Sustentabilidade

“Difícil não haver ação política por trás”, diz ambientalista sobre prisão de voluntários

Organizações apontam falta de transparência em relação ao inquérito policial e temem uma campanha de destruição de reputação

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A prisão de quatro brigadistas voluntários em Santarém, no Pará, deixou organizações ambientalistas em “estado de choque” na terça-feira 26 após uma operação da Polícia Civil acusá-las de colocar fogo nas áreas de proteção ambiental em que os brigadistas atuavam. Organizações apontam falta de transparência em relação ao inquérito policial e, agora, temem uma campanha de destruição de reputação de entidades.

A operação deflagrada pela Polícia Civil do estado, nomeada “Fogo do Sairé”, tinha como intuito apurar as causas dos incêndios de grandes proporções que atingiram a região de Alter do Chão em setembro. Foram emitidos mandados de busca e apreensão para ONGs que atuam na região, além dos pedidos de prisão preventiva para os quatro atuantes da Brigada de Alter do Chão.

Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner foram presos nas respectivas residências e fazem parte do núcleo formador do projeto, que capacita voluntários para atuarem no combate ao fogo nas florestas amazônicas junto ao Corpo de Bombeiros.

A ONG Brigada de Alter do Chão afirma que estava colaborando com a polícia nas investigações, e nega que os próprios voluntários, que atuaram junto às forças de segurança na contenção do fogo, tenham causado a situação na região.

“Estamos em choque com a prisão de pessoas que não fazem senão dedicar parte de suas vidas à proteção da comunidade, porém certos de que, qualquer que seja a denúncia, ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros devidamente reconhecida”, informaram em nota.

Além da Brigada, a ONG Projeto Saúde & Alegria e a organização internacional WWF foram alvo dos mandados. A abordagem, porém, foi “truculenta” e sem explicações, relata Caetano Scannavino, presidente da Saúde & Alegria, que teve computadores, HDs, servidores e documentos apreendidos. A conta do Instagram da organização ficou inacessível até a tarde da terça-feira.

“A Polícia Civil chegou armada com metralhadora no nosso escritório sem a gente saber o porquê, sem sabermos qual era a acusação, sem um mandado judicial”, disse Scannavino, que estava em São Paulo para receber um prêmio concedido às 100 melhores ONGs de proteção ambiental do Brasil.

Para o ativista, é improvável que o acontecimento não seja uma forma de retaliação à atuação crítica das organizações ambientalistas ao governo Bolsonaro, especialmente no que tange à gestão do ministro Ricardo Salles sobre a pasta.

“Eu quero crer que não tenha nenhuma relação a gente poder se expressar e questionar, num país democrático, com o que aconteceu hoje. Mas eu acho difícil, tamanho o absurdo, que não tenha por trás alguma ação política”, diz.

A polícia trabalha com a hipótese de que as ONGs atuavam dessa maneira para impulsionar doações internacionais para a causa ambiental, o que teria sido comprovado, segundo o delegado José Humberto Melo Jr., por meio de interceptações telefônicas feitas ao longo dos dois meses de investigação.

Policiais civis na sede da Saúde e Alegria, na terça-feira 26 (Foto: ONG Saúde e Alegria)

A Brigada teria recebido 300 mil reais de uma doação, sendo que 100 mil teriam sido comprovadamente utilizados. O uso do restante ainda não foi comprovado, relatou o delegado. Ele também afirmou que havia suspeitas “desde o início das investigações” de que os brigadistas causavam os incêndios por conta das “informações e imagens privilegiadas” obtidas.

Advogados, entidades de direitos humanos e parlamentares cobram mais informações sobre qual é o inquérito responsável pelos mandados emitidos na terça-feira, que também sustentaria as prisões preventivas dos quatro voluntários, caracterizadas como “ilegais e abusivas” segundo Wandre Leal, responsável pela defesa dos quarteto.

“Os brigadistas já haviam sido ouvidos na delegacia de Polícia Civil. [Eles] forneceram informações e documentos às autoridades policiais de forma completamente voluntária”, acrescentou Leal. “No entendimento da defesa, não há motivo para mantê-los presos. Os requisitos que autorizam a prisão preventiva, existentes no Artigo 312 do Código de Processo Penal, de forma alguma estão em evidência.”

Caetano Scannavino afirma que, até a noite da terça-feira 26, os advogados do Projeto Saúde & Alegria não tinham obtido acesso ao inquérito responsável pela operação. “Eles chegaram lá de manhã e não tinha nenhum pedido judicial, mas sim um mandado de busca genérico. Levaram tudo”.

Ele nega enfaticamente a associação do CNPJ da ONG para recolher fundos aos brigadistas, como apontam as investigações da polícia. O perigo, no entanto, reside na mancha sobre a reputação da organização, que atua na região há 31 anos.

“É zero chance de qualquer uso do CNPJ ou alguma conta bancária do Saúde & Alegria em relação à Brigada. Ele não vai conseguir provar isso. Ao insinuar, ele cria suspeitas que enfraquecem moralmente as ONGs. Quando ele ver que cometeu um erro grave, será que vai dar uma entrevista para falar?”, afirma Scannavino.

O ativista estava à caminho de Brasília a fim de participar de uma reunião nesta terça, mas teve os planos alterados por conta dos acontecimentos e acabou por conceder uma coletiva na Câmara dos Deputados. Em conjunto com a Frente Parlamentar de Defesa da Amazônia, o ativista afirmou que as contas da organização estão todas prestadas no site da ONG.

Repercussão

A Anistia Internacional afirmou que “recebe com preocupação” a notícia da prisão dos quatro brigadistas e citou os discursos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro Ricardo Salles em relação às ONGs e aos incêndios – na época, ambos deram a entender que as organizações teriam interesse econômico no desastre ambiental da Amazônia.

“Quando os incêndios na Amazônia se tornaram uma crise internacional para o governo, o presidente Jair Bolsonaro se apressou em acusar, sem qualquer prova, as ONGs que atuam na floresta. E agora vemos estas prisões sem informações que permitam à sociedade civil ter clareza do que está acontecendo”, aponta a presidente da Anistia, Jurema Werneck.

A Associação Iwipuragã do povo Borari de Alter do Chão divulgou nota que diz sobre uma possível estratégia de desmoralização das organizações da região.

“Entendemos que essas acusações fazem parte de uma estratégia para desmoralizar e criminalizar as ONGs e movimentos sociais de forma caluniosa, áudios fragmentados, circulados fora do contexto, replicam um método já conhecido de influenciar a opinião pública, na tentativa de tornar fato acusações que ainda não foram comprovadas”, diz o documento.

Em Brasília, políticos envolvidos nas comissões do meio-ambiente e de direitos humanos afirmaram que irão pedir informações ao governo paraense em relação ao inquérito da Polícia Civil.

Procurada, a secretaria do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), não respondeu até o fechamento desta reportagem.

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