Sustentabilidade

“Caminhamos com água na cintura e fogo na cabeça”: A rotina dos brigadistas no Pantanal

CartaCapital falou com profissionais que estão na linha de frente do combate às maiores queimadas da história na região

Foto: Mayke Toscano/Secom MT
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O mês de setembro registrou o maior número de queimadas da história no Pantanal. Até o dia 23, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram contabilizados 6.048 focos de incêndios no bioma.

O recorde anterior era de agosto de 2005, com 5.993. Em seguida, aparece agosto de 2020, com 5.935. No último dia 16, o número de focos de calor no bioma já superava qualquer valor registrado em meses de setembro anteriores.

Os índices, quando analisados no período que vai do início do ano até agosto, registram a devastação de uma área no Pantanal do tamanho de 12 cidades de São Paulo.

São dois milhões e 966 mil hectares atingidos, 1,7 milhão em Mato Grosso e 1,1 milhão em Mato Grosso do Sul, de acordo com dados mais recentes do monitoramento do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), do Departamento de Meteorologia da UFRJ.

É este o tamanho do defasio que brigadistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA),  bombeiros militares dos estados e voluntários enfrentam diariamente.

“Em muitas vezes, a gente está caminhando no Pantanal com água na cintura e fogo na cabeça. Temos dificuldade de se deslocar, se você não tem agilidade para uma rota de escape ou qualquer coisa do tipo, se está atolado na lama ou na água, o combate se torna bastante difícil de ser realizado”, diz Alexandre Pereira, analista ambiental do Ibama-PrevFogo, em conversa com CartaCapital.

Pereira, que atua há 17 anos no combate e prevenção de incêndios, conta que o trajeto até as áreas queimadas chega a durar oito horas.

A direção do vento, reconhecimento do local e o tipo de terreno são algumas das análises feitas antes de “encarar o fogo”.

“Tem o chamado vento geral, mas tem também o vento criado pelo próprio incêndio. A gente precisa verificar para onde o fogo anda, que tipo de combustível que ele está queimando. Se tem rios ou outras estradas próximas”, explica Pereira.

Como armas, o analista ambiental tem foices, facões, abafadores, enxadas e bombas d’água. Muitas vezes, elas não suficientes. Na conversa, além do prejuízo ambiental, Pereira cita a perda de dois amigos em meio a operações.

Aos 41 anos, Wellington Fernando Peres da Silva, do ICMBio, teve 80% do corpo queimado no Parque Nacional das Emas. Outro colega, o zootecnista Luciano da Silva Beijo, teve quase 100% durante ação nas proximidades da Serra do Facão em Cáceres.

“A gente nunca tinha presenciado algo tão próximo da gente. As duas mortes são provas cabais de que os incêndios estão cada vez mais intensos aqui no nosso país”, afirma Pereira.

Sem hora para acabar

Sinaya Raphaela, cabo do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul, lembra de uma operação em Nabileque, região sul do Pantanal. A missão foi realizada em agosto, mês que, quando comparada a julho, teve um aumento de área queimada em 202%. 

“A gente acordava em torno de 4h para tomar o café da manhã. Geralmente, era arroz carreteiro para aguentar o combate”, conta.

Cabo Sinaya Raphaela Holsbach na operação em Nabileque, região sul do Pantanal

“Quando a gente chegou perto [da área] e viu uma linha de fogo de aproximadamente 20km, olhamos para a direita e não viamos o fim da linha, olhamos para a esquerda e também não viamos. É impactante ver o Pantanal, um lugar tão rico de fauna e flora, pegando fogo naquela intensidade”, acrescenta.

Sinaya, que é natural do MS e tem 14 anos de profissão, atua pela primeira vez no combate a incêndios florestais.

Ela e a cabo Nara Paz foram as primeiras mulheres do Corpo de Bombeiros do estado a serem escaladas para as operações. Hoje, elas estão em Poconé (MT), segundo município com mais focos de incêndio. 

“Tudo evolui muito rápido, de repente a gente está aqui achando que vai para um lugar e aparece outro que já está pior do que aquele que íamos”, relata Sinaya. 

“Humanamente impossível”

O Ministério da Defesa informou que as Forças Armadas atuam, desde o dia 25 de julho, no combate a incêndio no Pantanal no Mato Grosso do Sul e que, no dia 5 de agosto, as ações foram estendidas ao Pantanal mato-grossense.

De acordo com a pasta, as operações contam com embarcações e helicópteros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, além de fuzileiros navais com curso em incêndio florestal.

Segundo o Ministério, em mais de 40 dias da Operação Pantanal, são empregadas 14 aeronaves que contabilizam cerca de 335 horas de voo. Há, ainda, 40 viaturas e duas embarcações no transporte de brigadistas e no despejo de água para conter as chamas.

Além das Forças Armadas, informa o órgão, participam o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), a Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul, os Corpos de Bombeiros do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, o Serviço Social do Comércio (SESC) do Mato Grosso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Incêndio no Pantanal. Mayke Toscano/Secom-MT Incêndio no Pantanal. Mayke Toscano/Secom-MT

No primeiro semestre do ano, no entanto, as mobilizações para prevenção e cuidado com o bioma se concentraram em trabalhos de instituições locais, como o Instituto Homem Pantaneiro (IHP), que atua há 18 anos na região.

“Você tem um cenário de total descontrole.  Eu diria que é humanamente impossível uma ação mais eficiente. Quando você tem que apostar efetivamente para a mão divina, depender exclusivamente de chuva, é porque a situação ganhou uma escala em que a prevenção inexistiu”, pontua o coronel Ângelo Rabelo, presidente do IHP.

Isso porque, em um ano, o governo do presidente Jair Bolsonaro cortou em 58% o orçamento para contratação de brigadistas para prevenção. O valor foi de 23 milhões investidos em 2019 para 9 milhões de reais em 2020, segundo o Portal da Transparência.

“Você se sente incapaz de proteger aquilo que faz parte da sua vida, da sua história”, diz Rabelo.

*Camila da Silva é estagiária e escreveu esse texto sob a supervisão do editor Alisson Matos

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