Sustentabilidade

Brasil falha na aplicação de leis ambientais, diz ONU

Um dia depois de Bolsonaro dizer em Davos que País é o que mais preserva, relatório aponta falhas em impor as leis

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Na história da evolução das leis ambientais no mundo, o Brasil ganha um papel de destaque: poucos países têm uma legislação tão ampla quanto a brasileira. Já em 1988, a Constituição dedicava um capítulo todo ao meio ambiente, dando ao poder público a tarefa de garantir a preservação para as gerações atual e futuras.

Embora reconheça esse feito do Brasil, um estudo global lançado nesta quinta-feira (24/01) pelas Nações Unidas chama também atenção para falhas na aplicação da legislação. “A implementação das leis ainda é fraca”, diz Carl Bruch, um dos autores do Relatório sobre o Estado do Direito Ambiental, da ONU Meio Ambiente.

Entre os sinais mais alarmantes da falta de rigor no cumprimento das leis ambientais no país, Bruch ressalta o número de assassinatos de ativistas. De 2000 a 2015, o relatório aponta que 527 ambientalistas foram mortos no Brasil. Honduras e Filipinas são os próximos do ranking, com 129 e 115 assassinatos, respectivamente.

“É claro que esses crimes geralmente não são praticados pelo governo”, afirma Bruch. “O que impressiona é que o Brasil não tem sido capaz de frear e punir esses ataques com rigor”, adiciona.

Indícios de retrocesso quanto à proteção ambiental também são cercados de preocupação. “É uma ameaça não apenas no Brasil, mas em todo o mundo”, comenta Arnold Kreilhuber, da divisão jurídica da ONU Meio Ambiente, em entrevista à DW Brasil.

Leis específicas e participação da sociedade

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Segundo o relatório, as últimas três décadas foram marcadas por um crescimento de leis ambientais no mundo. Atualmente, 176 países têm alguma legislação na área – em 1972, apenas Noruega, Suíça e Estados Unidos compunham a lista.

“Essas leis são essenciais para o desenvolvimento sustentável. Se não passarmos a implementar de fato a legislação ambiental, não faremos a transição para esse novo mundo sustentável de que tanto precisamos, de baixo carbono, que cria novas vagas de emprego, é mais saudável para milhões de pessoas no mundo”, justifica Kreilhuber.

A participação da sociedade civil organizada é fundamental para o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental, conclui o estudo. Esse papel começou a ganhar notoriedade após a Rio 92, conferência sediada no Rio de Janeiro que estimulou a criação de leis, de ministérios e agências dedicadas ao meio ambiente.

“Foi no Rio que estabelecemos que era importante focar a informação, participação, transparência e justiça ambiental. E a sociedade civil ajuda muito, pois as organizações são capazes de identificar violações que o governo não consegue, pois estão mais próximas daqueles que enfrentam o risco ambiental e as injustiças”, ressalta Bruch.

No Brasil, muitas das denúncias de violações são levadas ao Ministério Público. Entre os anos 1990 e 2000, mais de 3 mil processos dessa natureza foram abertos só no estado de São Paulo. A participação de organizações na criação de leis também é descrita como positiva no relatório – a que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei n° 9985/00) foi proposta por uma ONG.

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Exemplo no Amazonas

Atuando há 22 anos na Vara Especializada do Meio Ambiente e Questões Agrárias no estado do Amazonas, o juiz Adalberto Carim Antônio tem levado para fora do país suas experiências de punição aos criminosos.

Entre os casos de destaque está o de um ex-caçador ilegal de peixe-boi. Depois de cumprir uma pena alternativa num instituto de pesquisa, em que tinha que dar mamadeira aos filhotes de peixe-boi, o infrator se converteu num defensor ambiental.

“Nós acreditamos na aplicação severa da lei, na educação e ressocialização ambiental”, diz Carim Antônio em entrevista à DW Brasil. Mais de 2 mil infratores já passaram pelas oficinas de ressocialização ambiental criadas pela Vara, com taxa de reincidência zero.

“Temos uma das melhores legislações do mundo, mas a implementação é muito falha. Aqui no nosso estado, que é maior que muitos países europeus, a polícia ambiental foi enfraquecida, a Secretaria do Meio Ambiente tem pouco poder pra fazer as coisas”, afirma.

Para lidar com o crime ambiental – que ganhou proporções enormes e passou a ser organizado –, é preciso endurecer a aplicação das leis, e não enfraquecê-las, avalia o juiz.

“Há setores que pensam que, mexendo no licenciamento ambiental, por exemplo, irão facilitar a produção e reduzir despesas. Na verdade, a gente tem que compatibilizar o crescimento com a proteção ambiental. E isso não é uma mensagem de agora, mas de década de 1980”, pontua Carim Antônio.

Ele lembra que o Brasil foi o primeiro país na América do Sul a ter uma política nacional do meio ambiente, estabelecida pela lei 6.938 de 1981, em plena ditadura militar.

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