompanhamento.”
A ideia é fazer do Observatório um projeto em movimento, sempre em construção, se alimentando e retroalimentando de informações que vão surgindo e que serão analisadas para aprimorar a governança ambiental. As agendas prioritárias têm como base os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável defendidos pelas Nações Unidas, a incluir problemas urbanos, socioambientais e temas transversais que perpassam a questão do meio ambiente. Segundo Bocuhy, o debate sobre sustentabilidade é visto como questão de sobrevivência e precisa ser reconfigurado.
“Temos hoje muita clareza sobre qual modelo econômico precisa ser aplicado visando o futuro. Não precisa inventar a roda, a ciência apontou o caminho. A economia tem de ter uma nova visão, em que haja o limite das alterações aceitáveis dos ecossistemas para o processo de permanência, que ela seja perene, que permita a produção ao longo do tempo”, afirma o coordenador do Ogan. “Tem de haver uma mudança. Os bancos têm de mudar, os agentes que financiam têm de saber o que eles estão financiando. Esse processo é bastante discutido até em documentos do Fórum Econômico de Davos. Está tudo posto. O que precisa é estabelecer mecanismos de implementação. Não é difícil, o problema é a falta de vontade política.”
O desmatamento na Floresta Amazônica atinge mil quilômetros quadrados a cada mês – Imagem: iStockphoto
Bocuhy elenca alguns dos problemas mais urgentes que deverão entrar de pronto na pauta do Observatório da Governança Ambiental, como a realidade de São Paulo, estado mais rico do País e com elevado nível de degradação ambiental. Na transição para uma economia de baixo carbono, o ambientalista diz ser necessária uma mudança do modelo de desenvolvimento, a partir de uma proposta ecológica, que assegure a sobrevivência dos ecossistemas essenciais. Bocuhy critica, por exemplo, o modelo de agronegócio brasileiro, com produção em grande escala, mas que vitima a própria sociedade, seja pela intoxicação com agrotóxicos, seja pela forma inadequada de lidar com o manejo do solo. Nesse aspecto, o Ogan propõe a agricultura familiar, a agricultura em pequena escala e a produção mais artesanal, pensando num projeto que gere emprego e renda.
“A escala de produção comercial não tem vínculo com a questão ambiental. O agronegócio como se apresenta hoje tem uma configuração colonialista. Tem de produzir melhor, com qualidade e mantendo o patrimônio ambiental existente. Na lógica do Observatório, esse modelo econômico e de agronegócio não vai encontrar espaço. Como está, a sociedade vai sucumbir.” A preservação da Amazônia é outro grande desafio. São mais de mil quilômetros quadrados por mês de desmatamento na região, que se agrava ainda mais com a escalada da criminalidade, devido à mineração ilegal, grilagem, tráfico de madeira e drogas e ataques a terras indígenas. O Pantanal e a desertificação no Nordeste são outras prioridades do Observatório, regiões que sofrem há anos com as mudanças climáticas.
Dentro da estratégia de defesa do meio ambiente, o Ogan terá um diálogo permanente com o Parlamento Europeu. “Não dá mais para pensar que políticas ambientais são exclusivas de um país, até porque os problemas são planetários. É muito importante ter pessoas observando o Brasil de fora, com visões, realidades e modelos de desenvolvimento diferentes”, destaca Bocuhy, defendendo que a participação da sociedade civil nas decisões do País é um dos mecanismos mais importantes da democracia.
O Ogan pretende, ainda, estabelecer parcerias com o Ministério Público e órgãos governamentais das esferas federal, estadual e municipal. A articulação visa reabilitar o Sisnama, apontado como o mais importante órgão de defesa do meio ambiente, uma espécie de guarda-chuva federal, a abrigar órgãos estaduais e municipais. “Os três poderes têm competência concorrente, todos têm obrigação, mas virou incompetência concorrente, porque ninguém faz a lição de casa”, critica Bocuhy. O Observatório prepara a elaboração de um dossiê com propostas em defesa do meio ambiente, o qual será entregue a todos os presidenciáveis. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1220 DE CARTACAPITAL, EM 10 DE AGOSTO DE 2022.
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.