Sustentabilidade

“Certificadora alemã agiu de forma criminosa em Brumadinho”

Promotor afirma que técnicos da alemã TÜV Süd tinham conhecimento dos riscos da barragem

Créditos: EBC
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Após o rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão, na cidade mineira de Brumadinho, veio à tona o envolvimento no desastre da certificadora alemã TÜV Süd, contratada pela Vale. Engenheiros da empresa atestaram a estrutura como estável em setembro de 2018.

Ocorrido em 25 de janeiro, o colapso da barragem da Vale liberou mais de 11 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro e deixou ao menos 207 mortos. Ainda há mais de cem desaparecidos.

Para o promotor de Justiça de Minas Gerais William Garcia Pinto Coelho, responsável pela investigação do desastre, técnicos da TÜV Süd agiram deliberadamente de forma criminosa ao certificar a segurança da estrutura apesar de conhecerem seus riscos.

“Em e-mails trocados por auditores é mencionada abertamente a chantagem por parte da Vale. A Vale teria deixado claro que a TÜV Süd só seria encarregada de um novo serviço se a barragem fosse declarada estável”, afirma o promotor em entrevista à DW Brasil.

Dois engenheiros da TÜV Süd chegaram a ser presos junto com três funcionários da Vale após o desastre de Brumadinho, mas foram soltos no início de fevereiro por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo Coelho, que é especialista em compliance, segurança pública e inteligência de Estado, tanto a Vale quanto a TÜV Süd podem vir a ser acusadas de corrupção. Ele diz ser preciso acabar com a sensação de impunidade no setor da mineração.

DW: Quem é responsável pela tragédia?

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William Garcia Pinto Coelho: Como operadora, a Vale é responsável pelas minas. A Vale toma as decisões empresariais. A TÜV Süd, por outro lado, é uma empresa que foi contratada pela Vale como prestadora de serviços.

DW: Então a Vale, enquanto operadora, é a principal responsável?

WC: Não é tão simples assim. A TÜV Süd colaborou intensivamente com a Vale a partir de 2017: no desenvolvimento de barragens, na elaboração de laudos sobre a estrutura de barragens e, ao mesmo tempo, atestou a estabilidade dessas estruturas.

DW: A TÜV Süd certificou outras barragens além da de Brumadinho?

WC: Nos contratos fechados entre a Vale e a TÜV Süd estava prevista a prestação de serviços em 20 a 30 barragens. Estamos verificando isso. Mas e-mails internos de engenheiros da TÜV Süd comprovam que os funcionários [da empresa alemã] classificaram não apenas o reservatório de Brumadinho, mas também outros de problemáticos.

DW: De que exatamente o senhor acusa a TÜV Süd?

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WC: A TÜV Süd prejudicou e minou deliberadamente a supervisão e a gestão de riscos pelo poder público. A empresa emitiu certificações para autoridades ambientais. Após o desastre de Mariana, há três anos, estas declarações de estabilidade ganharam importância. Elas devem servir como sinal de alerta, chamar a atenção de órgãos públicos para a situação crítica de uma barragem.

DW: Que culpa recai sobre a TÜV Süd?

WC: Quando um auditor, especialmente quando se trata de uma empresa como a TÜV Süd, com reputação e peso internacional, classifica um reservatório de resíduos de “estável”, apesar de os técnicos conheceram em detalhes a história dessa barragem e seus riscos, a empresa corrompe o sistema de controle existente. Isso prejudica as atividades de auditoria do setor público. Com um certificado da TÜV Süd, barragens de alto risco desaparecem automaticamente do radar de órgãos públicos encarregados da segurança.

DW: As direções da Vale e da TÜV Süd sabiam do perigo latente representado pela barragem?

WC: Ainda é cedo demais para dizer exatamente quem na diretoria ou no nível dos diretores sabia dos riscos. Quando investigamos a responsabilidade criminal, precisamos investigar exatamente a que informações as pessoas tinham acesso e em que decisões estiveram envolvidas. Na Vale já sabemos que alguns diretores tinham conhecimento dos riscos.

DW: E na TÜV Süd?

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WC: Na TÜV Süd Brasil temos certeza de que, dos diretores para baixo, muitas pessoas estavam cientes do risco. Discutiu-se isso abertamente em e-mails.

DW: A sede da TÜV Süd em Munique foi informada dos problemas relativos à segurança existentes no Brasil?

WC: Na troca de e-mails da TÜV Süd, é mencionado um funcionário de Munique, que teria vindo ao Brasil uma vez por mês para tomar decisões estratégicas. Ele também teria participado de discussões sobre a estabilidade da barragem 1.

DW: A Vale pressionou a TÜV Süd para que os técnicos da empresa liberassem a barragem 1 para operar?

WC: Sim. Não apenas os técnicos envolvidos afirmam isso, mas também em e-mails internos trocados por auditores é mencionada abertamente a chantagem por parte da Vale. A Vale teria deixado claro que a TÜV Süd só seria encarregada de um novo serviço se a barragem fosse declarada estável. Os técnicos da TÜV Süd usaram entre si o termo “blackmailing” [chantagem]. Estamos agora tentando descobrir se a chantagem era uma prática comum na Vale.

DW: Outras empresas certificadoras se negaram a classificar a barragem de estável a pedido da Vale. A TÜV Süd sabia disso. Ainda assim a empresa aceitou conscientemente o risco envolvido na certificação.

WC: Sim, a TÜV Süd assumiu o risco para preencher essa grande e exclusiva lacuna do mercado. Estava em jogo um serviço no valor de quase 10 milhões de reais, envolvendo outros projetos.

DW: É possível que dinheiro tenha sido movimentado diretamente, ou seja, que o parecer positivo tenha sido comprado e que, portanto, também exista a suspeita de corrupção?

WC: O direito societário brasileiro classifica de ato de corrupção a obstrução ou ocultação de atividades de controle do poder público – não importa se dinheiro foi movimentado ou não. A TÜV Süd e a Vale podem, portanto, ser acusadas de corrupção.

DW: Os engenheiros da TÜV Süd não tinham ressalvas em relação à assinatura de um certificado tão arriscado?

WC: Nos e-mails dos engenheiros da TÜV Süd, alguns deles fazem uma autocrítica, afirmando que não poderiam simplesmente ceder e fazer a vontade da Vale quando ela ameaçava contratar outras pessoas.

DW: Até agora os responsáveis por desastres nos setores de mineração e energia no Brasil sempre ficaram impunes.

WC: É exatamente isso que queremos mudar. Para diretores, não deve haver apenas um risco financeiro quando tomam decisões arriscadas. Senão riscos acabam sendo simplesmente contabilizados como custos para a empresa. Acreditamos que o desastre de Mariana criou uma espécie de sensação de impunidade no setor, porque até agora ninguém foi preso ou condenado. Agora é diferente: os funcionários e gerentes correm o risco não apenas de perder o emprego, mas também de enfrentar penas de prisão.

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