Sustentabilidade

Devastação da Amazônia pode originar pandemia brasileira

Em entrevista a CartaCapital, Thelma Krug traça o perfil da tragédia ambiental de 2020 e olha ‘desesperançosa’ para o próximo ano

Imagem mostra fumaça de incêndio ilegal na Amazônia. Foto: CARL DE SOUZA/AFP Imagem mostra fumaça de incêndio ilegal na Amazônia. (Foto: CARL DE SOUZA/AFP)
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Mais de 11 mil quilômetros desmatados na Amazônia, o maior índice em 12 anos. Um incêndio florestal sem dimensões recentes no Pantanal, causado pela seca, pelo crime e pelo descaso. A tentativa de anular resoluções que protegiam restingas e manguezais. O desejo, ainda pulsante, de fundir os dois principais órgãos de preservação ambiental do País em um departamento para ser abandonado. Tudo em meio a maior pandemia do século.

Colocado assim, em lista, é notório que as agressões ao meio ambiente não arrefeceram o passo desde 2019, quando o mundo se assustou com o discurso belicoso do presidente Jair Bolsonaro contra a ONGs, os povos indígenas e Leonardo DiCaprio. A sensação é de que muito pouco mudou – o ator de Hollywood, aliás, foi atacado novamente. Viveu-se um repeteco das políticas que, sem espaço para jogos argumentativos, vieram para desmontar a estrutura ambiental do Brasil.

Essa é a análise da pesquisadora Thelma Krug, ex-diretora do Departamento de Políticas para Controle do Desmatamento, convidada pela CartaCapital para traçar uma análise de retrospectiva e perspectivas enquanto esperamos por 2021.

“Fazer melhor a gente sempre pode, mas fazer pior, também. E é isso que está acontecendo.”, declara Krug em entrevista por videochamada (assista abaixo). “Não aceito a desculpa de que [o desmatamento] subiu menos do que se pensava. Não era nem pra ter subido, era pra ter abaixado. Somado a todo esse desmonte, as infelizes frases do nosso presidente pioraram muito as coisas.”, diz.

O desmonte ao qual a climatologista se refere é envolve o Ibama e ICMBio, cujos servidores foram jogados a escanteio e cujas ações foram sucateadas sob Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente.

Desgastado, Salles se ocupa agora de projetos menores. Ainda no cargo por agradar a ala mais radical do bolsonarismo, o ministro foi tirado da mesa dos adultos depois que o País passou a receber alertas de fundos trilionários preocupadas com o desmatamento. Também colaborou para seu ocaso ter xingado o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em um acesso de imaturidade nas redes sociais.

Tudo o que envolve a situação da Amazônia está hoje sob a alçada do vice-presidente Hamilton Mourão, que, enquanto general, supôs que a solução ao problema histórico de grilagem, desmatamento ilegal, ameaça aos povos indígenas e demais imbróglios amazônicos fosse colocar seus homens fardados em campo.

Depois de 3.400 militares, cujo sustenta custa um ano de investimento no Ibama, eis os resultados: até novembro, as ocorrências de desmatamento e queimadas eram 20% maiores do que 2019.

“Os militares não deveriam estar ali atuando em ações que deveriam estar sendo feita pelos agentes de fiscalização e controle do Ibama. O governo peca por não fazer uma análise profunda das coisas. Essa análise tirou toda a credibilidade do Brasil, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Para tudo que o governo possa falar, ele já perdeu. Perdeu a credibilidade, perdeu tudo”, analisa Thelma.

Crise climática é a crise na Amazônia

Lá fora, o mundo aguarda pelas vacinas, mas anseia também pela recuperação econômica de uma crise que varreu empregos, renda e oportunidades.

Debates sobre a necessidade de uma retomada verde, que incentive o desenvolvimento de energias limpas e de empregos que poderão ser criados a partir delas, fazem parte das agendas econômicas europeias e volta a ser considerada nos Estados Unidos após a vitória de Joe Biden sobre Trump.

Para Krug, a discussão não poderia ser outra. Uma aproximação com as metas firmadas pelo Acordo de Paris em 2015 é o mínimo que os países signatários devem fazer. Mas e o Brasil? Para a pesquisadora, não é preciso pensar tão longe e de maneira ampla ao se falar da conservação dos recursos nacionais, já que próxima tragédia global pode surgir dentro de casa.

“Não é só a crise climática. O próprio desmatamento da Amazônia vai criando um problema ali de biodiversidade, você está mudando a floresta como um todo. A floresta não é só árvore, sabe? Tem solo, micróbios, tem tudo, tem vida. O desmatamento provoca alterações num ecossistema como a Amazônia, que a gente pensa que é um ecossistema muito forte, e não é. Se a gente não tomar cuidado, a próxima pandemia pode sair do Brasil. Não vai mais ser a ‘pandemia da China’, vai ser a pandemia brasileira.”, diz.

Assista a entrevista com Thelma Krug:

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